Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MCDXCI

Betim, 27 de janeiro de 2044

Quando criança, eu inquiria o porquê das coisas e escutava a inevitável resposta (quando havia resposta…): 

“Um dia, hás de perceber por que razão aprendes aquilo que eu te estou a ensinar.”

Septuagenário, continuava sem saber quando chegaria esse dia, e sem perceber o porquê de muitas coisas com as quais “me prepararam para a vida”.

Décadas a fio, resisti à tentação de desistir de perguntar, insistindo na busca de “explicação” para a monstruosa manutenção do modelo prussiano de escola. Percorri meio mundo, até que vencido pelo cansaço, decidi suspender a andarilhagem, a retirar-me de cena, sem que tivesse encontrado “respostas” para as perguntas que fazia, pois ninguém respondia.

Eis senão quando, em 2021, numa viagem a Portugal, incidentes críticos se sucederam em catadupa. Várias vezes – mais concretamente, vinte e três vezes – escutei a mesma pergunta:

“Professor, lembra-se de mim?”

Não “lembrava”. Quem a mim se dirigia desse modo estava casa dos cinquenta anos de idade, e eu já septuagenário. Perguntava quem eram e onde nos teríamos encontrado, conhecido. 

“Fui seu aluno na universidade.”

“Fui sua aluna na Escola Superior de Educação.”

As respostas convergiam no tempo em que fizera formação inicial de professores. No tempo em que eles contavam vinte e poucos anos. Em dois mil e vinte e um, três décadas decorridas sobre a conclusão dos seus cursos, esses jovens cinquentões, na sua maioria, eram diretores de agrupamentos de escolas, autarcas, lideranças com poder de decisão. 

Aqueles educadores dispunham (finalmente) de condições de concretizar a “escola dos seus sonhos”, nome de um documento recheado de evidências de aprendizagem, que apresentaram aos seus colegas (e a mim), no final do último semestre do seu curso.

Regressado ao Brasil, decidi manter-me “na ativa” por mais algum tempo, de modo a poder ajudá-los a “realizar os seus sonhos”. Talvez fosse capricho do destino o simultâneo ressurgimento de pedidos de ajuda provindos de famílias e professores. Escutei queixas e intenções, defini uma data-limite para parar a vida de andarilho e me lancei na elaboração de uma proposta, que dei a conhecer num livrinho.

Quando me lancei num urgente exercício de escrita, apercebi-me de que não poderia reunir num só livro o manancial de “informação” requerida por quem motivou uma mudança de rumo de um velho professor. Resolvi quedar-me pela elaboração de algo que nunca imaginei ter de fazer – um esboço de “manual” – pospondo para mais uma dezena de tomos o aprofundamento do conceito e da prática de “novas construções sociais de aprendizagem e de educação”.

O primeiro dos tomos não passava de uma “introdução” a outros livrinhos, que dei à estampa, ao longo de dois mil e vinte e quatro, exatamente, durante o tempo de um processo formativo iniciado em fevereiro e que se prolongaria pelo tempo necessário para a criação de uma rede de comunidades de aprendizagem – a primeira das novas construções sociais – organizadas em assembleias de redes. 

Na Antiguidade Clássica, grandes obras eram subdivididas “volumen”, rolos de papiro. Por se tratar de uma obra menor, não a reparti por “volumes”, optei por segmentá-la em tomos. Tomo substantivo também poderia assumir-se como conjugação do verbo “tomar”, e eu pretendia que o alimento do espírito fosse “tomado” em pequenas e praxeológicas (conjugação de teoria e prática) doses. Isto é: que a redação dos vários tomos fosse acompanhada de transformações operadas no processo de formação.

Netos queridos, quereis que vos conte o que escrevi no primeiro dos tomos?

 

Por: José Pacheco

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