Campinas, 23 de agosto de 2042
Hoje, nem precisarei de puxar assunto, nem de invocar memórias. Achei no baú das velharias um belo email da minha amiga Fátima. Com a devida vénia, dele extraio alguns trechos.
“Apesar do muito que quero ver florescer a Educação verdadeira, aquela sonhada pelos grandes pedagogos e tão necessária, confesso que, se me convidassem, amanhã, para começar a desbravar esse tão dourado sonho, provavelmente, me encheria de apreensões. Por distintas razões, algumas das quais só a mim pertencem, sei que me passaria pela cabeça e que apoquentaria o meu coração um número considerável de dúvidas e receios. Talvez acreditasse não ter já forças para estar à altura do esforço requerido.
Foram quase três décadas a dar muito, nem sempre recebendo retorno na alma, e garantidamente não recebendo o valor justo de quem escolheu, porque sentiu o apelo desde cedo, a inigualável missão de educar. Educar como mostrar caminho e fazer cada um acreditar no seu talento único e no quanto é especial.
Apesar de não ser por almejar uma vida desafogada que um professor abraça esta profissão, não posso deixar de pensar por quantas cabeças terá passado a ideia, ao ouvir falar de novos projetos, que, para o que ganham, para o que o (des)valorizam, já está muito bom o que fazem. E, de facto, tantos, tantos, têm dado tanto, e há tanto tempo! Eu sei, porque o vi e o vivi.
Urge cuidar das crianças e jovens, mas é urgente, também, cuidar dos professores, essas almas esquecidas, que tantas vezes foram carne para canhão de frustrações várias ao seu entorno (assim como, depois, o são, de forma mais ou menos consciente, os alunos).
Não me ponho fora desta equação: a de ter descarregado frustrações advindas da exaustão e da impotência junto dos que, no fundo, só queria ajudar. Mas como ajudar, se nos sentimos a naufragar?
A tarefa dos professores que querem a mudança não é pequena, num sistema, veja-se ou não, creia-se ou não, moribundo. (Às vezes, ver é demasiado doloroso).
Sei que, apesar dos que já desistiram, dos que desistirão, dos que não acreditam e dos que ficam ou se ficam, a mudança vai acontecer. Pois tudo é melhor do que ver o desânimo na cara de tantos milhares de jovens, ao pensar no regresso para a sala de aula.
Tudo é melhor do que sentir o desinteresse, fruto de tanta imposição e castração. Pois tudo é melhor do que compartilhar a angústia por estar ali, por mais aquele teste, por mais aquela inutilidade, por mais uma aprendizagem a curto prazo e nada significativa. Do que uma vida que nos passe ao lado.”
A mensagem da Fátima chegou num tempo em que o ministério lidava com a falta de professores e procedia à “recuperação de aprendizagens”. Há muito tempo, o amigo Nóvoa apontara a falência da via reformista e dissera que, na “educação do futuro”, não haveria sala de aula. Porém, o ministério insistia em isolar professores em salas de aula e permanecia perdido no labirinto de precárias reformas.
Nóvoa era conselheiro de um governo estável e o novo ministro dispunha de quatro anos para operar mudanças eleitoralmente prometidas.
No agosto de vinte e um, mais uma vez, atravessei o mar, ao encontro de utopias por realizar. Durante um ano, percorri dezenas de escolas, agrupamentos, universidades, comunidades. Ainda havia professores vivos. Uma nova geração de todas as idades havia tomado uma decisão ética.
Lá ficaram a Fabi, a Jana, o Rafael. Lá voltaria a Cléo, para ajudar o António a esperançar. Finalmente, se iria cumprir a Educação de Portugal anunciada pelo Mestre Agostinho.
No agosto de vinte a dois, dei essa boa-nova ao ministério da educação.
Por: José Pacheco