Vila Nova de Foz Coa, 14 de fevereiro de 2044
Quase ninguém se perguntava por que razão, regra geral, a criança era incluída num grupo rígido de crianças-alunos a quem o professor ensinava como um todo, no mesmo tempo, fazendo-se ouvir no mesmo código, exigindo o atingir dos mesmos objetivos… por todos.
Era tão comum este procedimento que dificilmente se avaliava os seus efeitos no tratamento de um ser singular como objeto de ensino estandardizado. Seria forçoso concluir que as diferenças individuais reconhecidas pela psicologia exigiriam um planejamento adequado, individualizado, adaptado a cada ser humano em processo de formação. E esse planejamento só assumiria identidade, quando o sujeito da formação nela participasse. A ordem interna nasceria e se alimentaria de ocupações livremente aceites, com propósitos bem definidos e executados em função do interesse e necessidades sentidas. Obrigar cada um a ser o outro-igual-a-todos correspondia a negar-lhe a possibilidade de existir como pessoa livre e consciente.
Para Olivier Reboul, ensinar não consistia em inculcar, nem transmitir – seria fazer aprender. E o professor não deveria ser aquele que impunha respostas-padrão, mas aquele que colocava questões. Nesse contexto, ele seria insubstituível, pois, “aprender realmente, é sempre desaprender, para vencer o que nos paralisa, nos encerra, nos aliena”, como Reboul afirmava.
Existe em cada pessoa uma vontade de autocontrolo das ações e de ficar liberta do controle coercivo do seu comportamento. Se a liberdade se concretiza no desenvolvimento identitário, é obvio que um clima autoritário não promove tal desenvolvimento. Ausubel afirmava que “em comparação com grupos de crianças de grupos dirigidos democraticamente, os alunos que são submetidos a controles autocráticos são mais agressivos, adotam, ao relacionar-se com o líder, atitudes mais submissas, são menos capazes em trabalhos e comportamentos autodisciplinadores, quando é retirada a supervisão direta”.
Mas, rejeitar práticas autoritárias não seria suficiente. Já nos idos de vinte, seria preciso afirmar que a liberdade se aprende com os outros, era evidente a necessidade de refundar o “sistema”.
O Mestre Bartolomeis assim o expressava:
“As crianças beneficiam de influências ambientais e pessoais intencionalmente organizadas. Há que compreender quais os novos moldes em que as relações dos alunos entre si e com os professores se devem organizar, para que possam dar vida a uma comunidade onde o duplo processo de individualização e de socialização encontre o seu ambiente mais favorável.
Se o autogoverno dos alunos houvesse de excluir a orientação do professor, teríamos de renunciar a vê-lo realizado na escola”.
A educação continuava ainda a ser justificada mais como meio de controlo social do que como instrumento de aperfeiçoamento pessoal. E um dos maiores óbices à mudança residia no permanente julgamento do aprendiz e no dever de obediência hierárquica do professor, o que invalidava qualquer esforço no sentido da autorresponsabilização.
Seria possível o professor se assumir na dignidade do exercício de autonomia?
Era com os pais e os professores que a criança encontrava os limites do controlo, que lhe permitisse progredir em autonomia. Essa autonomia era liberdade de experiência e de expressão, dentro de um sistema de relações e de trocas sociais, que compreendia ações de ajuda do professor. Sem socialização não seria possível praticar uma didática de autogoverno, de trabalho autónomo.
Em que consistia tal “didática”?
Por: José Pacheco
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