Tavira, 5 de maio de 2041

Decorria o dia 13 de fevereiro de 2020. Como era hábito, no final da tarde, reuniria com sete educadoras, autoras de um belo projeto de turma-piloto de comunidade de aprendizagem.

Na manhã desse dia e no início da tarde, muitas mensagens recebi. Os meus três endereços de e-mail e o WhatsApp estavam repletos de pedidos de ajuda. Eram professores amigos, que se mostravam preocupados e até mesmo angustiados. O prédio da escola estava fechado. E, na busca dos seus alunos, apenas conseguiam alcançar meia dúzia. Refletiam consciência de que os restantes corriam risco de ficar em situação de abandono intelectual.

Solidário, os convidei para o encontro Zoom das cinco da tarde. Na hora exata, havia mais de uma centena de professores, câmera fechada, escutando o meu diálogo com as tutoras de trinta e oito alunos.

Corrigindo: já não eram alunos, mas sujeitos de aprendizagem. Eram pessoas protagonistas de processos educativos. Durante três anos, eu ajudara quatro tutoras e três voluntárias a desenvolver autoria naqueles jovens. Com as suas tutoras, elaboravam projetos de vida, a partir de necessidades, desejos, sonhos, talentos. Dado que cada ser humano é único e irrepetível, não havia um projeto de vida igual a outro projeto de vida. Mas, quando se tratava de abordar problemas da comunidade, o trabalho de equipe tomava o lugar da lida individual.

As tutoras não planejavam, nem “davam aula”. Ensinavam os jovens a planejar-se, a saber gerir recursos, tempos, espaços, a saber planejar as suas vidas. Não preparavam projetos para os alunos; construíam projetos com os seus aprendizes, a partir de explicitadas e esclarecidas necessidades.

Os roteiros de estudo continham questões, endereços de bibliotecas, sites, locus de consulta, que os jovens habilmente acessavam, porque tinham aprendido a pesquisar. Selecionavam informação pertinente. Analisavam e criticavam a informação recolhida. Comparavam diferentes informações, sintetizavam e avaliavam a informação. Transitavam da informação para o conhecimento com mediação das suas tutoras, e do saber para a ação, no desenvolvimento de competências.

O currículo produzido (e não “consumido”) era transformado em comunicações. As evidências de aprendizagem obtidas eram socializadas e incluídas nos portfólios.

O currículo de comunidade e o de consciência planetária era desenvolvido de modo idêntico. Mas, havia começado o confinamento, a obrigatoriedade de distanciamento social. Perguntei às tutoras como pensavam continuar o projeto.

Responderam que, até àquele momento, tinham conseguido chegar a vinte e seis dos seus trinta e oito aprendizes. Pediram que voltássemos à Internet cerca das dezenove horas. Entretanto, iriam tentar o contato com os doze “faltosos”.

Concordei. Seguiu-se um período de esclarecimento dedicado aos “espectadores” do encontro. Ligadas as câmeras, era evidente o espanto no rosto dos professores, que haviam assistido à conversa.

Duas horas depois, voltamos a encontrar-nos. Todos os jovens tinham sido contatados. Inquiri sobre o modo como conseguiram encontrá-los. Referirei apenas três exemplos de “busca e achamento”.

Sei que ficastes com vontade de saber como todos os jovens foram “encontrados”. Em verdade, eles nunca se viram perdidos, mas incluídos em “círculos de aprendizagem de vizinhança”. A solidariedade, a autonomia e a responsabilidade social, valores centrais das comunidades de aprendizagem, tinham-se entranhado nos comportamentos daqueles jovens.

Amanhã, vos direi o que aconteceu.

 

Por: José Pacheco