Araçá, 15 de março de 2041

Visitei uma escola, que diziam ser “inclusiva”. Constava que, numa “turma de terceiro ano”, havia um aluno “incluído”. Encontrei-o ao lado de uma “professora de apoio”, copiando frases escritas no quadro, tão lentamente que, no fim da cópia, a folha foi para o lixo – estava empastada em saliva, que escorria da boca sem que ela conseguisse contê-la. No fundo da sala, o “incluído” tornou-se invisível, condenada à mais cruel forma de exclusão. A professora explicou por que razão a “incluída” ali estava:

“Que quer que eu faça, Professor Pacheco? Ela continua com o livro do primeiro ano. Com mais de vinte alunos já é difícil ensinar os normais. Agora, põem-me um deficiente na sala. Eu nunca tive formação para isto. Não dá! A colega do especial que vá fazendo o que pode!”

À impotência e frustração de professores juntava-se o desespero dos pais. Na hora de matricular era aquele abraço:

 “Nós vamos dar conta da sua filha, pode ficar descansado”. Depois, a minha filha passava o tempo todo passeando pela escola, ou no fundo da sala. Ela tem treze anos, mas não sabe fazer a tarefa que a professora manda fazer em casa. Ela está no terceiro ano, mas tem o livro do primeiro ano e passa as aulas a fazer cobrinhas. A professora é muito simpática, mas… Quando a professora me disse que não sabia trabalhar com a minha filha, eu disse à professora que trabalhasse como trabalhava com todos os outros. Mas a professora disse-me que a Belita não se sabe explicar…”

No decurso de um congresso, alguém afirmou:

“A organização em turmas e anos não combina com Inclusão.”

Esse palestrante viu, claramente visto, o logro de uma “inclusão de fachada”. Mas havia quem não quisesse ver. Todas as escolas tinham incorporado a “inclusão” no discurso. Na prática, eram escolas inclusivas não-praticantes. A “olhómetro”, uma professora arriscou a sentença:

“A sua filha deve ser disléxica. Leve–a ao psicólogo.”

Após muito dinheiro gasto no psicólogo, a mãe da Rita entregou um relatório à professora. O psicólogo recomendava que se ajudasse a aluna a elevar a sua autoestima. Na prova seguinte, a vermelho, a Rita recebeu a primeira “ajuda”:

“Tens de estudar mais. Assim, nunca vais conseguir passar de ano.”

A mãe insurgiu-se, protestou. No ano seguinte, a Rita foi transferida para outra escola, porque… “naquela escola não havia vaga para deficientes”.

O discurso que apelava à integração dos diferentes nas escolas ditas regulares não bastava. Não era condição suficiente assegurar o direito à inclusão; era preciso assegurar a inclusão. Eu sei que sempre disse o mesmo, mas nunca desisti de dizer. Mais de trinta anos de prática numa escola diferente, fizeram com que eu visse a realidade dos diferentes com diferentes olhares. Escrevia, porque nunca foi demais voltar ao assunto, para lembrar que, apesar da teoria e contra ela, a realidade nos dizia que, desde há séculos, tudo estava escrito e tudo continuava por concretizar.

Nunca seria demais lembrar que os projetos humanos careciam de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica clara, baseada no saber cuidar, no conviver com a diversidade. A chamada Educação Inclusiva não surgira por acaso, nem era missão exclusiva da Escola. Era um produto histórico de uma determinada época e de realidades educacionais contemporâneas, que requeriam que abandonássemos muitos dos nossos estereótipos e preconceitos.

Em 2021, urgia que se transformasse a escola de iniciativa estatal ou particular em escola pública, uma escola que a todos acolhesse e a cada qual desse reais oportunidades de ser e de aprender.

 

Por: José Pacheco