Porto, 10 de maio de 2040

Neste dia de há vinte anos, era celebrado o “dia das mães”. Longe ia o tempo em que se homenageava as mães no dia 8 de dezembro.  A tradição cristã invocava a Mãe de Jesus. Nesse dia, com o coro da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, eu cantava: O povo viu um grande sinal, uma mulher vestida de sol… Ou, como consta do Apocalipse, 12: Uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça. E estava grávida, e com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz. Diariamente, no meu tempo de juventude, também celebrava os cuidados maternais de Maria de Magdala. Quando soube de um Rabi, que convivia com os pecadores e os excluídos, foi ter com Ele, em Cafarnaum, grávida de Amor.

Nesse maio de há vinte anos, a mídia dava notícia de que as ambulâncias não conseguiam entrar em favelas do Rio. E as mães carregavam nos seus braços os filhos doentes e mortos. Dias antes, na Colômbia ponderava-se a possibilidade de transferir para agosto essa comemoração. No Brasil. os comerciantes pressionavam o Governo, para que se antecipasse o fim do isolamento social. Talvez porque preferissem perder mães, para não perder o negócio…

Longe vai o tempo de mercadológicas comemorações, contemporâneas do feminicídio, que sacrificava milhares de mães no altar de patriarcais culturas, mas, ainda cresce em mim a indignação, que sentia nesse tempo de indignidade.

O quadro de que acompanha esta cartinha é a “Madona dei Palafrenieri”. Caravaggio o pintou, representando uma mãe, conduzindo o filho pelo mundo, socorrendo-o nos perigos, transformando os passos da criança em confiáveis caminhos.

Nesse “Dia das Mães Pandêmicas”, como alguém o cognominou, muitos seres humanos não entendiam a mensagem de Caravaggio e enveredavam por descaminhos de uma maternidade ambígua, forjada na sordidez das periferias e atrás de muros de condomínios. Uma onda maniqueísta estabelecia um falso dilema: restabelecer um sistema econômico, ou preservar a vida. Quem optasse pela economia, não respeitaria a vida humana; quem defendesse a vida humana provocaria fome, colocaria em perigo a sobrevivência da espécie. Errados julgamentos morais! Ignoravam que Economia é Vida. Não uma Economia predatória, mas uma economia de rosto humano. Ignoravam que, para conceber uma nova economia, necessária seria uma nova Educação.

Queridos netos, creio que a viagem que, ontem, fiz terá sido a última. No dia em que completo 89 invernos e me aproximo do reencontro com a Mãe Luiza, as dores que sinto talvez não me permitam voar de regresso à mátria brasileira. Ontem, as dores do corpo se juntaram às da alma. Passando pelo edifício da velha escola, onde este vosso avô fez os primeiros estudos, tristes memórias me assaltaram. Por ser filho de uma costureira e de um vassoureiro da “Ilha dos Tigres” – assim era conhecida a Rua da Vitória, onde não entrava polícia, nem ambulância – fui rude e vilmente tratado. Mas, aqueles que bateram e humilharam a criança, que eu era, permitiram que eu comparasse a violência da exclusão escolar com as amorosas lições de dignidade da Mãe Luiza.

Era uma dignidade da mesma natureza daquela que encontrei em professoras-mães que, sendo maltratadas, prejudicadas por um estatuto social depreciado, ainda assumiam, nas suas práticas, este princípio: A dignidade do ofício da educadora deriva da dignidade reconhecida na pessoa da criança, passa pela busca da coerência entre o fazer pedagógico e as necessidades dos filhos dos outros e das suas comunidades.

Por: José Pacheco