Cabanas de Tavira, 8 de julho de 2040
Voltemos a ornitológicas metáforas, para que até uma criança entenda a dimensão do drama.
Os primeiros tempos da pandemia foram de prudente expectativa. Seria necessário fazer a pergunta fundadora: seriam as gaivotas capazes de fazer dos aprendizes pássaros sábios e felizes? Elas sabiam que isso não seria viável num processo de transmissão, como nos vasos comunicantes, mas que o saber e a felicidade se colariam às asas, se o voo aprendido fosse colado à vida.
Na azáfama de erigir uma nova construção social de aprendizagem e porque sabiam escutar, as aves construtoras estavam receptivas a diferentes saberes de diferentes pássaros. Formulavam perguntas essenciais, idênticas àquelas que o amigo Celso incluía na sua “Crítica Epistemológica ao Instrucionismo”:
O que é necessário, para que o aluno aprenda, do ponto de vista subjetivo? Para sair do discurso marcado pelo senso comum (ou modismos), desejamos radicalizar a análise do processo de aprendizagem: se compreendermos melhor como o sujeito aprende, poderemos melhor orientar a mediação.
E o Celso apontava um princípio de resposta. Seria necessário: Capacidade sensorial e motora, e capacidade de operar mentalmente (…) É sempre bom lembrar que não temos um corpo, somos um corpo, que participa de várias formas do processo de aprendizagem. Deve ficar claro que todo ser humano tem, em algum nível, estas capacidades, por isto todo ser humano pode aprender [e] para chegar a um conhecimento novo, o sujeito precisa recorrer a conhecimentos anteriores a ele relacionados. Para que o conhecimento do sujeito avance, é preciso que tenha acesso a novas informações.
O Celso não refletiu em vão. A sua inestimável contribuição e as de muitos outros mestres fundamentaram a transiçao paradigmática operada na década de vinte. Hoje, apenas restem resquícios da velha escola.
Para avivar a memória, reproduzimos no museu da pedaggia uma sala de aula dos anos vinte. Quando as jovens gerações a visitam, questionam:
Era assim mesmo? Os professores usavam aquela velha lousa digital? Os alunos ouviam e repetiam aulas online? Pode lá ser!
Para esses sujeitos de aprendizagem (como são considerados) é difícil conceber tal cenário. Mas, lede o que o Celso dizia, há vinte anos, no tempo da pré-história da educação:
O instrucionismo, o paradigma da instrução, a aula meramente expositiva tem, mais ou menos, a seguinte estrutura: exposição do professor, exercício modelo, exercícios de aplicação, tarefa (que repete o modelo dos exercícios) e prova. Confrontemos as exigências epistemológicas subjetivas para que se dê a aprendizagem do aluno com a prática do modelo instrucionista. Não são consideradas a capacidade sensorial e motora, nem a capacidade de operar mentalmente, a não ser como grande justificativa para a não-aprendizagem do aluno.
É impressionante como o preconceito avança neste campo! O conhecimento prévio não é considerado. Quando muito, se for um professor dedicado, vai cuidar da ordem lógica dos conteúdos a serem apresentados…
Assim falava o amigo Celso. Mas expunha-se a mumificadoras reinterpretações do discurso. Naquele tempo, como hoje, frases retiradas do contexto eram interpretadas por professáurios como legitimação do instrucionismo.
No tempo da velha escola,quando o mestre escrevia: “os objetos podem ser apresentados diretamente aos alunos, ou através de alguma mediação (texto, imagem, modelo)”, múmias pedagógicas viam nesse excerto motivo para continuarem… “dando aula”.
Por: José Pacheco