Barra de São Francisco, 25 de agosto de 2040

Nos idos de vinte, a universidade mantinha-se ancorada num modelo epistemológico de antanho e as escolas vegetavam na prática do instrucionismo. Acadêmicos interessavam-se por “novidades” e a academia desperdiçava recursos sob a forma de bolsas para doutoramentos no estrangeiro, na procura de finlândias, desconhecendo que havia muitas finlândias dentro do Brasil da educação.

Aprovadas as teses, eram vertidas em palestras de power point. Os sites de divulgação de “novidades” se enfeitavam com essas “reinvenções da roda” da educação. E, generosamente patrocinados por empresas, ofereciam às escolas esses paliativos do instrucionismo.

O rumo que a aplicação desses produtos do engenho humano tomou foi causa de enorme prejuízo, gerou preocupação entre aqueles que, sem patrocínios, operavam prodígios no chão da escola. Deixo-vos um exemplo, entre muitos, que, sob o rótulo “inovação”, contribuiu para comprometer mudanças e protelar verdadeiras inovações.

A produção acadêmica, que tomava por objeto a comunidade de aprendizagem, consagrava o princípio do diálogo igualitário. Esse princípio estabelecia que, nos espaços de tomadas de decisão, a comunicação deveria basear-se na força dos argumentos e não em posições de poder. Mas, seria possível conciliar o “diálogo igualitário” com a manutenção de uma gestão de escola hierárquica? Quando se assumia que, em comunidade de aprendizagem, se buscava trabalhar a gestão da escola em uma perspectiva democrática, participativa e dialógica, por que se instituía uma comissão gestora da escola e não se substituía órgãos de gestão unipessoais? A gestão escolar não poderia ser democrática, através da introdução de um órgão de gestão paralelo aos órgãos de gestão tradicionais, ignorando que os diretores estavam sujeitos ao dever de obediência hierárquica.

A “tertúlia dialógica” ou a “biblioteca tutorada” poderiam ser consideradas inovações? Não eram! Desde há muito tempo, idênticos dispositivos eram utilizados em escolas sem sala de aula. Não fazia sentido que a leitura de um livro, no contexto de uma “tertúlia literária dialógica” fosse remetida para o domínio da sala de aula. Nem se percebia por que razão a “biblioteca tutorada” era um espaço aberto em horário contrário ao da sala de aula. Por que não era utilizada durante as aulas?

Se ”a capacidade de aprender e de apreender de diversas maneiras se dá ao longo da vida”, por que razão se subordinava ao tempo da escola formal? Se existia a intenção de “transformar as relações entre as pessoas em outra lógica que não a da competitividade, mas a da cooperação”, por que se dizia haver “comunidade de aprendizagem” numa escola competitiva, seletiva, excludente?

Era muito reducionista a definição do conceito e a prática do chamado “grupo interativo”, usado como recurso para a revisão de conteúdo já trabalhado em sala de aula. A presença de diferentes pessoas em sala de aula ou fora dela era prática há muito tempo utilizada em escolas que prescindiram da “aceleração da aprendizagem”, de “classes de reforço” e de outros dispositivos de educação compensatória. Nestas escolas, os jovens aprendentes não eram distribuídos por grupos previamente estabelecidos pelo professor, mas em função de objetivos comuns. E as equipes assim constituídas eram acompanhadas por tutores, que asseguravam a mediação da aprendizagem.

Na Rede de Comunidades de Aprendizagem de há vinte anos, deparávamos com este e muitos outros obstáculos à inovação. Conseguimos ultrapassá-los.

 

 

Por: José Pacheco