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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXXIV)

Planalto Central, 18 de junho de 2040

Um Tiê brasiliense perguntou: Papai, por que é que o céu é azul?

Se o seu pai se chamasse Lúcio, responderia: “Porque o céu é o mar de Brasília, meu filho”.

A Física explica o fenômeno. Trata-se do chamado “espalhamento de Rayleigh”. A radiação solar é uma luz brilhosa e branca, composta por várias outras tonalidades de cor. Cada cor tem um comprimento de onda específico. Quando a luz penetra na atmosfera, atinge átomos de nitrogênio e oxigênio, e partículas, que a compõem, dando origem ao fenômeno do espalhamento. Quando surge com toda a faixa de frequência, a luz do Sol, entra na atmosfera e muda o seu índice de refração, se expande em uma cor apenas: o azul.

Niemeyer e Lucio Costa reconheceram a paisagem brasiliense como incomum, peculiar e rara. O clima seco, a altitude e o relevo também influenciavam a formação das cores, que o céu ia assumindo ao longo do dia. Mas, eu preferia a versão poética, aquela que levou um servidor público a pedir ao Iphan que o céu de Brasília fosse tombado como patrimônio imaterial. E, mais uma vez, escutava a Mãe Carolina:

Como psicóloga, aprendi a não responder diretamente a uma pergunta, aprendi a refazer a pergunta e facilitar o processo de busca por respostas. Alguns educadores falam que as crianças não perguntam, que têm dificuldade em elaborar um roteiro de estudos. Aqui em casa, passo o dia ouvindo perguntas. Tiê é um questionador! Ele acorda fazendo perguntas e vai dormir perguntando. 

Ontem, resolvi escrever as perguntas, ampliar a minha compreensão, frente a janelas de aprendizagem, que ele está abrindo. Anotei dez perguntas. Claro que essas perguntas aumentaram quando as refiz. Compartilho o roteiro de um dia do nosso passarinho Tiê:

Mamãe, chocolates são feitos de fruta. Por que não posso comer chocolate no café da manhã? De que é feito o metal? Os bebês vivem nas estrelas, antes de virem para a barriga das mães? De que os carros são feitos? Mãe, para que servem os seres humanos? Por que os elfos e as fadas se escondem das pessoas? Mamãe, o que é “automático”? De que esse desenho é feito? Mamãe, caranguejo sabe escalar? O que é cooperar?

Tiê é um nome de origem tupi, representa um passarinho colorido. Conta a lenda que, se for preso, perde as cores. Para ser feliz e colorido, o Tiê precisa ser livre, para voar. O nosso menino-passarinho voa nas ideias, nas perguntas de fazer voar:

Mamãe, por que é que o céu é azul?

A mãe Carolina respondeu: “Por que será?” – E partiram, mãe e filho, para uma viagem imaginária, esvoaçando num céu baiano pintado de azul-anil.

Quando, no chão da escola, eu perguntava a uma criança “O que queres saber?”, a “resposta” surgia, quase sempre, sob a forma de pergunta: “Tio, eu posso dizer o que eu quero saber?”

Perante a perda do dom da curiosidade, a minha tristeza era mais triste do que uma tristeza comum. Porque, apesar de distante do meu tempo de infância, eu permanecia na idade dos porquês.

Uma metáfora de Saramago diz-nos que o grande crime é não cegar quando todos já são cegos. Do “Ensaio sobre a Cegueira” ao “Ensaio sobre a Lucidez”, Saramago não faz outra coisa que não seja lembrar-nos a tragédia edipiana, que nos fala daqueles que, tendo olhos não vêem, e de cegos que conseguem ver. Num belo filme, que dá pelo nome de “Vermelho como o céu”, um menino cego, para quem o céu é vermelho, guia uma menina por corredores escuros. Somente quando alcançam a saída da platónica caverna, a menina reassume a missão de conduzir…

Hoje, sou um idoso de 90 anos e o Tiê é um jovem de 25. Continuamos a brincar de perguntar…

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXXIII)

São Nicolau, 17 de junho de 2040

Já vos falei do Senhor Cardoso, um generoso ser humano, que saciava a minha sede de saber e me mostrava que há muitas maneiras de aprender… e de viver. Aferi os meus afetos pelo amor que ele nutria pela sua companheira, um amor profundo e sem contrato. O seu exemplo contrastava com péssimos exemplos, que tentei não adquirir na escola. Apenas imitei a professora da quarta classe…

… A Dona Lourdes era uma professora diferente. Dos outros não quero guardar memória, porque foi com eles que eu aprendi a odiar. Nesse tempo, era muito raro alguém concluir a quarta classe. Fui uma excepção. Não só fui aprovado, como parti para o exame de admissão ao “ciclo preparatório”.

O Alberto Furão, nosso vizinho de cortiço, costumava dizer: “Filho de pobre não tem dinheiro para sair da quarta classe e se fazer doutor”. Mas, na agulha, no dedal e na máquina de costura, na exaustão de longos dias de trabalho, no desgaste de breves noites mal dormidas, a vossa bisavó costureira ofereceu-me a oportunidade de “continuar estudos”. E o Pai António matriculou-me no técnico-profissional de montador eletricista.

Não era coisa de que eu gostasse, não tinha vocação para aquilo. Mas, “filho de pobre” precisava trabalhar, para poder estudar. E o dinheiro que eu ganhava como eletricista permitiu-me ir além do curso técnico… e virar professor.

Como vos disse, quando fui à escola, já sabia ler. Esse fato me conferiu um estatuto especial. Era eu quem portava os recados e o livro de ponto entre salas de aula e o gabinete da direção. A minha memória de longo prazo – que nos idosos se aperfeiçoa – ainda recorda o velho edifício da escola primária. Era da maior pobreza que se possa imaginar.

A sala da primeira classe tinha um quadro negro, encimado por um Cristo pregado numa cruz imensa e ladeado pelas fotografias de dois ditadores. As carteiras estavam a desfazer-se e abanavam, sempre que o professor avançava pelo meio delas, para bater nos “burros”.

Não havia recinto de recreio. Entre dois toques de campainha, amontoávamo-nos como podíamos, para jogar a sameira. E os calmeirões da quarta classe abriam caminho a pontapé, para criar espaço de jogar o pião.

A diretora morava no último andar. Recordo a mesa das reuniões, que tinha uma perna mais curta apoiada num maço de três enormes livros (talvez vos venha a falar dessa mesa e dos livros que a calçavam). Também recordo bem  a já velha caixa métrica, o cheiro da tinta, o tinteiro, a caneta de aparo, o papel mata-borrão… mas, apesar do estatuo especial, eu carregava demasiado na caneta de aparo, borrava a escrita e levava tapa por este e outros motivos, que eu não conseguia identificar.

Por já saber ler, recordo o período da alfabetização como um imenso sacrifício, apenas mitigado pelos momentos em que ajudava um amigo. Ele ficava sentado, sozinho, numa carteira do fundo da sala de aula. E o professor intimidava qualquer um que se atrevesse a fazer-lhe companhia.

O Jorge era marginalizado apenas porque o seu pai era crente de uma outra religião e dissidente da Ditadura. Cedo compreendi o que era exclusão. Esse meu amigo era continuamente humilhado, dentro e fora da sala de aula. Certo dia, sentei-me ao lado dele, para o ajudar na leitura. E, num silêncio solidário, ali fiquei, até ao último dia de escola.

Esse gesto me valeu uma surra do professor Vasconcelos, no primeiro dia de desobediência. Creio ter sido esse gesto o primeiro assomo de contestação de injustiças. Creio que, nesse dia, tenha dado o primeiro passo da minha aprendizagem da solidariedade.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXXII)

Angicos, 16 de junho de 2040

No Brasil de 2020, conheci um Adriel, menino de 12 anos, que fazia resenhas literárias, sonhava ser escritor.

Quando o seu padrasto foi vítima de um acidente vascular, Adirel, suspendeu as suas leituras, interrompeu o seu afã no Instagram, para cuidar do doente. E decidiu vender a maior parte da sua coleção de livros, porque, como explicou:

“Minha mãe precisou deixar o emprego e passamos por algumas dificuldades financeiras. Fui a um sebo e vendi quase tudo. Só deixei os meus preferidos e os que ganhei de presente”.

Começou a ler aos cinco anos e a madrinha presenteava-o com livros.  Apaixonou-se pela literatura. Fez amizade com as bibliotecárias da escola. Um dos seus livros preferidos era “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry.

Levava para casa as obras que encontrava no lixo, porque:

“Nem sempre tenho dinheiro para comprar livros. Mas, construí uma prateleira, forrei a parede do quarto com revistas em quadrinhos… tudo para ele viver no mundo dele” — relatava a mãe, orgulhosa.

Nesses tempos de intolerância, só por gostar de ler e comemorar o sucesso da sua página literária, esse extraordinário ser humano sofria ataques racistas nas redes sociais. Como este, no Instagram:

“Porco gordo. Eu achava que preto era pra estar cavando mina, não lendo. Deixa ser trouxa e volta para a sua realidade. Você foi criado para ser preto e pobre”.

‘Parem de mandar ódio para as pessoas. Melhorem, porque o mundo está precisando de mais energias boas nessa pandemia. Em pleno século 21, pessoas ainda são racistas?” – respondeu Adriel.

Além das mensagens de apoio, Adriel recebeu presentes de novos seguidores:

Não sei o que são, mas imagino que sejam livros. Não vejo a hora de chegarem!

Revi-me no Adriel. Este vosso avô menino também amava ler. Filho de um vassoureiro do cortiço da Ilha dos Tigres, também foi vítima de discriminação.

Creio ter chegado o tempo de vos falar do meu tempo de criança, para que saibais por que essa criança continua viva e irreverente.

Feitos os sete anos, o vosso avô passava as manhãs na escola. Depois do almoço, trabalhava na oficina do vosso bisavô. Ao cair da tarde, ia para a casa do Senhor Cardoso, trocar os gibis lidos – a fagulha o Cavaleiro Andante, ainda hoje, sinto o cheiro dos livros! – e conversar. Já noite adentro, à luz de um candeeiro a petróleo, esforçava os olhos na avidez de leituras urgentes.

O senhor Cardoso era o único morador da minha rua que tinha livros em casa. Levou-me a amar a leitura, muito antes de eu ir à escola. Não era professor, mas foi quem me ensinou a ler, pelo “método global de palavras”, que ele não sabia que era método. O seu “método” era amar.

Quando fui à escola, já sabia ler, mas disfarçava. Escrevia as “carreirinhas de letras”, fingindo hesitação; gaguejava na lição de leitura. Mas a mentira tem perna curta: fui “apanhado a ler”, num canto do pátio de recreio.

O professor Vasconcelos exibia-me, orgulhoso:

Dizei lá se o meu método não resulta! Os outros são uns burros. Nada posso fazer por eles!

Por “não ser burro”, recebi o prêmio de “melhor aluno”, cinquenta escudos, que serviram para liquidar a dívida contraída na mercearia do Senhor Belmiro.

Depois que eu entrei na escola, o Senhor Cardoso deu-me para as mãos um livro que ainda hoje recordo. Era um livro proibido pela Censura do regime ditatorial de então. Tinha por título “A oeste nada de novo”, um grande clássico da literatura. Foi o meu primeiro livro sem figurinhas. Saboroso, também por ser… um “livro proibido”.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXXI)

Santo André, 15 de junho de 2040

No Portugal de meados de junho de 2020, eram publicadas as conclusões de um inquérito sobre a forma como estava a decorrer o ensino à distância. Mais de metade dos professores continuava sem conseguir contactar com todos os alunos, através da Internet ou por outras vias. E 93,5% dos professores inquiridos assumiram que, dando aula online, agravavam as desigualdades entre alunos. Tinham sido “leccionados conteúdos “novos”. Mas não chegaram aos alunos “distantes da escola”. 70% dos professores afirmaram ter “leccionado novos conteúdos” e 47,8% afirmaram que iriam avaliar os alunos. Só não disseram como avaliariam…

Dois terços dos inquiridos afirmaram que o ensino à distância era mais exigente do que o trabalho presencial e que estavam cansados, exaustos e com “falta de apoio”, em particular, dos pais dos alunos.

Os autores do relatório manifestavam preocupação pelo enorme esforço que teria de ser feito pelos professores, “para recuperar, tanto quanto possível, as crianças e adolescentes que ficaram mais distantes da escola, de recuperar as aprendizagens não realizadas por diferentes razões, desmotivação, metodologias e dispositivos inadequados, problemas de competência digital e acesso a recursos e à rede, contextos familiares pouco amigáveis, necessidades especificas de alguns alunos etc.” Os indicadores mereciam reflexão, no período da “pandemia covideana de 2019”, mas, não foram motivo de inquietação para os infetados pela “pandemia instrucionista do século XIX”.

Dizia um amigo que, no tempo das aulas virtuais, “as aprendizagens ficaram à distância”. Acrescentei que, no tempo das aulas presenciais, a aprendizagem também ficava distante. Para provar o dito, convidei-os para um jogo. Aceitaram jogar. Na aula online seguinte – supostamente de “avaliação” – os acompanhei, observando o modo como respondiam às questões (de Geografia) colocadas pelo professor e o que conseguiam responder. Com uma regra: os adultos – pai e mãe mais os avós – teriam de dar resposta ao questionário do professor, fora do alcance da câmera do computador e sem que a criança ou o professor escutasse.

Foram trinta saborosos minutos… A criança conseguiu dar respostas certas a 12 das 20 perguntas do professor. Nem uma resposta os adultos conseguiram dar. Tudo se lhes tinha varrido da memória, à semelhança da decoreba para provas e exames, que preencheram o seu itinerário escolar até à universidade. Os pais e os avós da criança tinham feito estudos “superiores” e compreenderam que quase nada tinham aprendido nas aulas presenciais do “seu tempo”.

Por sua vez, a criança compreendeu que apenas tinha retido na memória de curto prazo as respostas que o professor esperava que ele desse. Acaso as mesmas perguntas lhe fizessem, decorridos dois ou três meses, talvez não soubesse dar-lhes resposta.

Nos primórdios da década de setenta e nos vigiados e estreitos corredores de liberdade de uma escola sujeita aos ditames da Ditadura de Salazar, um professor desafiou-nos para a aventura de um conhecimento que nos era sistematicamente ocultado. Incitou-nos a conduzir os nossos destinos.

“O que quereis fazer? O que quereis aprender?” – perguntou, logo no primeiro dia. E, sem “dar aula”, acompanhou-nos na aventura de descobrir.

No meu percurso de estudante, nunca mais ouviria da boca de um professor esses estimulantes desafios. Mas as palavras e os gestos do Padre Lima ficaram a levedar no mais profundo do subconsciente, à espera do momento propício para se transmutarem em ato.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXX)

Arraial d’Ajuda, 14 de junho de 2040

A Carolina era um daqueles seres que só encarnam uma vez em cada milénio – sensível, bondosa e, sobretudo, mãe terna e dedicada. No terceiro mês da pandemia, dela recebi este WhatsApp:

Enviei uma mensagem para a escola da minha filha, uma mensagem amorosa. Agradeci todo o empenho da escola, reconheci todo o trabalho e dedicação deles, mas expliquei que, infelizmente, não são todas as famílias que se adaptam a essa proposta, ainda mais em um momento tão delicado como o que estamos vivendo.

Perguntei se a escola tem alguma proposta para as famílias que não estão acompanhando as aulas virtuais. Falei que a hora de ressignificar a educação é agora e que estamos trabalhando para isso. Comentei que, como guardiã da educação dos meus filhos, estou buscando caminhos para que eles aprendam com mais amor e sentido.

Estamos juntando forças e estruturando uma proposta, para libertar nossos filhos desse sistema que não educa e só machuca. Nesta semana, um amiguinho da minha filha, um jovem de 13 anos, pediu para ela não contar a ninguém, mas ele estava pensando em se matar. Entrei em contato com a psicóloga da escola, para falarmos com a família dele. Conversamos. Senti gratidão pelo vínculo e espaço de diálogo.

São muitos os fatores que levam um adolescente a querer se matar. Não estou falando que a escola é exclusivamente responsável por isso, mas a escola tem um papel importante, junto com a família. Dois dias depois desse episódio, a escola envia essa circular, falando que serão mais rígidos na entrega das tarefas, que as câmeras precisam ficar ligadas, que as crianças não podem lanchar durante as aulas…

Tento entender, mas é difícil.  Ah, Zé! Temos muito trabalho pela frente, tanto a aprender!  Por que a escola é tão indiferente? Por que se desconecta tanto? Como não percebem os pedidos de socorro das crianças? Como conseguem manter uma postura tão autoritária de avaliações e aulas, sem considerar como as crianças estão?

Não transcrevo a ridícula “circular” da escola, porque tenho os professores em alta estima e sei que apenas obedecem a ordens de “superiores hierárquicos”. Providencialmente, no mesmo dia, a minha amiga Kátia me fez recordar palavras do mestre Anísio, que, tal como a Carolina, se interrogava sobre a causa de tanta insensibilidade.

Anísio pugnava por uma nova escola, que substituísse aquela que continuava indiferente às necessidades comuns dos homens, ancorada em formas arcaicas de ensino. Mas a escola, que tentou instalar em Brasília, foi rechaçada em abaixo-assinado pela população do bairro onde Anísio a quis implantar. Visionário, repetia que se deveria considerar o aprendente em sua totalidade, sua história, sua cultura e num contexto social específico. A escola absorvera funções tradicionais da família e da vida comunitária e que à vida comunitária deveriam ser devolvidas, dado que “a educação de um povo somente em parte se faz pelas suas escolas”.

Tal como o seu contemporâneo Lauro Lima, Anísio antecipava, em meio século, o projeto da Rede de Comunidades de Aprendizagem do Distrito Federal. A secretaria de educação do Distrito Federal citava Anísio em documentos oficiais. Porém, traindo as nobres intenções de Anísio, a mesma secretaria tentava destruir projetos nele inspirados. Eram tempos difíceis aqueles! E a amiga Kátia assim concluía a sua mensagem:

Ah! Se o sistema lhe tivesse dado ouvidos, hoje seria tudo diferenteEnquanto Cidadãs e Cidadãos, lamentamos não ter sido assim. Eles ouvem, mas não nos escutam.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXIX)

Mangueiral, 13 de junho de 2040

No dia 13 de junho de 2020, a Internet dava conta de duas tristes notícias. “Um casal de Bolonha, resolveu dar o nó. E o casamento terminou “com 31 em quarentena”. A segunda notícia era trágica: “Morreu o padre dos casamentos de Santo António”. Triste coincidência, a provar que se poderia ficar indefinidamente à espera de uma vida vivida, mas que a morte nunca esperava – havia lagartas com sorte; outras nunca veriam a sua primavera…

Na primeira das cartas de 2001, disse-vos que os vossos pais se amaram e quiseram que viésseis ao mundo num tempo incerto. Não esperaram por tempos seguros, que, nestas coisas do amor, como nas de aprender, o que é urgente não deve esperar.

Para a Brígida era urgente casar-se. Quase com quarenta anos, decidiu fazer o que lhe haviam recomendado, anos a fio. Que colocasse uma imagem de Santo Antônio de cabeça para baixo, dentro de um copo contendo água ou cachaça. E que prometesse deixar o santinho nessa posição, até encontrar seu amor. Dizia-se que, tomada a decisão, o santo mandava a resposta rapidinho. E assim foi. Reencontrei a Brígida já com duas gêmeas no colo. Conversamos sobre as coisas do amor. Felicitei-a e a conversa descambou para as coisas da profissão:

Sabes, Zé, que até aos meus quarenta, nunca pude fazer o que a minha consciência me mandava fazer?

O quê? – perguntei.

Essas coisas que tu fazes, lá na Ponte. E, agora, também não posso. Tenho duas filhas para criar… entendes, não entendes?

Entendo, minha amiga. Entendo! – e dei um beijo na Brígida e outros dois nos bebês.

O casamento da Itália era sinal de aviso, recomendação de prudência no regressar à “normalidade”. Por exemplo, da necessidade de colocar freio na pressa do “regresso as aulas”. Na mesma semana e no Algarve, essa pressa tivera como consequência que mãe e filho ficassem infetados e um jardim de infância fosse, de novo, encerrado.

A pressa de sair da situação de pandemia, que vitimara milhares de pessoas, contrastava com a passividade perante os trágicos efeitos de outra pandemia: a pandemia instrucionista. Esta também viera do hemisfério norte e, desde o século XIX, provocara a morte intelectual e moral de milhões de seres humanos.

Na Europa do início do século XX, a italiana Montessori havia dito que educar para a cooperação e a solidariedade era pôr a paz em movimento. A escola da modernidade, a da pandemia instrucionista imposta pelo poder público, contribuía para destruir os valores fundamentais da cooperação e da paz.

A modernidade líquida confirmara-nos numa ética individualista, promovia a liberdade individual baseada na competição predatória nas relações econômicas e sociais. No tocante à educação, a situação poderia traduzir-se pelo “olha para o que digo, não olhes para o que faço”, quando o FAZER se impunha como necessidade premente, desde há mais de um século.

Muitos mestres afirmavam o primado do “fazer”. Anatole afirmava que para se fazer grande coisas, não bastava sonhar; a obra maior de Dewey tinha por título “Learning by doing”; e o Mestre Yoda avisava: Faça, ou não faça! Não existe tentar!

O Renato cantava que cada ser carregava em si o dom de ser capaz… dispúnhamos da capacidade de nos reinventarmos, que se traduzia naquilo que conseguíssemos fazer com aquilo que haviam feito de nós. Toda a caminhada começaria pelo primeiro passo, no agir, no fazer. Depois, seguindo a via de uma freiriana dialética, no refletir e refazer. Toda a transformação começaria com a decisão de começar. O primeiro passo de um processo de mudança decorria da decisão de mudar… de FAZER!

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXVIII)

Jataí, 12 de junho de 2040

Voltando às estórias da minha amiga Teca…

Esta é a escola que o Brasil oferece: escola de submissos, de ouvintes, de papagaios que repetem apenas aquilo que ouviram. Mas vamos pensar na escola que caminhou com dignidade rumo a uma mudança, incomodou-se com a fila quilométrica para pegar um prato de comida, preocupou-se com o barulho de fábrica que é o sinal ensurdecedor, que tocava avisando a todos que, bovinamente, deveriam entrar e sair dos seus currais, chamados de sala de aula.

Um dia, quando fizemos uma assembleia com as crianças (o que agora é uma prática da escola, para juntos resolvermos os problemas, sugerirmos coisas, e aplaudirmos o que está bom), eles colocaram assim no quadro:

“Vamos aplaudir o respeito pela gente, o carinho dos professores, a atenção”.

Como não vamos nos curvar para uma escola diferente, melhor, sem ranços, com ousadia? As crianças, hoje, são outras, a pós-modernidade busca novos desafios, novos métodos. Mas, sabe o que é pior? Nada disso é novo. E, como dizia Cassia Eller: “Mudaram as estações, nada mudou…!”

A Teca estava cheia de razão: nada mudara. A escola continuava tão prussiana, como no século XIX. O “sinal ensurdecedor” fora trocado por musiquinhas e suaves toques de campainha movida por computador. Mas, com ou sem fila, com ou sem continência, as criancinhas marchavam “bovinamente, para as salas de aula”. Faziam fila no refeitório e, por vezes, até para ir ao banheiro, no horário de recreio.

Havia fila no horário de entrada e outro de saída. Havia fila para ir ao gabinete da diretora, porque se “aprontou”. Quando adultos, haveria fila para matrícula, fila no posto de saúde, fila do centro de desemprego, fila da “sopa dos pobres”, fila – de mascarados, ou sem máscara – do “auxílio emergencial”, até à fila de caixões, numa vala comum.

Chegada ao refeitório, a Cida deparou com uma longa fila e no último lugar da fila se colocou. Não tardou que uma criança lhe dissesse: Tia, por que não vai lá para a frente da fila? Por que não “fura a fila”?

Meu querido, eu não “furo fila” – contestou a Cida.

A criança insistiu: Na nossa escola, as educadoras passam à nossa frente. Você é educadora, pode passar.

Exatamente por ser educadora é que eu não vou para a frente da fila, meu querido – completou a Cida. E por aí se quedou o breve diálogo.

A Cida herdara uma cultura diferente daquela que ali prevalecia. Havia trabalhado numa escola onde palavras como respeito e cidadania não serviam apenas para enfeitar um PPP escrito, onde as regras eram decididas em coletivo e por todos cumpridas, onde os valores escritos não eram negados na prática. Não se educava para a cidadania; educava-se no exercício da cidadania, em contextos de liberdade responsável, na igualdade da diversidade. Isso ela aprendera numa escola onde não se “furava fila”.

Na escola de “furar fila”, a Cida surpreendia-se com o fato de haver banheiro de aluno (coletivo e sem espelho) diferente de banheiro de professor (coletivo e com espelho) e este separado do banheiro do diretor (privativo e com espelho). Surpreendia-a que todo mundo “achasse normal” que até no defecar e urinar houvesse hierarquia. Vícios e tabus se revelavam nos mais ínfimos pormenores e tendiam a esconder a origem de modos de dominação.

Disso consciente, a Cida não se surpreendeu, quando uma solícita supervisora lhe disse que desse as suas aulinhas e fizesse o que lhe mandavam fazer. E que uma prudente diretora a aconselhasse: 

Cida, tenha paciência. Aqui, manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXVII)

Caçapava, 11 de junho de 2040

Ao longo do século XX e no início do século XXI, rupturas paradigmáticas se sucederam em vertiginoso ritmo, sem que as escolas disso se dessem conta. Chegados à geração 5.0, as escolas continuavam no 1.0. Aceleradas mudanças sociais e inovação tecnológica exigiam que se reconhecesse a necessidade de operar rupturas paradigmáticas no campo da educação. E a ruptura decorria de uma decisão ética.

Edgar Morin nos dizia que o ato ético era um ato de religação: “com o outro, com os seus, com a comunidade, e uma inserção na religação cósmica”. Neste pressuposto, nos idos de 2018, escrevi um livrinho, que tinha por título “Inovar é assumir um compromisso ético com a educação”. Isso mesmo: inovar consistia em decidir emancipar-se, para emancipar.

A afirmação custou-me muitas críticas e alguns dissabores. No decurso de um congresso, participei numa mesa de debate sobre inovação. Ao meu lado, outro congressista só interrompeu o enviar de mensagens no seu ifone, quando foi a sua vez de intervir. “Pode passar!” – o técnco mudava o slide e o congressista ia lendo o power point, dizendo aquilo que qualquer pessoa poderia ler num livro ou na Internet, sem precisar de sair de casa. E, após a monótona fala, retomou o bater de tecla de ifone.

Quando chegou a minha vez de intervir, estabeleci diálogo com o publico e alguém perguntou: Quando e como o projeto da Ponte foi inovador?

Quando se concretizou uma mudança de paradigma – respondi – por exemplo, quando decidimos deixar de “dar aula”, para sermos éticos.

Nesse momento, o congressista do ifone pousou o aparelho, fitou-me com ar ameaçador e bradou: Não diga disparates!

Reagi com paciência e compaixão, : Sei que o colega é professor. Alguma vez, precisou de reprovar um aluno?

Claro! Há alunos que, por mais que nós os ensinemos, nunca vão aprender!

Não perdi tempo a explicar-lhe o que era “profecia auto-realizada” e disse:

Então, o defeito está no aluno?

É evidente que sim! Eu já cá ando há muito tempo. Dou boas aulas. E quem não aprende vai para as aulas de reforço!

Então, se bem entendi, do modo como o colega trabalha, nem todos aprendem…

Já disse que não!

E o colega vai continuar a trabalhar desse modo?

Quem é você, para me dar lições de ética? – retorquiu, visivelmente agastado.

Não insisti.  Era mais um caso perdido, a juntar a centenas de antiéticos auleiros.

Façamos um contraponto, partilhando um WhatsApp do distante 2020:

Olá, Zé! Preciso muito da sua ajuda. Hoje, eu acordei com a sua mensagem: FAZER! FAZER! FAZER! E senti como uma confirmação. Pude compreender o que você vem falando, há tanto tempo. Estou vivendo uma catarse e senti que tinha de relatar isso. Uma crise, uma dor… assim como se fosse a dor de um parto.

Não aguentei mais a incoerência. Mesmo sem acreditar nessa estrutura, eu acabava pressionando o meu filho a se enquadrar num sistema em que nem eu acredito. Ontem, eu disse “Basta! Chega de viver pela metade!” Vou fazer essa nova escola, doa o que doer. Se precisar de enfrentar a insensibilidade de outros, eu enfrento. Eu não suporto mais isso dentro de mim. Eu preciso me sentir inteiro. Vamos construir um espaço de aprendizagem. O meu filho vai participar desse projeto. Vou fazer essa outra escola. Não vou submeter o meu filho aquilo em que não acredito, só pela minha insegurança. A gente tem um núcleo grande de pessoas dispostas a fazer esse projeto. Vamos ver se a escola vem junto. A diretora já topou… se não, a gente faz um projeto autônomo.

Gratidão por tudo Zé. Eu honro tudo o que você tem trazido para minha vida. �� Grande abraço, amigo!

 Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXVI)

Aparecida, 10 de junho de 2040

No mês de junho de 2020, nos Estados Unidos e em muitos outros países, milhares de pessoas se manifestavam contra o racismo.

Na Internet, um rapper comentava a fotografia de um manifestante deitado no chão, de cara tapada e punho semi-erguido: “por mais corpos que caiam no chão e por mais sangue que se derrame, cadáveres serão sempre aqueles que vagueiam sem alma nem compaixão”. Mais de um século decorrido sobre a Lei Áurea, gente negra continuava a sentir literalmente na cor da pele, a injustiça, o preconceito e o medo. “O medo de simplesmente existir”, porque o racismo poderia ter saído dos códigos legais, mas não saíra das consciências.

Nesse distante mês de junho, Miguel, criança de 5 anos, negra e pobre, morria por querer estar perto de sua mãe, faxineira de um prefeito. E um cidadão negro nos contava a sua experiência de racismo, na escola. Depois de uma colega dizer que “estava apaixonada por um rapaz negro” a professora respondeu: “Beijar um negro? Argh”!

O “10 de Junho” foi chamado “Dia da Raça” pelo regime salazarista. Havia posições eugenistas e racistas no Estado Novo. Com essa comemoração, a ditadura enaltecia as caraterísticas de um Império colonial, que quase nenhum outro país possuía.

Com o advento da democracia, o “10 de Junho” passou a chamar-se “Dia de Camões e das Comunidades”. Celebrava-se o poeta, que escreveu que “todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades”. O vate português foi contemporâneo do achamento do Brasil, mas estava na contramão de uma colonização predatória, escravocrata… racista. Mas, o significado do seu verso “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” somente seria entendido cinco séculos depois.

Agostinho da Silva, outro português ilustre, criador do Instituto de Letras da Universidade de Brasília, escreveu, na década de sessenta: “Portugal desembarcou na Ásia, desembarcou na África, Portugal desembarcou na América. Só falta Portugal desembarcar em… Portugal”. No final da década de vinte deste nosso século, as palavras de Agostinho talvez pudessem significar que uma nova educação estava a nascer no sul e migraria para o hemisfério norte – talvez um novo Renascimento desapontasse, sem escravatura, sem racismo.

O conceito de raça era vazio e perigoso. Biologicamente, não há e nunca houve “raças humanas”. Esse conceito era usado para justificar discriminação, exploração e outras atrocidades. Tal como outros traços culturais, essa triste herança de uma colonização escravocrata era uma chaga aberta na sociedade, reproduzida pela educação familiar, societal e escolar. A sociologia da educação havia demonstrado que a chamada “escola tradicional” reproduzia um modelo escolar e social impregnado de valores arcaicos, retrógrados. Direta ou indiretamente, as práticas decorrentes dessa matriz axiológica contribuíam para a perenização da barbárie.

Há quase 150 anos, o mestre Eurípedes Barsanulfo contratou professores negros para a sua escola. Imaginai a reação dos coronéis locais! A gripe espanhola o vitimou e a sua obra entrou em declínio, se dissipou. Mas, mesmo que Eurípedes não tivesse desencarnado, o “racismo” dos fundamentalistas da época teria acabado por destruir o seu projeto. Em 1907, Eurípedes antecipava, em mais de cem anos, os movimentos antirracistas do século XXI. Ele sabia que o racismo ensinado na família, na sociedade e na escola, também se pode desaprender na família, na sociedade e… na escola.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CXXV)

Ubatuba, 09 de junho de 2040

A minha amiga Teca era uma maravilhosa contadora de estórias. Do livro por ela escrito, há quase três décadas, extraí o seguinte episódio.

“A professora apareceu na minha sala com os cabelos em pé, boquiaberta, com um caderno na mão e me disse: “Teca olhe este caderno…!”

Peguei o caderno e olhei – estavam escritos alguns palavrões. Falei para a professora: “Pode deixar, vou conversar com o aluno e com a mãe, também”.

Chamei o aluno e perguntei por que escreveu tantos palavrões. Ele disse que era o que ouvia o irmão dizer e escrevia. Ainda assim chamei a mãe, mostrei o caderno e falei: “Mãe, olha o que seu filho escreveu aqui!”

Ela respondeu: “Não sei ler, não, senhora! Mas, diretora, posso lhe perguntar uma coisa?”

“Claro, mãe!” – respondi, desconfiada.

E ela: “Todas essas letras aí foi meu filho que escreveu?”

Respondi: “Sim, foi.”

Ela perguntou: “E ele leu tudo isso que escreveu?”

Respondi: “Sim, leu.”

Então, ela começou a pular e bater palmas, dizendo: “Graças a Deus, alguém sabe ler na nossa casa! Oh, glória a Deus!!!”

Fiquei olhando aquela mulher e pensando onde é que eu estava com a cabeça. Por que não tentei descobrir algumas coisas antes? O que eu ia falar para ela, diante de uma situação dessas?”

A Teca, a Cecília e outras maravilhosas educadoras detinham um conhecimento profundo da arte e ciência de ajudar a aprender a ler. Mas, o Brasil defrontava-se com elevados índices de analfabetismo literal e funcional.

Quando ingressavam na escola, as crianças eram metidas numa sala, frente a uma professora, que os “ensinava” de um só modo (pelo “método fônico”, ou pelo “construtivista”), por não saber que havia muitas metodologias disponíveis.

Os professores alfabetizadores prescindiam do repertório linguístico de cada criança (qualquer criança com seis anos lia mais de cem palavras, em português e em outras línguas, como: “Internet”, Coca-Cola…) e desrespeitavam, quer o estilo de inteligência predominante, quer o ritmo de aprendizagem de cada aluno. Por via de uma formação deformadora, as salas de aula eram antecâmaras do analfabetismo.

As autoridades estavam convictas de havia uma “idade certa” para alfabetizar. Mas, no dia em que deparei com uma turma de alunos analfabetos, sete vezes reprovados na primeira classe, decidi aprender como se alfabetizava. Compreendi que a raiz do problema não era idade, quando um velhinho de 92 anos, me pediu que o ensinasse a ler. Porque a aprendizagem só acontece quando faz sentido, quando é “significativa”, perguntei-lhe por que queria aprender.

Olhe, professor Zé, eu já andei na educação de adultos. Mas, lá, só me ensinavam o a, e, i, o, u, o pá, pé, pi. E não me sentia bem, velho que sou, junto com jovens de quinze ou vinte anos. De maneira que… não aprendi.

Insisti na pergunta, ao que ele respondeu:

Sinceramente, professor Zé… eu quero saber ler, porque sou Testemunha de Jeová. O pastor, lá no culto, lê o livro sagrado, mas eu quero saber se ele lê mesmo o que lá está escrito.

Gravei uma “cassete” com o primeiro capítulo da Bíblia. Ele foi escutando e tentando identificar as palavras no livro sagrado. Aprendeu a ler.

Uma senhora de 32 anos disse-me que queria aprender a ler, porque o marido chegava muito tarde a casa:

Olhe. professor Zé. estou desconfiada. Ele diz que trabalha até tarde, mas se eu soubesse ler os papéis, que ele tem no bolso do paletó, eu tirava tudo a limpo.

Dias depois, apareceu-me com um desses papéis. Aprendeu a ler em dois meses. Separou-se no mês seguinte.

A leitura é emancipatória. É leitura de mundo…

Por: José Pacheco

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