Caçapava do Sul, 13 de janeiro de 2044
Eis-me regressado ao Sul. Desta vez, não pretendo voltar às lides, apenas acompanhar os projetos que, com a Vovó Ludi, ajudei a criar. Coontinuo aprendendo, reaprendendo, partilhando os meus parcos saberes. Neste mesmo mês, o de janeiro, mas de há vinte anos, tambéim voltava ao Brasil possuído por dois antagónicos sentimentos.
Por um lado, se reforçara a esperança de profundas mudanças, por obra daqueles que, reunidos numa ARCA produziam efetiva inovação. Por outro, a deceção de ver que os professores ainda assistiam a palestras de power point, e que a formação de professores continuava tão anacrónica e deformadora como cinquenta anos antes o era. Mas, sobretudo o que mais me preocupava era assistir a conflitos de egos e jogos de poder.
A primeira ARCA brasileira nasceu em Caraíva, em fevereiro de dois mil e vinte e quatro. Estiveram presentes projetos de várias regiões do Brasil e do município de Porto Seguro, alguns dos quais eu ajudara a nascer. Religar era a palavra de ordem, saber dirimir diferenças, cultivar valores comuns, cooperar, concretizar uma nova visão de mundo. Era difícil a tarefa! À semelhança da “via-sacra” vivida nos primórdios do “Fazer a Ponte”.
Mudança, na linguagem ideográfica oriental é a mistura de dois ideogramas: oportunidade e sofrimento. E também o Pessoa já dizia que “quem quiser passar além do Bojador terá de passar além da dor”. Contra ventos e marés erguemos essse projeto. Escolas são pessoas, mas são as pessoas que, não raramente, invalidam intenções. Foi precisa muita paciência, muitas lágrimas vertidas. Quando vos contar a história da Ponte, vereis que foi resultado de resiliência e de muito sofrimento.
Os pais dos nossos alunos foram os nossos maiores aliados. Quando a “fofoca” e a maldicência se instalavam nas relações humanas, os pais defendiam o projeto como uma leoa defende os seus filhos. Até que, após mais de vinte anos de projeto, o ministério da educação o consagrou e o reconheceu no “Primeiro Prémio do Concurso Experiências Inovadoras no Ensino”.
Como corolário de reconhecimento, o ministério celebrou com a Ponte o primeiro contrato de autonomia de que há memória. Porém, não tardaram as tentativas de destruição do projeto. Entre dois mil e quatro e dois mil e doze, perante artimanhas de políticos matreiros e uma sucessão de decisões (tão autoritárias, quanto ilegais) do ministério, o projeto “cristalizou”.
Talvez, um dia, vos fale desse conturbado período. Quase setenta anos após a chegada do vosso avô a Vila das Aves, resta a gratidão àqueles que fizeram possível a continuidade do projeto. Talvez, um dia, vos fale desse conturbado período. Por agora, a mensagem que vos deixo é esta: é muito fácil começar um projeto; difícil é não o desvirtuar, ou não o deixar morrer. Por isso, no Brasil dos idos de vinte, cuidei de ajudar a criar uma organização – a ARCA – na qual se religaram projetos isolados.
Na ARCA não cabiam educadores auto-centrados, nem protagonismos fúteis. A cultura profissional seria reelaborada, ao longo de um processo de formação iniciado em meados de fevereiro de dois mil e vinte e quatro.
Nesse tempo, a cultura profissional dos professores era condicionada pela obediência formal a “superiores hierárquicos” e pela tentação de entrar na “zona de conforto”, de onde jamais sairiam. E, por essa razão, a maioria dos professores morria aos vinte e era enterrada aos sessenta ou setenta.
Netos queridos, por que seria tão difícil deixar de ser dador de aula, nesse tempo? O que os impedia de tomar a decisão ética de serem professores?
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