Passo Fundo, 11 de novembro de 2040

Disse-vos que iria falar-vos de outro personagem sinistro? Pois o prometido é devido.

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases do Darcy e do Florestan tinha aberto caminhos de superação do caos educacional. Em 2020, o essencial da lei não fora cumprido. Artigos da lei, que permitiriam mudança, inovação, foram neutralizados por uma regulamentação concebida com referência ao paradigma da instrução, algo incompatível com necessidades sociais do século XXI. Servindo-se de regulamentos obsoletos, ministérios e secretarias de educação agiam como obstáculos à inovação. Ilegalmente, condicionavam e destruíam projetos enquadrados na… lei.

Em 2018, atento à necessidade de revisão normativa, um governador ordenou que a secretaria de educação atualizasse regulamentos, de modo a colocar a educação do seu estado no século XXI. Como era uso e costume no Brasil de então, impunemente, a secretaria não acatou a ordem do governador. Prevaleceu o autoritarismo de um denominado “alguém”.

Quem seria esse “alguém”? Um homem? Uma mulher? Um coletivo? Algum alienígena? O que se sabia é que se tratava de um personagem sinistro. À-vontade, se movia nos labirintos de secretarias e ministérios, causando estragos. Dar-vos-ei três exemplos.

Mães e professoras se uniram num projeto inovador. Falaram com a coordenadora de área. Entusiasmada, a coordenadora entrou no grupo de WhatsApp das professoras e foi consultar a secretaria. Logo se desentusiasmou, porque “alguém” da secretaria a proibiu de apoiar o projeto. Obediente aos “alguéns superiores”. Saiu do grupo de WhatsApp e se silenciou.

Um projeto de política pública da mesma secretaria de educação foi objeto da perfídia de outro “alguém”. Transcrevo excertos de uma ata:

Alguém” da secretaria retirou documentos do processo (…) disse que, ou fazemos do jeito que ele quer, ou não fazemos o projeto. Ameaçou-nos (…) disse que, se apresentarmos o nosso plano de trabalho, ele não o vai aprovar. Que temos uma de três opções: ou peitamos e não anda; ou retiramos o projeto; ou trocamos este projeto por outro (…) tentamos obter mais informações, mas nada mais disse. É um pântano!” (sic)

Algumas secretarias de há vinte anos eram verdadeiros pântanos de corrupção intectual e moral. Poderia preencher várias cartas com depoimentos, que isso atestam. Quedar-me-ei por este:

“Professor, criamos uma comunidade de aprendizagem, a partir das famílias que nos procuraram. As crianças fazem projetos, têm os seus portifólios, participam de assembleias etc. Os pais pediram a matrícula em modalidade de ensino doméstico. Mas, parece ainda existir o fantasma da ditadura. Sem argumentos válidos, “alguém” decidiu indeferir os pedidos. De forma irresponsável, sem qualquer preocupação real com as crianças”.

Estatuto é o que define o lugar que “alguém” ocupa numa estrutura social. Nas escolas do início do século, era bem evidente a diferença de estatutos. Não tanto de professor e de aluno (não seriam raras as vezes em que até se confundiram), mas entre professores, profissionais do mesmo ofício. Os “alguéns” da administração escolar exerciam seus podres poderes, geriam o sistema como quem geria uma padaria. Com a agravante de agirem ilegalmente e não saberem mais de leis do que o… “padeiro”.

Os educadores não cederam perante o assédio moral. Exigiram que os “alguéns” respondessem por escrito. A cobardia dos “alguéns” os fez recuar e erguer um muro de silêncio. A partir de então, um sistema de ensino doente começou a dar lugar a um benigno sistema de aprendizagem.

 

Por: José Pacheco