Icaraí, 23 de janeiro de 2044
Netos queridos, pedistes que vos explicasse a diferença entre escola da rede pública e Escola Pública. Vos satisfaço a curiosidade, ao longo de algumas cartinhas, começando pela “Nota de Apresentação” de um livro que teve por título “Defender a Escola Pública”. Ei-lo:
“O Projeto Educativo que vem sendo construído por um coletivo de professores na Escola da Ponte, em Vila das Aves, constitui um sinal de esperança para todos os que acreditam e defendem a possibilidade de construir uma Escola Pública aberta a todos os públicos, baseada nos valores da democracia, da cidadania e da justiça, que proporciona a todos os alunos uma experiência bem-sucedida de aprendizagem e de construção pessoal.
A Escola da Ponte representa uma singularidade na qual é possível vislumbrar a totalidade sistémica dos problemas que se colocam ao nosso sistema escolar, bem como algumas hipóteses sólidas de possíveis soluções que contrariam o nosso proverbial ceticismo.
Referimo-nos aos problemas da organização escolar e da sua gestão, aos problemas da inclusão e da construção de uma vida escolar democrática e participada, ao problema de exercer o rigor nas aprendizagens com base no gosto por aprender, ao problema de fazer coincidir a formação de professores com a construção autónoma de uma profissionalidade responsável.
A atitude adotada pelo Ministério da Educação, relativamente a esta escola, ilustra a realidade profunda que marca a sua política e a contradição entre os atos e a retórica. No caso da Escola da Ponte, o mérito é penalizado, o protagonismo das famílias contrariado, a responsabilização da escola pelos seus resultados desencorajada, o rigor da avaliação externa ignorado.
Nesta perspetiva, o caso da Escola da Ponte não constituiu mais um dos muitos fait-divers em que costumam ser férteis os inícios de ano letivo, mas um verdadeiro analisador da nossa realidade educativa e do sentido da política prosseguida pelo Ministério da Educação.
A luta da Escola da Ponte marcou uma fronteira que separa duas maneiras distintas de diagnosticar e pensar o futuro da escola e o papel a desempenhar pelo poder público. A defesa da Escola da Ponte passou a representar para muitos educadores e cidadãos um meio de preservar e promover um serviço público de educação que tenha como vocação o sucesso de todos e faça da participação de professores, alunos e pais um exercício permanente de cidadania. O exemplo da Escola da Ponte, pelas finalidades que prossegue, pelas metodologias de organização e de trabalho que constrói, pelas alianças em que se fundamenta e pelos resultados que evidencia é um bom ponto de partida para promover o debate sobre o futuro de uma Escola Pública que é preciso tornar mais pública.
Reúne-se um conjunto de testemunhos de especialistas na área da educação, conhecedores diretos da experiência em causa e solidários com ela. E um conjunto de documentos para memória futura, que incluem, nomeadamente, um texto que apresenta a experiência da Escola da Ponte, bem como uma cronologia dos acontecimentos mais recentes.
Com a publicação deste livro pretendemos, por um lado, documentar a solidariedade com o projeto Fazer a Ponte e, por outro lado, favorecer a possibilidade de que todos possamos aprender com a sua experiência. Pretendemos, ainda, marcar um momento de um debate necessário a que urge dar sequência.”
Foi há mais de quarenta anos e o debate não teve sequência. Por isso, ao longo dos anos, me foram perguntando:
“Por que não há mais Escolas da Ponte?
E eu perguntava:
Por que não há Escola Pública?
Por: José Pacheco
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