Santo Aleixo da Restauração, 18 de maio de 2041
Guardo gratas recordações da margem esquerda do rio Guadiana. Sobretudo, da aldeia de Santo Aleixo. No século X, o geógrafo Ar-Razi a ela se referiu. Mas, a Totalica já existia como povoado da ocupação romana, no século II a.C.
Santo Aleixo foi palco de múltiplos conflitos bélicos ao longo da sua história. Quase despovoada por razias, na Crise de 1383–1385, foi agraciada com a denominação “da Restauração”. Talvez a isso se deva o saudável bairrismo das suas gentes, traduzida na calorosa canção com que fui acolhido e que evocava a Festa da Tomina.
No maio de 2021, o João e a Anabela me levaram a visitar a escola de Santo Aleixo, um dos mais belos e singelos projetos, que encontrei em décadas de deambulação por escolas.
Dada a reduzida taxa de natalidade e o exponencial envelhecimento da população, os jovens eram deslocados para a Amareleja e para Moura, quando completavam o primeiro ciclo do Ensino Fundamental. A dedicação da Ana, da Romana e de outras extraordinárias mestras inverteu a situação. E regressei, no ano seguinte, para as ajudar a “restaurar” a escola e a construir uma comunidade de aprendizagem.
Aquela boa gente encarnava o que de mais nobre tinha a profissão de professor. Fiquei eternamente grato à minha amiga Anabela por me ter levado a essa aldeia raiana. Em 2021, eu atingira a saturação de escutar a expressão “educação do futuro”. Lá, me apercebi de que aquelas professoras, sem que o soubessem, praticavam um futuro possível, no presente.
Foi forte a impressão, mesmo no escasso tempo de uma visita. No chão da escola, sempre que eu perguntava a uma criança o que ela queria ser, a resposta era sempre esta:
“Eu posso dizer o que eu quero ser?”
Quando formulei essa pergunta em Santo Aleixo, as crianças diziam o que queriam ser. Talvez porque as suas professoras fizessem a si mesmas algumas perguntas primordiais:
O que preciso saber? O que deverei fazer? Que professora quero ser?
O que é educar? O que é aprender?
No dia seguinte ao da visita, a Professora Ana enviou-me um e-mail:
“A minha maior preocupação prende-se com o facto de ter dificuldades em ensinar os meus alunos na aprendizagem da escrita e da leitura, pelo que pedia ajuda neste sentido”.
As professoras de Santo Aleixo ainda “davam aula”, mas não desistiam de perguntar e de pedir ajuda. E, porque, nesse tempo, ainda se mantinha a separação entre educação familiar, educação social e educação escolar, questionavam:
Por que não se prestava maior atenção à intervenção no pré-natal e nos cuidados até aos quatro anos de idade? Por que não se partilhava a responsabilidade de educar, no convívio das crianças dos jardins de infância com os seus avós?
Por que razão se segmentava a educação escolar em jardim de infância, primeiro ciclo, segundo ciclo, terceiro ciclo, ensino secundário, ensino superior (e ensino inferior)? Por que razão se repartia a educação em formal, informal, de adultos, do campo, especial, ambiental, para a saúde, para a sexualidade, para a paz…?
No início do século XX, Almada Negreiros nos dizia que, no tempo em que nascera, todos os tratados que deveriam fazer mudar o mundo já tinham sido escritos. Só faltava uma coisa: mudar o mundo. Quando arriscariam os professores um “golpe de asa”, um ato de coragem, na concretização do amor que sentiam pelos seus alunos?
Em 2021, qual seria a “escola do futuro”? A resposta chegaria ainda nessa década, na escola de Santo Aleixo e em outras escolas. Em comunidades onde os professores transformaram um mítico futuro, sempre adiado, numa educação que o seu presente merecia.
Por: José Pacheco