Holambra, 9 de maio de 2040

Certo dia e numa carta, de que ouso transcrever um pequeno excerto, o amigo Rubem me confirmou a existência de seres admiráveis (que o Brecht diria serem indispensáveis),: “Há milhares de irmãos e irmãs desconhecidos sonhando o mesmo sonho…”

Em 2020, uma ruptura paradigmática se anunciava. Uma nova geração de solidários educadores surgia, nas esteira de seres inspirados, que viviam “na contramão da História”, aprendendo a surfar o dilúvio de lixo cultural em que a sociedade e a escola se tinham afundado. Nas minhas deambulações pelo Brasil das escolas, me apercebia de que o Rubem era inspiração para muitos anônimos educadores, que teciam redes de fraternidade.

A sua vida foi coerente com o que escreveu, e a sua obra – extensa, diversificada e pautada por uma complexa simplicidade – suscitava múltiplas leituras. A sua visão sobre o Brasil das escolas instigava-me a penetrar mais fundo em contraditórias realidades, observadas por um desarmado olhar europeu, que se surpreendia perante o ostracismo a que alguns pedagogos brasileiros eram remetidos. E todos tinham em comum um dos traços de caráter do Rubem: eram seres solidários.

Em meados da primeira década do século XXI, estava implícita na carta de princípios dos Românticos Conspiradores uma ideia de comunidade, de aprendizagem compartilhada, de práticas colaborativas. E muitos núcleos de prática surgiram. Estou a lembrar-me, por exemplo, do núcleo “Quero-Quero” do Rio Grande do Sul, onde a “docência compartilhada” era prática diária em escolas de Porto Alegre e na universidade. Os RC  recriavam espaços de vida em comum e o segundo dos princípios dos RC – “Educar-se em Solidariedade” – era disso evidência:

A educação é um processo relacional, possuindo um caráter social que deve ser assumido nas práticas educativas. A solidariedade, mais do que um objetivo ético a ser atingido, é uma condição primordial para a realização do trabalho educativo. Portanto, este só se desenvolverá plenamente, se considerar e incluir as diversas relações entre todos os atores envolvidos: educandos, educadores, gestores, famílias e comunidades. No caso da escola, é indispensável que abra suas portas à comunidade, a fim de constituir-se em polo integrador e irradiador do saber e do esforço social pela educação. Também cabe a escola incentivar a integração dos agentes e espaços comunitários a esse mesmo esforço.

O Rubem era um ser solidário.  sabia que a aprendizagem acontece, quando existe um vínculo afetivo entre quem, supostamente, aprende e quem, supostamente, ajuda a aprender. Quem aprende cria um vínculo – cognitivo, emocional, estético, afetivo – com o objeto de estudo, atribui-lhe significado.

Quando observava alunos da Ponte envolvidos em pesquisa, totalmente compenetrados na tarefa e indiferentes à passagem do tempo, o Mestre Rubem recorria a um verso da Adélia Prado, para lustrar o princípio da significação: “Não quero faca nem queijo, quero é fome”.

A Adélia dizia que a memória era contrária ao tempo:  Enquanto o tempo leva a vida  embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa,  eternizando momentos. Crianças têm o tempo a seu favor e a memória ainda é muito recente. Ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade.

Com o Rubem e com a Adélia, aprendi que a esperança é da natureza da eternidade. E que deveria cuidar da minha criança interior, para não desistir de ser esperançoso. Porque, como diria o amigo Rubem, quem mata a criança grande, que tem dentro de si, não vira adulto – adultera-se.

Por: José Pacheco