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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXVIII)

Campo Maior, 25 de setembro de 2043

Nos idos de oitenta, fui com as crianças da Ponte até Campo Maior, visitar a fábrica de Cafés Delta. Lá voltei, no setembro de 2023, a convite do Luís Sebastião, do Centro Educativo Alice Nabeiro (da Fundação Coração Delta) e de um grupo de antigos alunos do Professor Manuel Ferreira Patrício.

Como escreveu o Luís:

“Com o propósito de algum modo, usar o seu pensamento e a sua obra como pretexto para repensar a educação numa perspetiva de melhoria e mudança.

Uma das intenções deste grupo é o de realizar, sempre em setembro, mês em que o Professor Patrício nasceu e morreu, e sempre em Campo Maior, uma conferência sobre educação feita por um “autor”, no sentido de alguém com pensamento próprio e obra feita.”

No ano anterior, a primeira conferência fora proferida pelo amigo Nóvoa, a propósito da publicação do relatório da UNESCO de que tinha sido redator. 

O Luís escreveu no email-convite que o bom povo de Campo Maior “gostaria muito de que a segunda conferência fosse proferida pelo Sr. Professor”. Mesmo consciente da difícil tarefa de acrescentar algo útil ao discurso de um Mestre da dimensão de António Nóvoa, aceitei o convite. 

Quando, nos idos de vinte e três, se escrevia sobre educação integral, era comum o teórico se “esquecer” de citar a proposta de “Escola Cultural do saudoso Professor Manuel Patrício. Também chamada de “Educação Pluridimensional”, denotava influências da Escola Nova – Claparède, Montessori, Dewey… – mas, as maiores influências teriam sido Comenius, em cuja filosofia o Professor Patrício se revia, e Leonardo Coimbra, filosósofo da educação de cariz humanista e personalista, que propõe uma nova Paideia, visando a educação integral do ser humano.

A escola era considerada numa perspectiva multidimensional. O programa educativo escolar possuia três dimensões, aproximando-se da conceção de currículo tridimensional, que ensaiamos na terceira década deste século. Cada uma das dimensões tinha um papel a desempenhar na transmissão do legado cultural e na criação cultural.

Isso intuíra nas intervenções do Professor Patrício, aquando dos trabalhos da Comissão da Reforma do Sistema Educativo (em 1984 e 1985), bem como nos encontros promovidos pelo Instituto de Inovação Educacional dos idos de noventa. 

Havia lido no site do Centro Educativo Alice Nabeiro, um lema: “Todos somos líderes das nossas ideias”. E no site da empresa, a Missão: “O nosso contínuo compromisso com a sustentabilidade é uma manifestação viva dos valores do nosso fundador. Continuar a assegurar a nossa rentabilidade económica, reduzindo o impacto ambiental e maximizando o impacto social positivo, é a nossa maior determinação. Será este o nosso futuro, materializado pela nossa estratégia de sustentabilidade global, desenhada em torno da nossa contribuição para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”. 

A intenção era a de tornar as conferências Manuel Ferreira Patrício um local e um tempo de encontro da comunidade educativa. “Que as conferências sejam presenciais e que seja possível conviver-se, debater-se e sonhar-se o futuro da educação em comunidade. Desejamos, naturalmente que se venham a tornar uma referência nacional”, acrescentava o amigo Luís.

À distância de vinte anos, poderei dizer que o sonho do Luís, da Dionísia, dos empresários e do Centro Educativo foi bem mais longe do que poderíamos imaginar. E o que vivi e senti em Campo Maior me devolveu a esperança de Portugal entrar no século XXI da Educação. Ainda hoje, nutro por aquela boa gente um profundo sentimento de gratidão.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXVII)

Elvas, 24 de setembro de 2043

A minha amiga Regina fez lembrar que, há setenta anos, o Brasil e o mundo perderam Josué de Castro. Nascido no setembro de 1908, viria a ser sepultado em Paris, no setembro de 1973. Pelo meio ficara uma vida ao serviço dos deserdados. Em “Por um mundo sem fome”, Francisco Menezes assim o descreve: 

O menino mulato cresceu bem próximo aos mangues, na região de mocambos, habitada por retirantes e caranguejos.”

Ficaram célebres os seus trabalhos sobre o problema da fome no mundo e as suas participações em organismos internacionais. Partindo de sua experiência pessoal no Nordeste brasileiro, publicou obras de indispensável leitura: “Geografia da fome”, “Geopolítica da fome”, “Sete palmos de terra e um caixão” e “Homens e caranguejos”

Nos idos de vinte, três subsistemas sociais careciam de mudança: o subsistema político, que demonstrara total inépcia na gestão de crises humanitárias; o econômico, que não mais poderia manter-se predatório; e o educacional, que estava na base de ambos.

Nesse tempo, conscientes da gravidade da situação social e escolar, educadores éticos delineavam novos rumos para a educação, adotando a proposta de Darcy de integrar três dimensões de projeto: a educação, a saúde e a cultura.

Em quatro anos de desgoverno, a saúde pública passara de precária para trágica. A fome assolava milhares de famílias brasileiras. Uma pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional concluía que 19 milhões de brasileiros passavam fome e mais de metade da população apresentava algum nível de insegurança alimentar. Era deplorável a situação vivida num Brasil, que aprendi a amar e que me atraía para memórias, que, em vão, eu tentara ignorar. 

Um sociólogo amigo facultava-me o acesso às teses de doutoramento, que ele havia orientado. Passei longas horas no seu gabinete da faculdade, lendo e relendo, tirando notas, aprendendo. Certo dia, deparei com uma tese sobre a fome, que assolara o meu bairro, durante a ditadura de Salazar.

Enquanto lia a tese, não conseguia conter o riso. 

“Por que ris?” – perguntou o meu amigo.

“Porque o que aqui está escrito não corresponde à realidade. E as conclusões estão erradas.”

O meu amigo afirmou a “excelente qualidade” da tese e eu repliquei:

“Este candidato a doutor nunca entrou na comunidade que estudou.”

“Como sabes?” – replicou.

“Porque eu nasci e morei na “Ilha dos Tigres”. Lá, não entrava polícia, nem ambulância, quanto mais alguém que não sabe o que é ter fome!”

Foi grande a surpresa do meu amigo. E perguntou:

“Zé, para saber o que é fome, é preciso passar fome?”

“Não é preciso. Mas… ajuda.”

Saramago, que também conheceu o sabor da fome, assim se pronunciou:

“Não podemos esperar que os governos façam o que não fizeram. Que nós mesmos façamos com que nossa voz seja ouvida, com a mesma ênfase com que, até o momento, temos exigido: o respeito aos direitos humanos. 

Tornemo-nos responsáveis por nossas obrigações como cidadãos, sejamos cidadãos, e o mundo talvez possa ficar um pouquinho melhor. Assumamos as responsabilidades que nos cabem.”

Se, à maneira do Ademar, eu quisesse estabelecer um metafórico paralelo com o domínio das ciências da educação, escassos eram aqueles que assumiam um compromisso ético – havia muito teoricismo e escassa produção de teoria, de conhecimento útil. 

Assim como não seria preciso passar fome para saber o que era fome, mas passar fome ajudaria a compreendê-la, também uma passagem pelo chão das escolas ajudaria os teoricistas a serem mais humildes, a reconhecerem a dimensão da sua ignorância.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXVI)

Bocaina de Minas, 23 de setembro de 2043

Apesar da Escola, havia seres humanos que conseguiam aprender a ser, no acaso (ou sincronicidade?) do encontro com professores humanizadores. Ser professor humanizador era profissão de risco. Para que conste, o vosso avô quase foi assassinado, só por ter modificado um pouco a sua prática.

No tempo em que realizávamos os “encontros de sábado”, projetos como o de Mirantão eram alvo de calúnias. E, de um dia para outro, qualquer burocrata ou politiqueiro poderia pôr ponto final na inovação. 

Contrariamente ao que palestrantes teoricistas propalavam, as escolas não eram autónomas. Se o diretor tinha dever de obediência hierárquica, cadê a autonomia da escola?

Um dos primeiros passos da criação de uma nova construção social seria o da reivindicação de autonomia. A lei o sugeria. A dignidade profissional dos professores a requeria. Foram elaborados regimentos (regulamentos, em Portugal) internos. E minutas de termos de autonomia (contratos, em Portugal) foram entregues à direção, gestão e administração das escolas. Esses documentos eram acompanhados de uma proposta de negociação, e sugeriam um processo de autonomização por etapas.

A autonomia pedagógica seria a primeira. Sustentada na lei e nas ciências da educação, criaria condições do exercício da autonomia administrativa e, mais adiante,  a financeira. 

Algumas armadilhas legalistas tivemos de enfrentar. Burocratas alegavam que a lei não tinha sido regulamentada. Mas, ao longo de décadas, nunca se tinham preocupado com a regulamentação. A pretexto de regulamentações de caráter técnico-administrativo, de inspiração instrucionista e contrárias ao espírito da Lei de Bases, recusavam dialogar, ou adiavam quanto podiam a conclusão das negociações.

A Escola da Ponte gastou vinte e oito anos para alcançar o estatuto de autonomia. Porém, os projetos de há vinte anos eram concebidos no formato de uma nova construção social e não dependiam de adiamentos ou autorizações.

Nesse tempo, quase todas as escolas funcionavam à margem da lei. Leia-se: Constituição, Lei de Bases, projetos das escolas. Nenhuma dessas leis eram cumpridas. No quadro do velho e obsoleto sistema de ensino, eram claros os indícios de ineficiência administrativa, de falsidade ideológica, de corrupção passiva ou ativa, de assédio moral e, sobretudo, de abandono intelectual.

O Ademar estabelecia um metafórico paralelo entre a atividade dos áulicos e burocratas da educação, e o naufrágio do Titanic. 

“A obsessão do luxo e da imponência embriagou os pais do Titanic, levando-os a produzir um verdadeiro monstro com pés de barro. O capitão do navio nada fez para prevenir o naufrágio. Ele fora avisado várias vezes da presença dos icebergs e do perigo que eles podiam representar para a segurança do navio. Ainda assim, persistiu na rota suicida e, não contente com isso, na madrugada fatídica, deu ordem para acelerar a velocidade do navio. 

A colisão era inevitável e a tragédia humana também. O navio partira com um número extremamente reduzido de botes salva-vidas. Uma patética sucessão de erros, ilusões e imprevidências escreveu o destino trágico do Titanic e das mil e quinhentas pessoas (quase todos os passageiros que viajavam em segunda e terceira classe) que, nessa madrugada de abril de 1912, perderam a vida, algures, no Atlântico.”

O “sistema” entrara numa “rota suicida”. Os “botes salva-vidas do “sistema” (leia-se: reformas e projetos paliativos) tinam sido esgotados. E o número de vítimas do “sistema” não se contava por milhares, mas por milhões.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXV)

Mirantão, 22 de setembro de 2043

O meu saudoso amigo Rodrigues Brandão compôs “Haicais para receber a Primavera”, celebrando a chegada da Primavera da Educação, consciente de que ainda ia terminando um longo e pesaroso Inverno Educacional. 

Era indisfarçável a podridão pedagógica acumulada, ao longo de séculos. O assédio moral e múltiplas ameaças eram sinais evidentes do desespero de áulicos e burocratas. Atento ao descalabro, o amigo Ademar denunciava os habituais disfarces e paliativos, metaforizava o fim de um obsoleto e pérfido sistema de ensinagem.  

“Na madrugada do naufrágio do Titanic, o quinteto liderado por Wallace Hartley só parou de tocar trinta minutos antes de o luxuoso navio se afundar. Os músicos sabiam que da sua actuação dependia, em larga medida, o controlo do pânico dos passageiros. Um dos sobreviventes do naufrágio contou mais tarde aos jornais que ao mesmo tempo que as águas tumultuosas do oceano se insinuavam discretamente sobre os mais recônditos escaninhos do Titanic, preparando o golpe fatal, a orquestra ia tocando “músicas muito agradáveis” para distrair os condenados à morte, as cerca de mil e quinhentas pessoas (incluindo os tripulantes) que não teriam lugar nos botes salva-vidas e pereceriam daí a pouco afogadas.

A iminência da tragédia não desviou os músicos do cumprimento das suas obrigações profissionais. Eles tinham de tocar até à morte como sempre tinham tocado, desejavelmente, até que o navio – o mais seguro, inexpugnável e luxuoso dos transatlânticos jamais construídos – batesse no fundo do oceano. A música deveria anestesiar o pânico e o sofrimento dos que iam morrer.

O naufrágio do Titanic, sabe-se hoje, estava desde o berço inscrito no seu patético destino de magnificência.  A sua tão apregoada insubmersibilidade não passava de um estúpido e perigoso slogan propagandístico. 

O aço com que foi construído, apurou-se muito mais tarde, era de baixíssima qualidade e vários erros grosseiros de conceção, que prenunciavam a catástrofe, tinham sido cometidos pelos projetistas.”  

Talvez venha a ter oportunidade de continuar a transcrição do implacável texto do Ademar. Por hoje, limitar-me-ei a partilhar alguns dos haicais do Brandão dedicando-os à minha amiga Mariana, de Mirantão, e à sua equipe de projeto, para lhe dizer que a maldade que sobre o seu projeto se abatia, seria dissipada: 

“Canta o sabiá no pé de ipê. / É primavera, / vê!

Amanhece. / O sol do inverno / Espera a primavera.

Sozinha na folha / a palavra “só” / chorava a solidão.”

No dia da chegada da Primavera de vinte e três, recebemos esta mensagem da Mariana: 

“Boa tarde! Estamos recebendo ataques gravíssimos na Escola Municipal de Mirantão e gostaríamos de fazer uma denúncia no Ministério de Educação. 

Acabei de ser exonerada da direção da escola depois de uma reunião na Câmara dos Vereadores com ofensas a mim, às professoras e a escola, que são gravíssimas. A Janaina e o Ricardo Arantes estão com a gente, aqui na causa.”

A Mariana não estava sozinha. Nesse tempo se dizia “não largar a mão de ninguém”. A Fabi logo comentou:

“Meu Deus! Como pode? As histórias se repetem o tempo todo! É doloroso! Força para ti! E para todos de Mirantão.”

E a Mariana completou:

“O melhor é que nunca mais estaremos sós.”

Pois não. O autoritarismo de gente sem escrúpulos não poderia ficar impune. Enviei um apelo a educadores éticos:

Quem poderá ajudar a Mariana? Como a poderemos ajudar?

Netos queridos, um vasto movimento de solidariedade se formou: “SOMOS TODOS MIRANTÃO”. Dele e do que, entretanto, aconteceu, vos falarei em próximas cartas.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXIV)

Butantã, 21 de setembro de 2043

Quando me preparava para rabiscar mais uma missiva e remexia no baú das velharias em busca de boas memórias, encontrei um registo de um incidente crítico de que, amanhã, vos falarei. Esse incidente reforçou a necessidade de os projetos de mudança e inovação providenciarem efetiva autonomia – à partida, apenas pedagógica e administrativa – sem a qual raramente sobrevivem. 

O “sistema” era astuto. Identificava projetos dissidentes e usava de autoritários processos, para os destruir. Era da natureza do “sistema” ser autoritário, e o Ademar o demonstra num prefácio escrito no final do século passado. 

“A estória do Titanic é uma das mais poderosas metáforas sobre o sem sentido da escola contemporânea. Também ela se acredita invulnerável e insubmersível; também ela, pressentindo o perigo, acelera o passo em direção ao abismo; também ela navega com passageiros a mais e salva-vidas a menos; também ela parece ter sacrificado a segurança da viagem à ilusão efémera do espetáculo; também ela exige as maiores provas de abnegação e subserviência aos seus profissionais; também ela, em situação de catástrofe, só está preparada para deixar salvar os passageiros que viajam em primeira classe; também ela segue, confiante e autista, a mais suicida das rotas; também ela, no berço matricial, parecia fadada para um destino glorioso.

A maior crítica que se pode fazer à escola contemporânea não é, porém, a de que ela ignora as utopias, mas antes parece acreditar na mais perversa e desumana das utopias – a utopia de uma sociedade também ela curricularizada (e programada) em que todos deveriam pensar o mesmo, sentir o mesmo, saber o mesmo, dizer o mesmo, sonhar o mesmo…

O currículo que dá sentido à escola contemporânea (ou, melhor dizendo, ao modelo dominante e totalitário de escola contemporânea) não é mais do que um imenso e complexo programa de produção em série de pinóquios replicantes – mulheres e homens cada vez menos diferentes uns dos outros e cada vez menos autores de si próprios e dos seus destinos…

Lembro-me muitas vezes do que um dia escreveu o grande pedagogo brasileiro Rubem Alves (*): 

  1. Wright Mills, um sociólogo sábio, comparou a nossa civilização a uma galera que navega pelos mares. Nos porões estão os remadores. Remam com precisão cada vez maior. A cada novo dia recebem remos novos, mais perfeitos. 0 ritmo das remadas se acelera. Sabem tudo sobre a ciência do remar. A galera navega cada vez mais rápido. Mas, perguntados sobre o porto do destino, respondem os remadores: “0 porto não nos importa. 0 que importa é a velocidade com que navegamos.” 
  2. Wright Mills usou esta metáfora para descrever a nossa civilização por meio de uma imagem plástica: multiplicam-se os meios técnicos e científicos ao nosso dispor, que fazem com que as mudanças sejam cada vez mais rápidas; mas não temos ideia alguma de para onde navegamos. Para onde? Somente um navegador louco ou perdido navegaria sem ter ideia do para onde. 

Em relação à vida da sociedade, ela contém a busca de uma utopia. Utopia, na linguagem comum, é usada como sonho impossível de ser realizado. Mas não é isso. Utopia é um ponto inatingível que indica uma direção. Mário Quintana explicou a utopia com um verso de sabor pitanga: 

“Se as coisas são inatingíveis… ora!/Não é motivo para não querê-las …/Que tristes os caminhos, se não fora/A mágica presença das estrelas!” 

Amanhã, vos falarei de “tristes caminhos” e da presença das estrelas.

(*) (Rubem Alves, O Homem Deve Reencontrar o Paraíso, in Por uma Educação Romântica – Brevíssimos Exercícios de Imortalidade)

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXIII)

Grajaú, 20 de setembro de 2043

Consta que José Vieira de Morais foi o primeiro paulistano a formar-se em pedagogia. Nas décadas de trinta e quarenta, numa casinha de madeira e aos fins de semana, Vieira alfabetizava trabalhadores construtores da Represa Billings. Nada mais justo do que dar o seu nome à escola que, neste mesmo dia do setembro de há vinte anos, eu tive o privilégio de  visitar. 

Nela encontrei educadores dedicados, o Gabriel, o Jailson, a Simone, o Wilson, a Beatriz, a Luma e outros extraordinários seres humanos, que me deram a conhecer a estória do professor Vieira. E, numa inesquecível manhã, centenas de jovens críticos e atentos questionaram, escutaram, dialogaram com o vosso avô.  Guardo dessa escola uma feliz recordação.

O mesmo não poderei dizer de outros encontros. Em mais de meio século, foram centenas as oportunidades de diálogo perdidas. Contam-se pelos dedos os frutuosos debates, raras foram as situações de diálogo construtivo. 

Sempre que algo eu afirmava e alguém de mim discordava, eu propunha o diálogo. Se esse alguém discordava, certamente teria razões para discordar. Isto é, argumentação contrária. Supunha que o meu interlocutor possuísse conhecimentos que eu ignorasse. Encarava a situação como oportunidade de troca de ideias, de saberes e de saber-fazer, oportunidade de aprender.

Quando, fraternalmente, eu apresentava argumentos, frequentemente, deparava com uma reação autoritária. “Superiores hierárquicos” prepotentes (tenebrosos personagens, que muitos danos causaram à educação dos jovens) 

impunham a “sua lei”. “Teoricistas” doentes de instrucionismo instalavam polémicas estéreis, alardeando erudição balofa.

Netos queridos, embora no ano da graça de 2043 seja difícil acreditar, os funcionários do “sistema” comportavam-se de modo hierárquico e autoritário, atitudes em tudo contrário ao fomento do diálogo e ao respeito devido aos professores. Era pesada a herança cultural feita de séculos de esclavagismo e coronelismo – a praga das castas sociais, políticas, religiosas, se reproduzia. Genética cultural, certamente, também fruto de um obsoleto modelo de educação familiar, social e escolar.

Até à década de trinta, ainda se manteve o regime hierárquico, o regime de castas caraterístico da funcionarização dos docentes. Os professores estavam “escalonados”, recompensados pelo Estado em função do tempo em que lhe fossem leais servidores.

Quem convivesse com altos funcionários dos ministérios compreenderia a manutenção de tais absurdos. Eram exímios no arrazoado sócio construtivista e, com frases de belo efeito, se diziam apologistas do paradigma da comunicação e de inovadoras transições paradigmáticas, quando as suas práticas radicavam num paradigma nascido no século XVIII. 

O modelo escolar imposto pelo Estado deteriorara tão profundamente o sistema de relações, que deparei com algo inimaginável. Encontrei uma escola com duas salas de professores Uma delas acolhia professores efetivos (os “concursados” brasileiros); na outra, os professores “agregados”, do “quadro de zona”, os “substitutos”. 

Escolas havia em que estagiários eram proibidos de tomar café no bar dos professores. Havia professores de “horário zero” e aqueles que só iam à escola três dias em cada semana, beneficiando de reduções de componente letiva por “serem velhos na profissão”.

Sei que acreditareis no que escrevo, porque é o vosso avô que o diz. Era inaceitável que ministérios legitimassem discriminações, castas e privilégios. Maus exemplos eram dados às novas gerações.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXII)

São Paulo, 19 de setembro de 2043

Netos queridos, hoje, senti uma preguiça do tamanho do mundo. E, por ser dia de assinalar aniversários do Sérgio, do Everton e do Mestre Paulo, que faria 102 anos em 2023, aproveito o conteúdo de uma cartinha para ele enviada do Recife, vai para mais de vinte anos. 

“O que poderei dizer de ti, querido Paulo, e já tudo foi dito? Talvez apenas dar-te boas notícias. 

Mão amiga deu-me a conhecer um artigo, que faz jus ao teu “tu já lê… e tijolo”. Porque acredito que também gostarias de o ler, dele transcrevo alguns excertos. 

Diz-nos a sua autora, uma educadora do Sul do Brasil: 

“Escrevi esta carta. Sei que ela enfrenta uma dificuldade de base para chegar aos seus destinatários – é que muitos deles não sabem ler. O grande entrave para a melhoria da qualidade educacional brasileira é o fato de que nossa população está satisfeita com nossa escola. 

Os pais estão satisfeitos, porque não vislumbram possibilidades maiores do que gerações já viveram – aprender pouco ou pouquíssimo na escola. 

Eles precisam dar-se conta de que há algo mais nessa experiência de sucesso na alfabetização e não atribuir, como um dos pais de aluno, como sorte seu filho ter tido uma professora com “tino”, no sentido de professora com uma intuição natural ou com a “conhecida” vocação para mestra. 

Queridos pais, seu filho aprendeu a ler e a escrever porque esta professora seguiu um jeito novo de ensinar, que ela está também aprendendo agora, voltando a estudar cada semana ou cada dia. 

Como vês, querido Mestre, ainda há professores que aprendem, que se apercebem da sua incompletude e sabem que o ser humano está em permanente estado de projeto. 

Cada ser humano tem o seu projeto pessoal, social. E, nos educadores, é o da reelaboração da cultura pessoal e profissional. Não sendo responsáveis por aquilo que deles fizeram, são responsáveis por aquilo que fizerem com aquilo que fizeram deles. Foi o Sartre quem o disse, por outras palavras.“

Hoje, participei num evento organizado pelo SESI. Pressinto um forte sentimento de autonomia nos educadores, cujos projetos de comunidade venho acompanhando. Tentei devolver-lhes alguma autoestima. Disse-lhes (sem demagogia) que a melhor educação do mundo está no Sul, no Brasil. 

Aqueles educadores sabem que o ato de educar é um ato político e um ato de amor. E que contribuir para a autonomia do outro é um ato de amor. 

Mas, se um professor não se interroga, se se considera pronto, está morto, pronto para baixar o corpo à terra e elevar a alma ao lugar etéreo onde te encontras, pois não morremos quando o coração para; morremos quando deixamos de amar. 

Conheci um professor insatisfeito com o seu desempenho. Ele perguntava: 

“Se eu faço um planejamento perfeito das minhas aulas e preparo belos materiais, por que será que alguns alunos meus reprovam? 

Se eu dou aulas tão bem dadas, por que razão há alunos que não aprendem?”

Certo dia, um koan (uma iluminação súbita) se lhe apresentou, incontornável, conclusão definitiva: se ele dava aula e havia alunos que não aprendiam, esses alunos não aprendiam porque ele dava aula. 

Uma profunda perturbação o invadiu, o chão fugiu-lhe debaixo dos pés. Não poderia continuar a dar aula, mas ele somente sabia… dar aula. 

Haveria outros modos de ser professor? Outros modos de ensinar? De que maneira todos poderiam aprender? 

Procurou e encontrou professores que faziam as mesmas perguntas e que não cederam ao fácil. Com eles, se envolveu num projeto de pesquisa. Juntos, conceberam e desenvolveram espaços e tempos de uma nova construção social. 

Como vês, querido Mestre, o Brasil não desiste de ti.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXI)

Ilha dos Tigres, 18 de setembro de 2043

No mesmo dia, duas notícias me deixaram deveras incomodado. Uma professora se recusava “dar aula” a um aluno “especial” – abandono intelectual evidente e impune. Um diretor que, após a insistência da mãe de um autista, efetuou a matrícula da criança, mas avisando que não sabia ensiná-lo. Como poderia um professor dizer “não sei”? 

Algo semelhante aconteceu comigo. Foi nos idos de setenta e dois. Fui colocado numa escola da cidade do Porto. Na reunião da composição de turmas, a professora mais antiga ia distribuindo os alunos da primeira classe:

“Ó Dona Flora, de quem é filho este miúdo?

É neto do senhor doutor Horácio, minha senhora.

Então fica nesta lista. E este aqui?

Esse, minha senhora, é da “ilha” lá de baixo, é filho da mulher a dias da professora Fernanda. Não se sabe quem é o pai…

Então, vai para a turma do colega.”

O “colega” era eu. Perguntei qual era o critério da distribuição dos alunos.

“Não tem critério nenhum, colega! Você é o mais novo, apanha com aqueles que ninguém quer.”

Perguntei por que “não queria”.

“Por que não sei trabalhar com esses piolhosos, esses burros, que nem sabem quem é o pai.”

“Se não sabe, por que não vai aprender?”

A pergunta saiu-me cara. Furiosa, a velha docente saiu da sala e foi contar ao marido o sucedido, a minha “falta de respeito”. O marido era “informador” da polícia política da ditadura. Imaginai o que me aconteceu…

Entre esse dia e aquele em que fui obrigado a deixar essa escola, fiz aquilo que qualquer professor faria: aprendi modos de ensinar os “piolhosos e burros”. Eram crianças maravilhosas, apenas carentes de alimento e de afeto.

Trinta anos decorridos, o Paulo pediu-me conselho:  

“Qual será a melhor escola para matricular a minha filha na primeira classe?” 

Lacónica e sinceramente, respondi: 

“Há bons professores em todas as escolas.” 

O Paulo não desarmou: 

“Não é bem assim. Na minha primeira classe, de há trinta anos, eu tive dois professores. Um tratou-me tão bem que eu nunca mais o esqueci. A outra foi uma cabra, que me fez odiar tanto a escola, que me raspei dali para fora

“Como é que foi?” – retorqui. 

“Eu era muito pobre e a professora pôs-me ao fundo da sala, ao lado da fila dos burros.” 

“E o outro professor?” – demandei.

“Esse era muito diferente. Tratava-nos a todos com meiguice e paciência. Nunca nos bateu. E nós até éramos para aí mais de trinta e difíceis de aturar. Se eu hoje sou alguma coisa devo-o a ele. Ainda hoje me lembro dele, quando tenho de decidir da minha vida.”

“Sabes o que é feito desse professor, onde estará?”

“A meio da primeira classe, ele chamou-nos, um a um, ainda me estou a lembrar quando chegou a minha vez. Abaixou-se, pôs-se da minha altura e disse-me: Paulinho, eu vou ter de ir embora, não quero mas tenho de ir para a guerra.

Até me deu vontade de chorar, mas disse que sim co’a cabeça, que eu até sabia que o Eduardo, lá da minha rua, tinha morrido na guerra de Angola.” 

Um súbito pressentimento me levou a perguntar:

“Paulo, em que escola andaste? Em que ano entraste na escola?”

O Paulo respondeu. E era o mesmo ano e a mesma escola onde eu havia cuidado da turma dos “piolhosos e burros”. Arrisquei esclarecer uma última dúvida: 

“Como era esse professor?” 

“Era mais ou menos da sua altura. Andava sempre vestido de preto e usava sandálias. Tocava violão e ensinava-nos canções bonitas. Tinha o cabelo comprido…”

A descrição feita pelo Paulo ajustava-se, perfeitamente, à pessoa que o seu amigo e professor tinha sido, trinta anos antes – era eu.

Eu sei que a possibilidade de ocorrer algo assim é de um para um milhão. Mas aconteceu. Porque não é por acaso que há acasos.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLX)

Paranhos, 17 de setembro de 2043 

Netos queridos, há dias em que sinto uma preguiça de séculos e vos poupo a este incómodo de ler “reflexões” –  se assim lhe posso chamar – de um avô palavroso. Seja como for, aqui estou, vencendo a prostração e a moleza, tentando manter este epistolar modo de dizer. 

Hoje, rebusquei o fundo do baú das velharias, para achar registos de um tempo em que cerca de um terço dos professores sofria de bullying. De um tempo em que, na Coreia do Sul, o governo chegou a oferecer dinheiro para crianças e adolescentes saírem dos seus quartos. 

Aumentava o número de casos de bullying, por meios virtuais, e até de pedofilia e sequestro de crianças. As atenções se voltaram para o sócio emocional do estertor de um sistema perverso. 

Participei de alguns debates. E, tentando escapar a uma reflexão teoricista de circuito fechado, partilhei alguns episódios colhidos em escolas de uma nova construção social.  

Era uma criança por todos considerada “violenta”, hóspede quase permanente de um “quarto escuro”, onde cumpria longas horas “de castigo”. Porém, nem o negro isolamento domava a juvenil fúria. Em sucessivas vagas, a soco, a pontapé, à dentada, forçava a fuga das companheiras, e abreviava o regresso ao “quarto escuro”. 

Recém-chegada, a Ana depressa se apercebeu daquele círculo vicioso de “crime e castigo”. Poucos dias decorridos, aproveitando um momento de distração da endiabrada rapariga, prendeu-a nos seus braços. 

A pequena ainda esperneou, mas sem conseguir escapar ao amplexo. Resignada, julgou chegado mais um momento de recolher à punitiva escuridão. Tremeu quando a Ana a beijou na face. Correu para novas tropelias, logo que a Ana a largou. Não levou muito tempo a regressar. Ia direita ao “quarto escuro”, de orelha pendurada, quase arrastada pela vigilante que a surpreendera em flagrante delito. 

De novo, a Ana intercedeu por ela. A vigilante largou-a nos seus braços. A pequena já quase não opôs resistência. Sentiu o abraço como abraço e recebeu um beijo sem frémito aparente. Sem demora, foi procurar mais sarilhos e voltou – qual pássaro, há muito tempo, sem ninho – ao aconchego de abraços.

Algumas idas e vindas depois, o íman do afeto a prendeu, definitivamente. 

A vida dos professores era recheada de atos humanizadores dignos de narrar. Quando cheguei à Ponte, avisaram-me de que aquela era a “turma do lixo”, “o refugo da escola”. Aqueles trinta mafarricos tinham infernizado a vida das professoras que por lá passavam. O Domingos, que nos seus quinze anos, era o decano da turma, só à sua conta tinha conhecido doze. Umas despachavam os malfadados para o último professor “agregado” que lá caísse no ano seguinte. Outras agarravam-se ao atestado como o náufrago à boia salvadora e desapareciam para nunca mais. 

Nas manhãs de invernia, quando algum deles se deixava ficar no aconchego dos lençóis, era “menos um para aturar”. Nas manhãs primaveris, quando outros se perdiam pelo caminho, a jogar à bola, era “um alívio”. 

Decorrido muito pouco tempo, a gélida sala de aula já se amornava, transbordava de doce ternura. Havia mais “socio emocional” naquele lugar ermo do que em todos os compêndios que eu já tinha lido. 

Compreendi por que razão certos teoricistas recorriam a uma abundante adjetivação – “líricos”, “lunáticos”, “utópicos” e outros epítetos bem menos lisonjeiros. Alguns já faleceram, outros estão à espera de alguém que os descubra. 

Insisto numa busca que não cessa, por ter sido nessa busca que me encontrei e encontrei razões para me manter professor. A esses “utópicos” devo quase tudo o que de bom possa ter e ser. 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLIX)

Macieira da Lixa, 16 de setembro de 2043

Queridos netos, se ainda fosse vivo, o vosso bisavô faria anos neste dia. Há vinte anos, comemorei a data no convívio com educadores.. Eram encontros de regeneração, de humanização aqueles que, todos os sábados, realizávamos. Mas, apesar de denodados esforços, a escola verbalista e antidemocrática denunciada por Freire resistia e provocava sofrimento. Recordo-me bem, como se fora hoje, do choro de uma professora, vai para uns quarenta anos. Numa breve pausa no trabalho que com ela fazia, na sua sala de aula, assim se expressou:

“Nunca vi os meus alunos tão interessados. Gosto muito deles. De todos!”

“Não estarás a mentir?” – interrompi-a – “Tu gostas mais de uns do que de outros, certamente. E haverá alguns com quem não simpatizas…”

Passou umas contas no quadro, os jovens ficaram fazendo o exercício, e ela pediu-me para sairmos da sala.

“Espera-me no bar. Na sala dos professores, não! Não tarda, toca o sinal e irei lá ter.”

Esperei-a no bar. 

“Tens razão, Zé. Há alunos que eu não consigo alcançar. Confesso até que não gosto deles. E sinto-me muito mal com isso. Vou para casa e eles não me saem da cabeça. O que poderei fazer?”

Havia professores sensíveis, e lágrimas furtivas correram pela sua face. Confortei-a. falei-lhe de um drama vivido, alguns anos antes.

Avisaram-me: 

“Cuidado com o Teixeira! Dizem que é autista e, além disso, é mal-educado e preguiçoso”

Estava quase a fazer treze anos, na primeira classe. Não sabia ler nem escrever. Tinha saltado de professor para professor, em turmas indesejadas. Era conhecido pelo nome de família, pois o nome próprio ninguém parecia conhecer. 

“O colega imponha-se, o colega defenda-se!” 

Não me “defendi”, porque foi esse o ano em que deixei de “dar aula”, criando condições de criação de vínculos. Foi, também, nesse ano, que me apercebi de que escolas são pessoas. E foi fora do prédio da escola que o “vínculo” foi criado, descobrindo que o Teixeira nunca tinha sido autista na sua vida. 

Fora criado entre ovelhas, das cinco horas da madrugada ao meio-dia de todos os dias. Tinha vivido entre uma casa vazia e o vazio de uma escola, entre as treze e as dezoito horas de todos os dias. E deitava-se todos os dias com as galinhas, antes que os seus pais regressassem da fábrica. 

Num sábado de manhã, quando eu esperava o ônibus que me levaria para o aconchego do fim de semana em casa, vi o Teixeira a atravessar a estrada varejando o rebanho. Arredou as ovelhas para um valado e sentou-se numa pedra a uma distância prudente da paragem do autocarro. Com o cajado batia pedras para o outro lado da estrada, como quem estava distraído. 

Não poderia dar-me ao luxo de perder o ônibus, pois só havia um aos sábados. A tentação foi mais forte do que a prudência. Lancei olhares insistentes para a curva da estrada de onde haveria de surgir o ansiado transporte. Lancei outros tantos olhares para o lado da estrada onde estava o Teixeira. E o dilema resolveu-se. 

Dei alguns passos na sua direção, como se me acercasse de um pássaro que, a qualquer momento, poderia levantar voo. Captei-lhe o olhar. Sorriu. O “autista” não fez menção de se levantar. 

Percorri os metros que faltavam, hesitante, deitando olhares para trás, não viesse aí ônibus. O Teixeira já respondia, ora com a cabeça (que sim, que não), ora com os ombros (quero lá saber!). 

Na paragem, ninguém. O condutor do ônibus ainda reduziu a velocidade, deitou um olhar para a mala pousada nas pedras à margem da estrada. Faltou-me coragem para estender um braço e fazer-lhe paragem. E o outro braço estava, fraternalmente, pousado sobre o ombro do “autista”. 

 

Por: José Pacheco

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