Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MCDLXXIII

Porto, 8 de janeiro de 2044

Nos idos de vinte, recebi um depoimento, que me ajudou a ultrapassar delicadas situações:

Pensamos em desistir varias vezes e retornar ao caminho antigo. Então, fomos criando estruturas organizacionais, que nos permitiram agir em novas formas.

Após muito trabalho e muito estudo, houve muitas conquistas. As crianças demonstravam melhores aprendizagens e víamos avanços em todas as áreas. As relações afetivas foram ampliadas e um grande sentimento de grupo cresceu entre nós.”

Nos idos de vinte, o fundamentalismo pedagógico era uma enfermidade que afetava a perenidade dos projetos. Apoiados por autores de teses sobre inovação – mera sofisticação teórica aprovada por bancas constituídas por quem nunca inovara – novas e velhas seitas pedagógicas e gurus do digital produziram caricaturas de “inovação”, e adulteraram conceitos, convertendo-os em slogans para fins mercantis.

Enquanto os ministérios se excitavam com as ilusões de finlândias e sobrais, o vosso avô temperava o extase geral com a insistência num bordão:

“Inovar é FAZER algo, não se quedar pela teorização de teorias teorizadas, nem se deixar iludir pelo agressivo marketing de abútricas empresas.

Inovar é tomar a decisão ética de mudar”.

Por essa altura, cuidei de ajudar a criar uma democrática e minimalista organização, através da qual se religaram projetos isolados. A ARCA –  Assembleia das Redes de Comunidades de Aprendizagem – começou a tomar forma nos encontros de sábado de janeiro de vinte e quatro. Não mais veríamos serem aniquiladas nobres intenções.

Em Portugal, educadores das Caldas da Rainha tomaram a iniciativa de criar a primeira das ARCAs portuguesas. Outras se seguiriam. A primeira ARCA brasileira surgiu no sul da Bahia, por iniciativa da Fernanda e do Tomás. O encontro de Caraíva decorreu entre 17 e 19 de janeiro de vinte e dois. Quase em simultâneo, outras se revelaram ao mundo, em Mogi das Cruzes, em Maricá e outros lugares onde novas construções sociais de aprendizagem e de educação surgiam.

Continuamos a ajudar quem tomava a decisão ética de mudar. Isso bastava! Nos idos de setenta e seis, um pacífico “Basta!”, também, bastou. Uma democrática e minimalista organização engendrou a primeira associação de pais pós-revolução – me juntei a quatro pais sensíveis à necessidade de mudança. E o “Fazer a Ponte” se FEZ.

A diretora não concordou. Influenciados por ela, alguns pais transferiram alunos meus para outros professores. “Superiores hierárquicos” proibiam o que chamavam de “método impróprio”. Inspetores do ministério e uma horda de burocratas ameaçavam exonerar-me. Jagunços a soldo de “alguém” destruíram a horta, que as crianças cultivavam com extremo desvelo. Derrubaram o “Hospital dos Animais”, onde as crianças tratavam bichos doentes e abandonados, e mataram os animais. Com o sangue das inocentes vítimas, escreveram na parede da escola:

“MORTE AO PROFESSOR”.

Com leis e vícios herdados de uma ditadura de quarenta e oito anos, numa localidade que não aparecia no mapa, com “chefes de família” emigrados por força da crise da indústria têxtil, num prédio em ruinas e sem banheiro, cuidando de alunos de quinze anos analfabetos, se fez uma Ponte.

Eleito diretor, entreguei à comunidade a direção do projeto. Mas, havia sempre quem questionasse:

“E se o ministério proibir?”

A comunidade respondia:

“O ministério que vá para …! Faça, professor! Faça, que nós estamos aqui, para defender os nossos filhos.”

E o vosso avô FAZIA.

E já cá faltava a pergunta da praxe:

Qual será o segredo da perenidade de um projeto?

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