Asa Sul, Brasília, 26 de maio de 2040

Já aqui vos falei dos Românticos Conspiradores. Foram eles os impulsionadores de primeira “Conferência Nacional de Alternativas para Uma Nova Educação” – CONANE, realizada em Brasília, decorria o mês de novembro de 2013. Convirá recordar este fato, para mostrar que, paralelamente ao desvario da política oficial, os professores se movimentavam, refletiam, agiam em prol de uma nova e melhor educação:

Em 2013, sonhamos uma nova educação. Queríamos saber quem sonhava conosco uma educação assim e descobrimos 450 educadores trilhando o mesmo caminho.

Nesse encontro, foram apresentadas práticas com potencial inovador e o momento alto foi o lançamento do Terceiro Manifesto pela Educação. O Ministério da Educação fez-se representar na Conferência e o documento foi-lhe oficialmente entregue. Idênticas cerimônias ocorreram em dezenas de prefeituras e secretarias de educação. E, em 2015, no CEU Heliópolis, 650 educadores de todo Brasil e países da América Latina se juntaram. Sucederam-se encontros regionais e surgiu a ANE universitária.

Em sete anos, até à chegada da pandemia, três conferências foram realizadas. A CONANE era um território de diálogos. Construía pensamento crítico, alargava a compreensão da amorosidade freiriana, do bem como princípio, da generosidade como ação, da aprendizagem como objetivo maior, a mudança social.

Em meados de maio de 2020, o meu amigo César afirmava numa entrevista que a escola tradicionalista foi aniquilada com a pandemia. Que a sociedade já não era a mesma e isso implicava operar mudanças profundas na educação. A crise causada pelo coronavírus colocava em xeque a escola assistencialista e a escola meritocrática, pensada para treinar para o vestibular. E o César acrescentava: “A escola que deve nascer destas cinzas tem que ser crítica, sustentável, um lugar de formação humana plena”. A sua declaração assemelhava-se a um epitáfio. E quem se encarregou de fazer o “funeral da velha escola? É o que irei contar-vos nas próximas cartas. Nesta, ainda vos direi que a nova construção social de aprendizagem, que viria a refundar a educação, dava pelo nome de Comunidade de Aprendizagem.

Certamente, estareis recordados de vos ter falado de uma matriz axiológica. Pois, a partir desse documento, os núcleos de projeto elaboravam uma “Carta de Princípios” e “Acordos de Convivência”. Na sequência, procedia-se à análise de documentos organizadores do trabalho escolar. Seria preciso verificar se existia coerência entre a Lei de Bases e o projeto educativo, e se o regulamento interno era coerente com o projeto. Raramente, isso acontecia, pelo que se tornou necessário rever documentos.

A Carta de Princípios deveria ser completada com a definição do “perfil do aluno” (melhor dizendo: sujeito de aprendizagem) e do educador da equipe de projeto.

O levantamento de valores predominantes na comunidade de contexto e um inventário de necessidades da população completaria esta fase do processo formativo.

Em 2020, os Românticos Conspiradores já não eram 450, eram milhares. Os núcleos de projeto estimulavam a reflexão, promoviam harmonia, cooperação. Quando deparavam com conflitos de interesses ou abusos de poder, agiam no sentido do cumprimento dos projetos, propondo o diálogo. Nesse espírito, círculos de vizinhança se constituíam. Comunidades se organizavam em redes. Uma nova educação emergia das cinzas da velha escola.

Por: José Pacheco