Montemor-o-Novo, 17 de fevereiro de 2044
Eis-me insistindo na busca de significado de tudo aquilo que, em cinquenta anos, a Ponte idealizou e concebeu.
Quando se abandonou o gueto da sala de aula e se enveredou pelo trabalho em equipe, os professores assumiram mais algumas “funções”. A expresssão “colaboração do tutor”, que constava do “Perfil do Orientador Educativo”, consistia em muito mais do que um montessoriano. “seguir a criança”. De modo que, ao cabo de um ou dois anos, acreditavamos ter encontrado uma prática refletida, fundamentada numa teoria prudente, um modo de concretizar a nossa autonomia e a dos nossos alunos, então, transformados em sujeitos de aprendizagem.
A qualidade de um novo tipo de relação favorece, ou obstaculiza, a passagem de uma atitude centrada no ensino para atitudes de compromisso pessoal (quer do professor, quer do aluno) com a atividade. Este compromisso, a que subjaz a compreensão da dependência original, pode assumir a forma de projetos geradores de vínculos.
O que fizemos foi partir daquilo a que chamos “acordos de convivência” e da instalação de dispositivos de relação. Através de mediações que permitiam aos (já) sujeitos de aprendizagem apreenderem uma perceção correta das tarefas e suas finalidades, eles participavam na seleção e planificação de tarefas plasmadas em roteiros de estudo, desenvolviam projetos de currículo tridimensional.
Tinham aprendido a selecionar informação, a analisar a informação recolhida, a analisar e a comparar diferentres informações, a sintetizar e a avaliar a produção de currículo, a socializar o conhecimento, partilhando com a comunidade as “evidências de aprendizagem”, que nós (a equipe que, entretanto, eu havia reunido) referenciávamos em portfólios, em registos de avaliação formativa, contínua e sistemática.
A ação decorrente de projetos pessoais ou de grupo, a gestão individualizada de tempos e espaços de aprendizagem, a escolha de momentos e instrumentos de avaliação, a regulação de comportamento numa base de reciprocidade, o desenvolvimento de formas de cooperação e comunicação eram sinais evidentes do exercício de autonomia.
Em meados dos anos setenta, num tempo em que ainda não havia computadores, eu ia batendo nas teclas de uma velha maquina de escrever, redigindo textos, que entregava à equipe de professores, para que os lessem e (fundentadamente!) opinassem. Guardava cópias em papel químico, que, com a passagem do tempo, se apagaram. Mas, tudo o que nesses papéis escrevi estava presente na nossa prática e em nós.
O acto intencional caracterizava a existência digna, sempre que um aluno se fazia participante ativo de um projecto coletivo, na remoção prática de atitudes individualistas e autoritárias. Boaventura explicitou aquilo que apenas intuíamos, nos dios de setenta:
“A modernidade confirmou-nos numa ética individualista, uma microética que nos impede de pedir, ou sequer pensar responsabilidades por acontecimentos globais.”
A crise da escola, tal como a crise da sociedade, refletia a flexibilidade das transformações económicas, sociais e políticas da vida em coletivo face a uma atmosfera de rigidez e de imobilidade, ao nível global da sociedade. E a autonomia equívoca concedida pelos ministérios da educação apenas confirmava o princípio que dizia ser a lealdade devida ao Estado o preço a negociar para preservação da segurança pessoal possível.
A autonomia da escola seria o primeiro passo para uma inversão de valores. E o instrumento que a concretizaria dava pelo nome de “contrato de autonomia”.
Por: José Pacheco
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