Odemira, 13 de julho de 2040

Nas primeiras décadas deste século, um relatório da Unesco mostrava que o percentual de reprovados no Brasil se assemelhava ao de nações muito pobres e era superior inclusive ao de outras bem menos desenvolvidas, como o Camboja, o Haiti ou o Ruanda. Estudos revelavam índices preocupantes, mas, os reais efeitos das práticas de ensinagem, para além de preocupantes, eram trágicos.

Ontem, o Mestre Anísio faria 140 anos. No lugar etéreo onde mora, deverá estar feliz, por ver concretizada a “escola pública”, que sonhou. Mas, nos idos de vinte, havia quem insistisse em matar a memória de Anísio, usando o pensamento do insigne mestre para legitimar práticas pedagógicas obscenas. Eram muitos os alunos reprovados, evadidos, abandonados. A maioria daqueles que conseguiam chegar à universidade, estava desprovida de bases para uma formação de nível superior. Competiria ao Estado proporcionar condições mínimas de qualidade na Educação. Porém, aquilo que o Estado continuava a oferecer aos jovens era uma educação burocratizada, arcaica, causa de doenças profissionais e de múltiplas ignorâncias.

Vários eram os tratados e declarações que referiam a educação como direito fundamental, essencial para o pleno exercício da cidadania: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração dos Direitos da Criança, o Protocolo Adicional ao Pacto de San José da Costa Rica, a Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela ONU. Todas essas Declarações foram ratificadas pelo Brasil, mas descuradas.

O direito à educação estava previsto nas constituições brasileiras, desde a época do Império. A Lei reconhecia o direito de qualquer cidadão, ou organização, de exigir do Estado esse direito, para que o Estado que não pecasse por omissão. Os direitos sociais são direitos fundamentais e, em razão disso, imediatamente aplicáveis e geradores de efeitos jurídicos. Perante a inércia do Poder na efetivação dos direitos sociais, questionava-se a possibilidade de exigir tais direitos perante o Poder Judiciário. Se o Estado não cumpria com seu dever jurídico, caberia aos interessados o manejo dos mecanismos de acesso à justiça (tais como o mandado de segurança, o mandado de injunção e a ação civil pública).

Os documentos orientadores de política educacional continham citações de pedagogos escolanovistas, como Anísio, que apontavam para a “aprendizagem centrada no aluno”, veiculavam princípios do paradigma da aprendizagem. Mas, o quadro normativo das secretarias contribuía para inviabilizar projetos fundados nesse paradigma. As secretarias alegavam não existir legislação que permitisse alternativas à ensinagem. Mentia! Havia a Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Plano Nacional de Educação e muito mais! E a imposição da escola da aula, sendo contrária à lei geral, talvez até configurasse crime de falsidade ideológica,

A regulamentação da lei dificultava a emergência de “alternativas”. Consciente de que deveria ser feita a adequação da regulamentação a novas realidades, um governador ordenou à administração que o fizesse. A administração não reconheceu que agia erradamente. E não cumpriu o que o governador ordenou que cumprisse.

Nesse longínquo 2020, o professor Clayton assim caracterizava a situação: “O Brasil é um país cheio de leis, mas parece que a única lei que se cumpre é a lei da gravidade”.

Por: José Pacheco