Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDVI

Campo de Ourique, 11 de fevereiro de 2044

Falemos, então, de… autonomia.

Num dos “encontros de sábado”, conversamos sobre condições sine qua non de sustentabilidade: o exercício de autonomia pedagógica a par da autonomia financeira, no pressuposto de que a autonomia do sujeito de aprendizagem seria da mesma natureza da autonomia do professor e da escola. Mas, como assegurar autonomia a projetos de mudança e inovação? 

Não presumia ter encontrado resposta, uma solução, mas já tinha ajudado a criar grupos de trabalho, dispositivos como os círculos de aprendizagem e a base teórica de uma autonomia comunitária, no quadro de uma nova construção social. 

Netos queridos, há cerca de meio século, redigi um textinho, que aqui transcrevo, esperando que não seja para vós maçador.

Posicionemo-nos eticamente face à pedagogia. Pode considerar-se uma pedagogia que busque apenas uma liberdade racional, uma pedagogia que vise apenas a liberdade pulsional, ou uma outra que promova a integração de ambas, na realização equilibrada do homem como indivíduo. 

Acresce (claro!) a necessidade de se considerar a dimensão social. Se a näo-directividade ingénua descura a influência da sociedade sobre o indivíduo, a pedagogia autoritária descura a possibilidade de autonomia no educando. 

Estes extremos não realizam a tarefa fundamental de dotar os aprendentes com uma adaptação crítica às condições sociais, porque o conceito de liberdade está embotado de equívocos. E, à semelhança de qualquer nova pedagogia, a näo-directividade foi assimilada na sua exterioridade e a escolástica destituiu-a de qualquer significado transformador.

O que é, concretamente, a liberdade de uma criança? Diz-nos Reboul que “a psicologia não pode responder-nos porque não existe uma ciência da liberdade, dado que esta está para além de todos os determinismos, a psicologia pode dar-nos preciosas indicações sobre as condições e os obstáculos de uma educação para a liberdade”. As práticas alheias ao educar para a liberdade e pela liberdade são anacronismos anteriores a Carl Rogers que somente refere a necessidade da realização de equilíbrios psicológicos como a “prática simultânea da afirmação de si e da adaptação ao próximo”. 

A liberdade pode ser ensinada, não no recurso à didática, mas a uma gramática de ensino da liberdade. Esse ensino não passará tanto por uma didática específica, quanto por uma gramática que explique as transformações. Neste sentido, os modelos de näo-directividade ingénua são tão falíveis quanto aqueles que pressupõem controlo externo, porque nem tudo se passa, exclusivamente, entre professor e aluno. É o Mestre Morin quem o diz: “o sujeito emerge ao mesmo tempo que o mundo, a partir da auto-organização, onde a autonomia, individualidade, complexidade, incerteza, ambiguidade se tornam quase caracteres existenciais”. 

O meu amigo Luís era um dos raros diretores de agrupamento de escolas, que assumira um compromisso ético com a educação. Com perspicácia e bondade, ia tentando contornar burocráticas armadilhas. Eu compreendia a intenção do meu amigo, mas já vira tentativas semelhantes se saldarem por insucessos. 

Um decreto tinha aberto caminhas de autonomização. Mas, no quadro de uma regulamentação instrucionista, a assunção de autonomia era “missão impossível”. 

Lancei avisos, aconselhei-o, mas respeitei as suas decisões. Só não conseguia entender a falta de ética de outros diretores.

Se a autonomia estava a ser, gradual e responsavelmente, assumida na “Manuel da Maia”, o que impedia que o fosse em outras escolas?

 

Por: José Pacheco

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