Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCDXLVII)

São Cristóvão, 13 de dezembro de 2043

Netos muito queridos, certamente, estareis recordados de vos ter contado uma estória passada numa instituição universitária, cujos protagonistas foram alunos do último semestre do curso de formação inicial de professores, jovens que tinham sido preparados para a docência.

Dizia-nos o dicionário que docente era quem ensinava; quem “ministrava aulas”. E muitos dos “ministradores” nunca chegaram a ser professores. Aqueles que iriam dar aulas de química tudo sabiam de química. Os de história conheciam bem os conteúdos da sua disciplina. O mesmo acontecia com os futuros docentes de língua portuguesa, matemática, física, música, filosofia… Eram exímios no domínio da “matéria” da área em que se tinham especializado. O drama consistia em que, ao pretender ensinar alunos, não faziam a mínima ideia de como os alunos aprendiam. Um conhecido palestrante dissera que os dadores de aula pensavam que ensinavam, enquanto os seus alunos fingiam que aprendiam.

Nessa instituição, como na maioria das escolas de formação, não eram criados os “viveiros do futuro”, que o Mestre Morin havia imaginado. Quando pedi aos meus alunos “evidências de aprendizagem”, para que constassem dos seus portfólios, entregaram-me “trabalhos de conclusão de curso” enfeitados com citações do tipo: segundo Piaget, Vygotsky disse… Eu devolvia-lhes os textos, dizendo-lhes que aqueles “trabalhos acadêmicos” não eram fruto de pesquisa – eram cópias. 

Disse-lhes que não me aparecessem com trabalhos semelhantes a teses engordadas com a costumeira lengalenga do “fulano disse”, do “beltrano disse”, porque eu não era “pedagogo fofoqueiro”, não me interessava saber aquilo que alguém disse, mas verificar a aquisição de saberes, a produção de conhecimento. Se eu quisesse saber o que algum pedagogo escrevera, iria ler as suas obras.

Desde o final da década de setenta, nada de novo havia surgido no domínio da produção de conhecimento, no campo das ciências da educação. Nesse tempo, essa delicada área das “ciências humanas” em que todo o mundo se sentia no direito de dar opinião fora invadida pela praga do teoricismo. 

Peagadeuses e quejandos fabricavam e vendiam palestras de power point, publicavam “papers” (o anglicanismo parecia conferir maior credibilidade à “fofoca teoricista”), que não passavam de citações de outras citações (obra, autor, número de página), como se esse “rigor” conferisse à produção teórica – melhor dizendo, reprodução – caráter científico.

Estávamos nos anos noventa, tempo do aparecimento do copy past da Internet. Cortei o mal pela raiz. Ajudei os meus jovens alunos. Ensinei-lhes aquilo que, nos quatro anos de formação, lhes deveriam ter ensinado. 

Para que soubessem pesquisar, ensinei-os a elaborar roteiros de pesquisa, a selecionar informação pertinente, a avaliar e a comparar diferentes informações (como já havia uma precária Internet, desenvolveram senso crítico suficiente para identificar “fake news”). Ensinei-os a comunicar, a produzir currículo, a sintetizar conhecimento, a partilhar “evidências de aprendizagem”, a transformar conhecimento em ação, desenvolvendo “competências”.

Encontrei-os, trinta anos depois, cinquentões, dirigindo agrupamentos de escolas, ou vereadores da educação em autarquias. Os professores eram maioria. Uma minoria tinha fugido das agruras do chão da escola, fora dar aula na universidade. 

A prática de sala de aula, com maior ou menor tratamento paliativo ou com a introdução de modismos readaptados, seguia igual à dos ancestrais.

 

Por: José Pacheco

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