Piracanga, 08 de abril de 2040
O Tiê não parava de perguntar. Ainda não havia chegado à idade de “ir à escola”. Dizem estudos que, à entrada no Fundamental, metade das crianças já não fazem perguntas. No final do Fundamental, a cifra cai para menos de dez por cento. Nas escolas de Ensino Médio, são raros os jovens que interrogam. E, nas universidades, quantos alunos fazem perguntas?
Fui professor do Fundamental. Quando entrava na sala, dizia: Bom dia, meus amigos!
Respondiam: Bom dia, professor!
Quando trabalhei na Universidade, entrava na sala, fazendo idêntica saudação: Bom dia, meus amigos!
Em silêncio, os jovens universitários escreviam nos seus cadernos: “Bom dia, meus amigos”.
Quem os havia posto assim? Quantos professores se interrogam sobre as origens deste drama?
Recordar-te-ás, certamente, querida Alice, das cartas que este avô te enviou, quando nasceste: Recorria a personificações, metáforas e outras figuras de linguagem. Quarenta anos depois, excelente profissional de Psicologia que és, contigo poderei usar de uma linguagem técnica, científica. Mas, com o Tiê, não.
Perguntou: Vovó o teu cabelo é branquinho… por quê?
Por que será? – respondi com a pergunta, que dispara a busca de resposta…
Num sei, vovô…
Brinquei com o Tiê. E, com a minha ajuda, ele encontrou a resposta. Para a Alice psicóloga, a conclusão é simples: contrariamente àquilo que a näo-diretividade ingénua postula, a criança não faz o que quer – a criança quer aquilo que faz, porque faz sentido. Já percebeste que estou a falar de Vygotsky…
Pois fica sabendo que encontrei doutorados em socio construtivismo, que davam aula. Diziam aos formandos que os alunos deveriam ser o centro do processo, enquanto davam aula, centrada no… professor. Das duas, uma: ou eram esquizofrênicos, ou analfabetos funcionais – leram Vygotsky, mas nada entenderam. Eram os “porquenins”, seres do nem sim, nem não. Em Brasília, encontrei uma subespécie: os “porquessins”. Se lhes perguntássemos, por exemplo, por que havia aula, eles respondiam: Porque sim. E… pronto! É assim, porque é assim, porque eu mando que seja assim.
Mancomunados com porquessins e porquenins, os “porquenãos” impunham que se ensinasse a voar a todos como se de um só se tratasse, como se cada ser não fosse um ser único e irrepetível. Muitos professores não ousavam sair da caixa preta da sala de aula, com medo de que algum porquenim espreitasse e fosse contar pecadilhos a um porquenão. E os obstinados porquenãos continuaram no fazer, sem saber explicar por que faziam. Era assim… e pronto!
Aos porquenins – ora de acordo com uns, ora com outros, conforme a ocasião e como lhes dava mais jeito – o Darcy deu o nome de áulico. Os áulicos eram semelhantes aos papagaios, aves que repetem e não refletem. Os áulicos eram surdos, insensíveis a uma interpelação fundamentada, criaturas horríveis.
Mas, como diria um outro rouxinol (de nome Pessoa), se deixasse de haver seres horríveis, o mundo ficaria mais pobre, só porque teriam deixado de existir. Por isso, estendíamos mãos solidárias aos porquenins, aos porquessins e porquenãos, na intenção de os ajudar a compreender e a decidirem ser éticos.
Foi o amor, sempre presente no canto das almas sensíveis, que comoveu as almas empedernidas dos porquenãos e as redimiu do pecado da ignorância e da maldade. A doce paciência das almas sensíveis ajudou os pássaros doentes a não terem medo da luz diurna, a não fechar os olhos à claridade. Convenceu porquenãos e porquenins da inutilidade da sua azáfama de pássaros rotineiros.
Irei contar-vos como tudo aconteceu.
Por: José Pacheco
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