Penedo, 6 de fevereiro de 2044
No fevereiro de dois mil e vinte e quatro, o vosso avô andava por terras alagoanas, conversando com professores e gestores, falando-lhes da necessidade de romper com distopias.
Convivi com professores gestores de elevada qualificação profissional, que diziam pretender concretizar uma gestão democrática. Fiz-lhes ver que essa seria uma utopia realizável, se as escolas se assumissem em autonomia. O exercício de autonomia era condição sine qua non de gestão democrática.
E em que consistia esse exercício?
Diretor, ainda que sujeito a concurso, ou eleito pelos seus colegas, sempre deveria sujeitar-se ao indigno “dever de obediência hierárquica”. Mesmo que não concordasse com a ordem recebida, deveria cumpri-la e fazê-la cumprir pelos “subordinados”. Só através de uma gestão comunitária se poderia aspirar a uma gestão democrática.
Senti ter quebrado um pouco o entusiasmo da festa de tomada de posse dos novos gestores, quando lhes dirigi essa e outras perturbadoras perguntas. Em breve vos direi o que sucedeu. Nesta cartinha, prefiro falar da apresentação de um livro sobre Penedo, que antecedeu a minha “palestra”.
Foi um momento de “criação de comunidade”, base de afirmação de uma autonomia, ainda que relativa. E, quando os autores do livro referiram a origem do termo “Penedo”, assomou à memória o dia em que uma criança me perguntou:
“Porque é que a nossa terra se chama Vila das Aves?”
“Por que será?” – eu respondia sempre com perguntas…
A curiosidade se consumou numa pesquisa. Elaboramos um roteiro de estudo, através do qual, os alunos “passearam” pela história local, descobrindo que o primeiro rei tinha nascido nas “Bouças do Rex” e não em Guimarães. Estudaram Geografia, Hidrografia… até à conclusão de que a sua terra não era Vila das Aves, mas Vila dos Aves.
A sua terra não era uma vila dos pássaros, de aves. O nome “Aves” nada tinha a ver com pássaros, mas com água, conforme sugeria o sema “av”, possivelmente celta.
Enlaçadas pelo abraço mesopotâmico de Entre Ambos-os-Rios (Ave e Vizela), as pequenas paróquias de Santo André de Sobrado e de São Lourenço de Romão se lhe untaram. A etimologia celta descrevia uma ecúmena rodeada por três rios – era a “Terra de Entre-Ambolos-Aves”, de Entre-Águas, ou apenas “Aves”, como o mapa de Portugal mostrou.
Em 1983, compus um roteiro, publicado pela Junta de Freguesia. Nele se explicava a origem da toponímia de um aglomerado de aldeias conhecidas por “lugares” dispersos, sem uma ágora congregadora: Fontaínhas, Bom Nome, Paradela, Santo Honorato, Ponte Nova…
Mas, uma escola havia criado profundas raízes numa terra dispersa. Três décadas bastaram para agregar bairrismos, onde os rios Ave e Vizela se abraçavam. Dediquei mais de metade de meio século do exercício da profissão de professor a uma comunidade, a um projeto.
Em 1976, quando cheguei à Ponte, encontrei um povoado em crise, afetado pelo desemprego, pela poluição, pela corrupção. Muitos avenses haviam emigrado. A um cenário desolador se juntou a impressão que me ficou, ao deparar com um edifício construído no século XIX, arruinado, a que davam o nome de “escola”.
No terreno em torno da “escola”, quando a chuva e o vento não o fustigavam, o transformávamos em “sala de aula reinventada”, no seio de uma comunidade.
Até que chegou um tempo em que, traindo a decisão soberana de um Conselho de Escola, de uma comunidade que queria manter a escola em Vila das Aves, gestores hierarquicamente obedeceram, permitindo que o projeto fosse arrancado das suas raízes.
De que servia o contrato de autonomia de 2004?
Por: José Pacheco
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