Castelo de Vide, 27 de junho de 2040
Antigamente, não era raro ver premiar com o Nobel, não um cientista isolado, mas uma equipe. E, quando um cientista discursava na cerimônia, fazia-o, quase sempre, agradecendo à sua equipe, lembrando que era pela partilha do engenho humano que a inovação acontecia.
Também antigamente, era hábito premiar o dito “professor do ano”, de modo semelhante ao da entrega dos óscares de Hollywood. Decerto, os premiados seriam ótimos professores de sala de aula. Não duvidava da sua competência. Também não duvidava da amorosidade, que os “professores nota 10” colocavam no seu labor. Mas, a expressão “Professor do Ano” era reflexo de uma cultura profissional feita de solidão, de um exercício da profissão eivado de individualismo. E os rankings não passavam de instrumentos de comparar pessoas, como se fosse possível compará-las!
Sozinho, numa sala de aula, também eu me considerava o “melhor professor”, digno de premiação. Quando dei sumiço às aulas, passei a não competir, mas a cooperar, passei a trabalhar em equipe. Conheci muitos educadores, que não foram “professores do ano”, mas valiosos professores de todos os anos, de uma vida inteira dedicada às crianças. Deles recebi lições de humildade. Mal pagos, maltratados, com um estatuto social depreciado, operavam milagres no anonimato das equipes de projeto. O “prémio” que recebiam do poder público era o assédio moral e, não raramente, a pérfida destruição dos seus projetos.
Quem assistisse à cerimônia da entrega do prémio “professor do ano” escutaria o premiado dizer que “estudar é uma coisa para todos”, quando deveria dizer que a educação era um direito de todos. E reconhecer que, dando aula, negava o direito à educação a muitos alunos.
No seu discurso, um auleiro ganhador do prémio assim se expressou:
“Os alunos têm ciclos de atenção durante uma aula, que lhes permitem estar realmente empenhados”.
Esse premiado manifestava total ignorância no que tangia aos princípios gerais da aprendizagem e sem referir que esses “ciclos de atenção” eram escassos. Na cerimônia de premiação, havia lugar para esse e para outros ridículos pronunciamentos:
“Quando nós conseguimos respeitar o ritmo dos alunos e permitir que eles próprios controlem o ritmo da aula…”
Nunca alguém conseguiu explicar de que modo o premiado auleiro conseguia alcançar tal prodígio, no contexto da sala de aula. Mas cheguei a escutar de um candidato a “professor do ano” este lamento:
“Tenho lá um aluno que faz muitas perguntas e que está sempre a quebrar-me o ritmo da aula!”
Numa reportagem da premiação, o locutor também dava ares da sua graça:
“O Professor pede aos alunos para escreverem um resumo do que é dito na aula, a cada 15 minutos. E até premeia os melhores”.
Efetivamente, o professor “premiava”, à boa maneira pavloviana, ou skyneriana, como a administração recomendava, décadas atrás.
Um auleiro foi premiado, porque criou uma “sala calmante”, para “aliviar tensões” (sic). Professores recebiam prémios porque davam aula “menos chatas” (sic). Outros porque davam aulas de meditação, para que os alunos aceitassem as restantes fastidiosas aulas. E a horta da escola secara, porque o professor premiado fora embora e levara “o seu projeto” para outra escola…
Queridos netos, absurdos foram abolidos, não fazem sentido nos dias de hoje. Mas, embora vos possa parecer inverosímil, essas e outras ridículas “premiações” eram frequentes nos idos de 2020.
Por: José Pacheco
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