Novas Histórias do Tempo da Velha Escola MDXXXVII

Évora, 13 de março de 2044

Netos queridos,

No agosto de 2001, escrevi a primeira das “Cartas para a Alice”. No Brasil, as dezassete cartas enviadas por um avô “coruja” para a sua neta foram publicadas num livrinho com o título “Para Alice com Amor”. Embora estivéssemos em 2001, as cartinhas tinham data de… 2007. Explicarei a intenção com um pouquinho da primeira das cartas:

“Algures, em 30 de agosto de 2007, 

Querida Alice, 

Chegou, finalmente, o dia do teu sexto aniversário. Finalmente, porque a pressa de ser grande se transforma em impaciência quando os aninhos ainda podem ser contados pelos dedos. 

Entre agosto e setembro, entre o brincar sem cuidados e o ir à escola é só um saltinho de pardal. Dentro de poucos dias, a criança que és há-de ser “aluno”. Presumo que não vás perceber a diferença, mas não ouso afirmar. Quero apenas acreditar que, em 2007, já não sofras os dramas que crianças de outras gerações suportaram. 

Como todas as crianças, sentirás apreensão e curiosidade. Irás fazer novos amigos e conhecer adultos que, supostamente, te ajudarão a crescer e a compreender o mundo. É sobre esse mundo novo e misterioso, que se abre para os teus olhos de menina curiosa, que eu te venho falar. Venho contar-te as histórias que não te pude contar quando eras mais pequenina.

Nasceste no primeiro ano deste século, mas houve alguém que, já no início do século XX, escrevia que aquele seria “o século da criança”. Enganou-se.” 

No ano de 1900, Ellen Key escreveu aquilo que passou a constar de programas da Unesco e de outras instituições vinculadas à infância. Ao longo de mais de cem anos, muitos tratados citaram a obra da pedagoga sueca. Mas, só em teoria se cumpriu o Século da Criança. Permanecemos num tempo feito de promessas.

Por isso, a desagradável surpresa das Legislativas de 2024, não constituiu surpresa. 

Uma democracia sem educação democrática fora o berço de tendências totalitárias, de potenciais ditaduras. 

Em 74, no auge da “revolução”, com os meus companheiros de armas e com educadores éticos, partilhei a alegria de um alvorecer de liberdade. Com eles me envolvi na faina de ajudar a implantação do regime democrático e de refundar a Escola da Democracia. No exercício de uma cidadania plena, militantes convictos, fomos para o chão das escolas, anunciando tempos novos.

Ao longo de meio século, participei de várias iniciativas ministeriais de remediar o sistema educacional português. Foram concebidas entre o burocrático e o ingênuo e nunca lograram garantir a todos os alunos um direito fundamental: o direito à educação.

O obsoleto sistema de ensino herdado de 48 anos de ditadura foi sequestrado por lideranças tóxicas. E, ao longo de cinquenta anos, as promessas de um “Abril da Educação” foram hipotecadas a troco de inúteis iniciativas reformistas. Pelo caminho ficaram tímidos projetos dissidentes, albergados em escolas particulares. Restou a indústria dos “centros de explicações” (eufemisticamente chamados “centros de estudos”), a fuga para o “ensino doméstico”, “escolas alternativas”, alguns “focos de pedagogia neoliberal e um cemitério de promissores projetos. 

Perdêramos 50 anos de oportunidades. Mas, há quarenta e oito anos, num canto discreto do extremo Noroeste português, uma escola resistia. 

Debilitado, desenraizado, o projeto “Fazer a Ponte” ainda era referência de um “Abril da Educação”, que não se cumpriu.

Há vinte anos, encontrei no fundo do baú das velharias o anúncio de um encontro, que contaria com a presença de professores e alunos da Ponte (juntei-o a esta cartinha). Fui até Évora, matar saudades. 

 

Por: José Pacheco

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