Arraial d’Ajuda, 05 de abril de 2040
Na Bahia de 2020, a mãe do Tiê operava amorosas transformações. Não apenas para o seu filho, mas para os filhos da sua comunidade. Disso vos falarei numa cartinha dedicada ao Jardim Cirandas. Hoje, falar-vos-ei de saber perguntar. E nisso o Tiê era especialista. Pergunta de criança é pergunta inteligente. Quando a fazia, o Tiê já possuía um princípio de resposta.
João dos Santos, o criador da Casa da Praia – procurai registro dessa instituição, porque vale a pena conhecer a sua estória – escreveu um livro, na década de 1970, que tinha por título: “Se não sabe, por que é que pergunta?”. Uma pergunta contém muito mais do que uma interrogação, traz com ela muita informação. O Tiê não parava de perguntar. E o vôvô Zé, como o Tiê me chamava, também não.
Você tem a mania de fazer perguntas! – diziam, só porque eu havia descoberto, nos idos de setenta, que os professores tinham mais certezas do que interrogações. Quase nonagenário, ainda sou curiosidade pura, tão questionador quanto o é uma criança.
Quando jovem professor, elaborei um roteiro de estudo, para reelaboração da minha cultura profissional, algo como um “decálogo”: Por que se aprende? O que se deve aprender? Quem aprende? Quem me ajuda a aprender? Quando aprendo? Com quem aprendo? De que preciso para aprender? Onde aprendo? Como aprendo? Como saber que aprendi?
Quando andava pelas escolas, incentivando nos professores a prática de uma comunicação dialógica, começava por perguntar aos seus alunos: O que queres saber? E me desgostava ouvi-los responder com outra pergunta: Tio, eu posso dizer o quero saber? E o que eu quero aprender?
Eram crianças de tenra idade, mas já com meia dúzia de anos de escutar respostas a perguntas que jamais fizeram. Nas aulas, tinham desaprendido de perguntar.
Na minha vida de professor, nunca parei de perguntar: O que queres fazer? O que queres ser? E não acrescentava “quando fores grande”. Porque deixaria de ser uma pergunta, para ser um xingamento. Criança não vai ser… Criança é!
Criança perguntadora, aproveitando o tempo a que costumavam chamar de “interrupção da atividade letiva”, eu fui visitar um lugar a que costumam chamar “escola”. Recomendação de um amigo: Olha que vais gostar. O projeto é bem interessante.
Não entendi por que seria “interessante”, mas, movido pela curiosidade, lá fui. O prédio estava quase vazio, como no tempo do vírus corona. Deparei com um portão fechado, dois olhos inquisidores e a voz ameaçadora do guarda do bunker: Que deseja? Estamos fechados! A escola está fechada.
Subitamente, o alarido de uma campainha invadiu salas e corredores desertos. A campainha soava, rotineira e absurda, porque não havia alunos à escuta do “toque de recolher” à sala de aula.
Por que tocava a campainha em tempo de férias? Por que havia férias escolares? A inteligência dos alunos parava de funcionar em dezembro, para só voltar a funcionar após o Carnaval? Os hospitais entravam em férias? A igreja fazia férias? Imagine-se a situação: o crente a deparar com portas fechadas e um cartaz: Volte depois do Carnaval. O pastor está de férias.
Ainda hoje formulo perguntas, que considero pertinentes: Quando se aprende?
Em 200 letivos, ou nos 365 dias de cada ano? Em quatro ou cinco horas de aula, ou nas vinte e quatro horas de cada dia? Em uma dúzia de anos, ou durante toda a vida?
Já velho, eu sei que exaspero auleiros saudosistas. Sei que ainda há quem creia que se aprende ouvindo aula. Eu sei…
Por: José Pacheco
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