Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDLXVIII)

Tamanduá, 13 de março de 2041

Perguntais-me se tudo aconteceu do modo como o descrevi nas últimas cartinhas. Dir-vos-ei que foi como o descrito… e muito pior. A história da Ponte e de muitos outros projetos de mudança e inovação foi feita de resiliência e sofrimento, de escassas alegrias e transformações.

Por volta do ano 2000, o pior que poderia acontecer à jovem equipa da Escola da Ponte seria ter de aturar um velho professor, que por lá andava há trinta anos. Abalei para longes paragens. Separado da Ponte pelas águas de um grande mar, desimplicado do quotidiano da escola, eu era espectador atento da crise de transição por que passava. Mais uma vez, fui ao fundo do baú, em busca de antiguidades. Encontrei anotações sobre estágios de professores, psicólogos, sociólogos. Numa carta dirigida aos professores da Ponte, uma socióloga escreveu:

“Nunca consegui entender algo que, ainda agora, quando penso nela, me intriga. Nas reuniões em que participei, os professores diziam, cara a cara, tudo o que pensavam dos seus pares, de modo enérgico, por vezes, mesmo rude. E, quando me parecia que a reunião iria terminar numa zanga e confusão total, os professores davam a reunião por finda e iam tomar chá, comer bolachas e contar anedotas.” 

Essa jovem socióloga talvez não tivesse compreendido algo essencial. Partilhar um bolinho e dois dedos de conversa com os mesmos parceiros que, minutos atrás, nos tinham criticado, era sinal de autenticidade, de “clareza”. Ainda que se reconheça que nem tudo foi transparência, ainda que (em algumas situações) tivéssemos afivelado a máscara, fomos capazes da transcendência de que cada um foi capaz. Talvez a maior ruptura com o modelo tradicional concretizada na Ponte tivesse sido acabar com a solidão do professor. Nessa escola, ninguém estava sozinho.

A Ponte foi mais uma, entre muitas escolas, que, durante o último século, ousaram defrontar o pensamento único e toda a espécie de fundamentalismos. Opôs-se à burocracia dos ministérios, travou uma luta titânica contra a mediocridade dos políticos, defendeu-se de professores sem escrúpulos.

Sabemos que, se o maior aliado do professor é outro professor, o maior inimigo do professor que ousa ser diferente é, também, outro professor. Porque assim é, a Ponte foi alvo de calúnias e agressões provindas de professores de outras escolas. E, porque a reelaboração da cultura pessoal e profissional é um processo lento, também foi necessário defrontar a erosão interna.

Queridos netos, quando visitou a escola, o professor Lemos Pires disse-me que a Ponte só acabaria, se os seus professores acabassem com ela, por dentro. Os “invasores” de que vos falei em cartinhas recentes causaram danos, por vezes, irreversíveis.

A Ponte procurou caminhos para os descaminhos da educação, buscou concretizar “Escola Pública”. Aquela que – quer seja de iniciativa estatal, quer de iniciativa particular – a todos os alunos conferiria garantia de acesso e a todos daria condições de sucesso.

É fácil conceber, começar projetos. Difícil é mantê-los, sem que se degradem. Um projeto humano é um ato coletivo, feito de pessoas em contínua aprendizagem. E é da humana natureza complicar o que é simples. Subitamente, sem explicação, os “invasores” ligavam os seus “complicadores” e tudo se complicava.

Tal como no Mito de Sísifo, a continuidade de um projeto dependerá da capacidade de cada um e todos os participantes serem resilientes e de ousarem recomeçar. Numa efetiva cooperação, na recíproca aceitação das diferenças – omnia in unum – e sem deixar de interrogar evidências.

 

Por: José Pacheco

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