Maceió 5 de fevereiro de 2044
“Finalmente, a viagem conduz à cidade de Tamara. Penetra-se por ruas cheias de placas que pendem das paredes. Os olhos não veem coisas, mas figuras de coisas que significam outras coisas. O olhar percorre as ruas como se fossem páginas escritas: a cidade diz tudo o que você deve pensar, faz você repetir o discurso, e, enquanto você acredita estar visitando Tamara, não faz nada além de registar os nomes com os quais ela define a si própria.”
Queridos netos, vos recomendo a leitura do livro do Ítalo Calvino. É um sem-fim de imagens, ou como alguém disse, uma “espécie de atlas do sonho geométrico humano, um relato metanarrativo”, uma reflexão de Ítalo sobre a noção de Utopia.
Há cinquenta ou trinta anos atrás, não faltaram educadores éticos, pretendendo dar forma a utopias educacionais, e que se defrontavam com um conjunto de interditos e não-ditos da profissão. Em noventa e cinco, num texto intitulado “Dez palavras não ditas, ou o rosto oculto da profissão docente”, Perrenoud isto escreveu:
”O que é importante, para formar professores, para controlar o desenvolvimento dos sistemas educativos, as reformas das estruturas e dos currículos, o combate ao insucesso escolar, não são julgamentos globalmente equilibrados dos professores, enviando de volta para trás detratores e defensores incondicionais.
Para construir um plano e sistemas de formação, seria melhor fazer uma análise paciente da complexidade da profissão, ter em conta o que é dito publicamente, e que contém alguma verdade, mas também, e talvez antes de tudo, identificar o que está no cerne das práticas pedagógicas, mas não pode ser dito publicamente.
A pergunta pode parecer trivial: toda organização não tem cadáveres no armário, toda corporação profissional sua ovelha negra?
Há, em cada corpo constituído, à margem, uma fração de pessoas estritamente indefensáveis, que usurpam seu título e a confiança depositada neles. A corporação não pode reconhecer isso publicamente, exceto quando é a única maneira de se proteger do risco ainda mais grave de parecer encobrir o inaceitável. A imagem pública do profissional “médio” proposta por uma corporação profissional é, portanto, sempre mais otimista do que a diversidade real de práticas e profissionais.
Os praticantes mais admiráveis são destacados por suas habilidades, dedicação, trabalho árduo, retidão e espírito inovador. Minimiza-se a proporção daqueles que não possuem as qualificações exigidas, fazem o mínimo possível, não cumprem as regras éticas ou não renovam sua formação.
Por que os professores deveriam ter mais interesse do que outros em reconhecer abertamente a imperfeição?
Seria muito interessante comparar a maneira como tentam esconder, ou minimizar, sua parcela de falhas ou “erros”. Não me interessam as margens, mas a página, o que constitui o núcleo da profissão exercida por professores comuns, normalmente competentes e respeitáveis.
Não se trata, portanto, de exceções, por mais numerosas que sejam, mas de regra: a docência parece-me ser uma profissão em que alguns componentes principais são ignorados ou largamente diluídos nas imagens públicas da profissão e mesmo nas imagens internas.”
O Philippe analisava aspetos não ditos da profissão docente: o medo; a sedução negada; o poder vergonhoso; a avaliação todo-poderosa; o dilema da ordem; a parte ineficiente; a solidão ambígua; o tédio e rotina; a discrepância indescritível; a liberdade sem responsabilidade.
Por que seria que o Philippe chamava a esses não-ditos “comédia de maestria e racionalidade”?
Por: José Pacheco
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