Anastácia, 4 de fevereiro de 2044
“Anastácia desperta uma série de desejos que deverão ser reprimidos, quem se encontra uma manhã no centro de Anastácia será circundado por desejos que se despertam simultaneamente. Anastácia, cidade enganosa, tem um poder, que às vezes se diz maligno e outras vezes benigno: se você trabalha oito horas por dia, a fadiga que dá forma aos seus desejos toma dos desejos a sua forma, e você acha que está se divertindo em Anastácia quando não passa de seu escravo.”
Essa cidade invisível era habitada por escravos voluntários, muito semelhantes aos funcionários, que o sistema educacional dos idos de vinte recompensava, seguindo um vergonhoso princípio: “quanto mais tempo me servires, mais dinheiro te darei”.
Não importava qual fosse a qualidade do trabalho desenvolvido pelo professor “funcionarizado”. Ele só precisava de “marcar o ponto”, preencher “papelada”, copiar e aplicar “planejamentos” “dar aula”, ser serviçal de um sistema.
Estava estabelecido que a progressão nos escalões da carreira se faria “por decurso de tempo de serviço efetivo; pela frequência com aproveitamento de módulos de formação”.
Os efeitos do “aproveitamento de módulos de formação” não eram de curto prazo, nem o acumular de certificados e créditos pressupunha o aumento da boa qualidade de desempenho. Também não estava provado que a experiência acumulada “no decurso de tempo de serviço” conferia maior qualidade ao exercício da profissão – confundia-se “experiência” com “formação experiencial”, ou com a “valorização de adquiridos”!
Fui dirigente sindical. Numa reunião de elaboração do “Estatuto da Carreira Docente”, um colega afirmou ter 30 anos de experiência e que, por isso, tinha direito a melhor salário e a prioridade nos concursos.
Perguntei-lhe se dava aula. Disse que sim E eu informei-o de que estava errado o seu raciocínio. Só tinha um ano de experiência – durante 29 anos, apenas repetira 29 vezes a experiência do primeiro.
A cultura de castas se reproduzia, sem se distinguir “servidor” de “serviçal”. Em outubro de 2020, um jornal publicava uma ridícula notícia, que reproduzia e reforçava ancestrais e obsoletos conceitos de servidor público e de escola:
“Uma super boa notícia para os concurseiros! O próximo concurso público para professores efetivos já tem data definida para ser lançado!”.
Naquele tempo, os professores eram “concurseiros remanejados”. Na minha terra, o manajeiro era o capataz que controlava o remanejamento do gado. Sem avaliação de desempenho, apenas valendo como critério o tempo de serviço, era compensada uma bovina servidão aos “superiores” e comprometida a estabilidade das equipes de projetos inovadores. De um ano para o seguinte, professores eram substituídos por dadores de aula “funcionarizados”, que, em pouco tempo e a mando de outros funcionários, destruíam os projetos.
A profissão de professor esteva fragmentada em castas, réplicas da escola da Prússia militar e da Inglaterra da Primeira Revolução Industrial. Era evidente a diferença de estatutos entre profissionais de um mesmo ofício: “professor coordenador, efetivo, provisório, eventual, substituto, contratado, agregado, readaptado, temporário, do “superior” e do “inferior”. E um professor do ensino “superior” auferia salário duas ou três vezes superior ao do… “inferior”.
Como poderia ser erradicada a “funcionarização” dos professores? Quando seriam extintas as castas e dignificada a profissão?
A “funcionarização” era mais um indício de corrupção moral. Por que se terá mantido por tanto tempo?
Por: José Pacheco
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