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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDXIII)

Atalaia, 17 de janeiro de 2041

No janeiro de há vinte anos, países europeus adiavam o “regresso às aulas”, depois de estudos apontarem para um maior papel das crianças e adolescentes na transmissão do vírus. Na Espanha, muitas regiões mantinham as escolas sem aulas, devido às altas taxas de incidência do coronavírus e por causa do frio. Na Alemanha, as escolas continuavam fechadas desde que fora decretado o segundo confinamento. A Itália optou por manter as escolas fechadas e as aulas em regime virtual. Na Áustria, o ministro da educação dizia não ser possível dizer quando recomeçaria o ensino presencial.

Em Portugal, a Igreja Católica apenas mantinha o serviço de missa e funeral, suspendendo por completo casamentos e batizados. No Brasil, o Conass, que reunia os responsáveis pela saúde nos estados, pedia ao ministro da educação que a prova do ENEM fosse adiada:

“Apesar de os jovens terem menor risco de desenvolver formas graves, o aumento da circulação do vírus nesta população pode ocasionar um aumento da transmissão nos grupos mais vulneráveis”, 

A medicina e a prudência recomendavam o isolamento social como uma das medidas mais eficazes para impedir a propagação da doença. Secretários estaduais de Saúde imploravam que não houvesse grandes aglomerações. Mas, o ministério lançaria mais de seis milhões de alunos num inútil e perigoso Enem. Inútil, porque essa prova era mero instrumento de darwinismo social. Perigoso, por não estarem garantidas condições de não propagação do vírus. O meu amigo André manifestava a sua revolta:

“Com o aval das universidades, os necroinstrutores abandonaram o discurso em defesa da ciência, para assistir ao infausto acontecimento, como faria um avestruz. Tudo por causa do mercado chamado vestibular e dos sucedâneos cursinhos”.

Betinho avisara:

“A sociedade que não cuida de seus jovens já iniciou o seu suicídio enquanto sociedade”.

Nos hospitais de Manaus, morria-se sufocado por falta de oxigênio. E a primeira reação de bom senso e proteção da juventude veio de lá. O Governo do Estado decidiu não liberar escolas para aplicação do Enem. A Justiça Federal mandou suspender a realização do exame, até ao fim do estado de calamidade pública, mas cabia recurso da decisão. Uma ação civil pública pedia que as provas do Enem fossem aplicadas no estado só quando houvesse estrutura adequada para atendimento de casos de covid-19:

“Além de representar maior circulação do vírus pela cidade, a exposição dos estudantes ao risco de infecção e a insistência na aplicação das provas em janeiro são medidas ilícitas, pois colocam os estudantes e suas famílias em risco aumentado e contribuem para a sobrecarga e o colapso do já insuficiente sistema de saúde local”.

Preocupados com as previstas aglomerações, candidatos planejavam usar até duas máscaras. Para a Priscila, jovem inscrita nesse exame, o cenário era preocupante:

“Sou asmática e meu pai é diabético. Estou inclinada a desistir porque minha vida e a dos meus familiares vale mais do que uma prova. Mesmo olhando os protocolos, acho um risco fazer a prova”.

A suspensão do Enem seria um gesto de bom senso, mas o bom senso era um bem escasso – vivíamos num tempo de criminosa insensatez. O impacto da crise mundial na vida dos jovens fora intensa. A perda completa da socialização com amigos e professores impelia-os ao reencontro. A miragem do acesso à Universidade prevalecia sobre o receio de contágio. E a tragédia se consumou.

Por capricho ou ironia do destino, na semana que antecedeu o exame, o Diretor do Inep, órgão responsável pelo Enem morreu… de covid-19.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDXII)

Campina Grande, 16 de janeiro de 2041

No janeiro de há vinte anos, um prefeito eleito morria vítima da pandemia, após quase três meses internado num hospital, em luta contra as sequelas da covid-19. Um autêntico holocausto se prolongava, para além das duzentas mil vítimas.

Para me abstrair da tragédia em curso, valia-me de sensíveis mensagens, como a que recebi da Luna:

“Tomei a coragem, que encontrei depois de nossa conversa e busquei os caminhos que me indicaste. Meus filhos ainda não compreendem, mas guardarei isso para que, quando maiores, saibam das intenções desta mãe. 

Finjo que estou em 2040. Em 2020, te ouvia sempre clamar, com muita emoção, que os professores se respeitassem e fossem éticos consigo e com os alunos que amavam. Não, eu não sou professora e por isso não pude seguir os seus conselhos, mas, ouvi-los, tão intensamente, levou-me a procurar onde estavam aqueles professores que optaram por segui-los. Naquele 2020, quando fomos obrigados a ressignificar tanto, resolvi ressignificar o modo como queria que meus filhos aprendessem. Me encorajei a buscar uma educação que rompia com os moldes defasados do século retrasado.

Você morava aqui, no DF, e eu também. Então pensei que, se estava tão perto de mim quem pregava uma mudança, estava perto, também, a própria mudança.

Naquele julho tão cheio de incertezas sobre nossos modelos de escola e sobre os métodos que obrigavam meus filhos a se encaixarem, resolvi falar com você.

Precisava que me dissesse por onde eu poderia começar. Precisava que me dissesse se uma mãe poderia ir contra todo um sistema imposto e a favor de todo um grupo que lutava contra as mudanças. Precisava que me dissesse, onde, aqui na nossa cidade, eu poderia encaixar os meus filhos que, até então, estavam sufocados dentro de uma sala de aula. Os conselhos que me deste à época e a coragem que invadiu esta mãe, mudaram todo o resto.

Aquela escola e aqueles professores me ajudaram a elaborar um novo caminho, por onde meus filhos andaram livremente enquanto aprendiam. Estou sentada na mesa de jantar da minha casa olhando para as minhas crianças, hoje com 27 e 25 anos. Que belo caminho eles puderam percorrer! 

Sorte deles que, ainda crianças, viram o mundo resolver questionar os moldes de uma educação amarrada em outro século.  Sorte dos meus netos que um dia virão e que já poderão desfrutar da aprendizagem nos moldes do século em que vivemos. Sorte a minha que tive a coragem de romper e que, com a ajuda de gente como você e tantos outros dispostos a ressignificar o modelo que ainda tínhamos naquele 2020, pude ver, crescer junto com meus filhos, o projeto de um novo ensinar!

Tenho aqui em casa dois adultos, com alma de criança, porque não desaprenderam de perguntar. Tenho aqui em casa dois adultos que saudosamente falam sobre os tempos de escola! Tenho aqui em casa duas crianças que tiveram a coragem de dizer o que queriam aprender e a oportunidade de fazê-lo. Tenho aqui em casa dois adultos realizados profissionalmente porque, aprender aquilo que fazia sentido para eles, os empolgaram a ir bem longe. Tenho aqui em casa duas crianças que adulteceram e não se adulteraram! 

Graças a tantos professores que resolveram respeitar o que faziam. Graças a eles que resolveram encarar a educação de forma ética e com amor pelas crianças que tinham nas mãos. Graças a tantos idealizadores que vieram antes de 2020 e graças a tantos outros que em 2020 lutaram e graças a tantos mais que continuaram a luta até aqui. Graças à criança que havia (e que há) em mim e que precisava ver não morrer a criança que havia (e que há) dentro dos meus filhos”.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDXI)

Jabitacá, 15 de janeiro de 2041

Quando, nos idos de oitenta, subiu o preço das refeições na cantina da universidade, os estudantes puseram cadeados na porta e saíram à rua, em protesto. O reitor aproveitou a situação para alegar dificuldades de ordem financeira:

“Não sei se, amanhã, teremos sequer dinheiro para comprar papel higiénico”.

Nesse tempo, não havia computadores. Enviei uma carta ao reitor. Transcrevo um excerto:

“Senhor Reitor, a nossa escola é de Ensino Fundamental, não tem cantina. Só a universidade tem. O ministério parte do princípio de que as nossas crianças não têm estômago. Mas, mesmo sem cantina, ajudaremos o Senhor Reitor, seremos solidários com quem as tem. 

Fique tranquilo. Não precisará de se preocupar com a compra de papel higiénico. Achamos uma solução. Habituaremos as crianças a não comer. De modo que, quando chegarem à universidade, não precisarão de defecar”.

No Portugal dos idos de setenta – à semelhança do Brasil do início deste século – o Ensino Fundamental era o segmento mais prejudicado pela falta de autonomia. Era como um “filho de um Deus menor”.

Fui professor ainda no tempo de uma ditadura, que havia deixado o país numa situação calamitosa. Na década de sessenta, escutava crianças, dizendo:

“Gostei tanto de ir hoje à escola, minha mãe! A senhora professora estava muito contente, porque inaugurou uma cantina, onde os meninos pobres podem almoçar de graça. As mesas muito asseadas, os pratos branquinhos, jarras floridas e tudo tão alegre! A sopa cheirava que era um regalo. Todos estávamos satisfeitos ao ver os pobrezinhos matar a fome”. 

Perguntei à professora quem tinha feito tanto bem à escola e ela respondeu-me:

“Foi o Senhor Salazar. Ela gosta muito das crianças”.

O Estado gostava muito das crianças. E que dizer do novíssimo Estado saído das promessas da “Revolução dos Cravos”?

Um decreto de 1952 determinou que o Estado estimularia “a iniciativa privada, na fundação e manutenção de cantinas”. Um decreto de 1984 transferiu para os municípios competências em matéria de ação social escolar, nomeadamente a gestão de refeitórios. Consequência: as raras cantinas existentes foram extintas e os seus bens, legados e doações passaram a património dos municípios.

Uma gestão caduca retirava às escolas até a capacidade de gerir cantinas. Uma gestão ainda com resquícios de herança da ditadura engendrou mais um anátema de menoridade, que as escolas, mais uma vez, acataram “a bem da nação” (não me constou que alguma tivesse reagido).

“jogo do empurra”, que se instalou desde então, teve como consequência que fosse o estômago das crianças a pagar mais um produto da original gestão do Ensino Fundamental. Em 2041, talvez não possais imaginar que situações desse tipo pudessem ter ocorrido. Mas crede que outros absurdos vos poderia contar.

Para se entender por que, nos idos de vinte, a autonomia estava ausente da cultura profissional dos professores, será preciso desocultar um passado feito de indignidades, ir às raízes do autoritarismo e da subserviência. Basta lembrar que, até meados do século passado, as professoras eram obrigadas a pedir ao Estado autorização para casar.

Os povos latinos têm características bem particulares. Duas delas: a resignação e o relativismo moral. Uma resignação, que, como disse o Júdice, não é indolência, nem desinteresse. É “uma espécie de cansaço cósmico, de desilusão acumulada, de impotência reconhecida”. E o relativismo moral não é falta de valores, nem desonestidade. Exprime uma tolerância indiferente, baseada no pressuposto de que “sempre foi assim”.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDX)

Serra Branca, 14 de janeiro de 2041

Em meados de janeiro de 2021, no dia em que Portugal registava novos máximos diários de mortalidade, o diretor de serviço de medicina intensiva de um hospital apelava ao encerramento das escolas. Dizia ser “uma medida “contra” a sua “convicção natural”, mas “essencial” num momento preocupante:

“Advogo o encerramento das escolas na totalidade. Isto é algo completamente contra o meu coração. Defendo isso porque estamos numa situação hiper grave (…) temos agora a nova variante do vírus que parece ter maior transmissibilidade entre os mais novos do que a variante mais comum. Já se perderam alguns dias preciosos”.

O clínico mostrava-se crítico da ideia de que o confinamento destruía a economia:

“É o mau desconfinamento que leva ao ‘lockdown”. Não existem razões socioeconómicas para não aderir ao confinamento”.

Defensor de uma boa comunicação e de mensagens não contraditórias, esse médico instou os líderes a sensibilizarem os cidadãos com esta mensagem:

“A resposta à pandemia é a montante, ou seja, no comportamento. Espero que a sociedade perceba que tem de confinar”.

Entretanto, o ministro da educação, deixava bem claro que as escolas deveriam ficar abertas, alegando que o seu encerramento iria prejudicar “irremediável e precipitadamente” o percurso de aprendizagem dos alunos mais frágeis.

Um ministro ignorante das coisas da medicina contrariava as autoridades de Saúde. E até mesmo da Educação, porque, quer os alunos “mais frágeis”, quer os “mais fortes” e os “mais ou menos fortes e fracos”, seriam efetivamente prejudicados pelo regresso às aulas. Na escola da ensinagem, todos saiam prejudicados, do “mais fraco” (no dizer do ministro) ao “mais forte”.

“O custo do encerramento das escolas é bem superior ao risco” – afirmava o equivocado ministro.

O país estava a passar por uma onda de frio. Temperaturas negativas marcaram o janeiro de há vinte anos, tempo propício à propagação do vírus. Para além dos malefícios da ensinagem, a reabertura das escolas era causa de outros malefícios. E muitas mães se insurgiram contra o devaneio ministerial. De uma delas recebi esta mensagem:

“As crianças estão a passar muito frio nas salas de aula. Com o frio, nem conseguem pensar. Ontem, tive de ir comprar um casaco ainda mais quente para o meu filho. Quando o fui buscar, era já noite e estavam cinco graus na rua. O meu filho tinha os dedos dormentes do frio, não os conseguia mexer. Como pode uma criança aprender nesse estado? O conforto é um dos estados fundamentais para que o corpo a mente e o espírito estejam ativos. 

Quando não deixam que fechem as portas e as janelas das salas, as crianças podem não ficar infetadas com covid, mas muitas vão ficar constipadas nestas condições de gelo. Como é que este governo não consegue entender?”

No Brasil, a gestão da crise era caótica. Políticos trocavam acusações. Uns diziam que autoridades locais deixaram acabar o oxigênio e que pessoas morreram asfixiadas, em decorrência desse fato. Outros desistiram de aconselhar vermífugo antes considerado eficaz contra o vírus. Ninguém se entendia. E a manipulação política da crise fazia com que o número de vítimas da covid-19 aumentasse assustadoramente.

Em janeiro, estávamos colhendo os efeitos das grandes aglomerações do Natal e do Ano Novo. Num país à deriva, o desgoverno e a inconsciência de grande parte da população produziram uma tragédia de que, somente hoje, à distância de vinte anos, somos capazes de avaliar. E foi mesmo uma tragédia. Uma tragédia evitável… se fosse outra a educação, se outra fosse a escola.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDIX)

Sertânia, 13 de janeiro de 2041

Quem, na década de oitenta ou noventa, visitasse a Escola da Ponte não imaginaria como ela teria sido em meados da década de 70.

Tínhamos saído de uma ditadura de quarenta e oito anos, que deixara o país na miséria. Não me surpreendi com o cenário em que iria “dar aula”. O decrépito edifício do século XIX tinha sido reinaugurado em 1919, conforme atestava a lápide afixada na parede de estuque esburacado, de onde despontavam as ervas todo o ano e formigas de asas pela Primavera. O caruncho apostava em acabar com o que restava das velhas carteiras. O soalho, também de madeira, era como um campo de golfe, mas com mais buracos.

No anexo, ainda pairava o odor ao queijo da assistencialista Caritas. A meio da manhã, eu colocava finas fatias desse queijo sobre pedaços de pão de centeio e milho, aquecia o “leite escolar” e amaciava a fome das crianças. Acordava uma, que costumava dormitar, cabeça pousada sobre o tampo de uma mesa. Viria a falecer muito jovem. Já não lhe pudemos valer.

Não havia banheiro digno desse nome. Somente um buraco sujo, de onde saiam enormes ratazanas, e, para higiene dos utentes, pedaços de papel de jornal pendurados num arame.

Na “quarta classe” de 76, a velha escola albergava uma variedade de origens sociais, reconhecida pelos odores. O Simão exalava uma suave fragrância de água de colónia. O Jorge, vestígios de um perfume barato. Nas manhãs frias, o Arnaldo tresandava a cachaça. A maioria, criada na rua, trazia entranhado nas pobres vestes um intenso cheiro a terra e suor, que se confundia com o da decomposição dos cadáveres das ratazanas e de outros bichos, que coabitavam o desvão do telhado. Mas a aparência rude só escondia a doçura das almas.

Era tão precária a situação, que não demorei a cumprir o preceito do Comenius: levei a escola para debaixo da árvore. Já nesse tempo, eu não “dava aula”. Com as crianças, ensaiava pequenos projetos. O primeiro resultou de uma queixa: o rio estava poluído. Nele as crianças não poderiam banhar-se, nas tórridas tardes de Estio.

Não tardou que descobrissem a origem do problema: havia fábricas que lançavam no rio esgoto, nafta e outros poluentes. Tanto bastou para que a denúncia chegasse aos ouvidos dos prevaricadores. E os “senhores da terra” reagiram.

Nesse tempo, só se comunicava por telefone fixo. E o meu passou a ser veículo de terrorismo verbal. A qualquer hora do dia, recebíamos chamadas com xingamentos e ameaças. Até que, mais ou menos por abril de 76, jagunços a soldo de “alguém” destruíram a horta, que as crianças cultivavam com extremo desvelo, derrubaram o “Hospital dos Animais”, onde as crianças acolhiam e tratavam todo tipo de animal abandonado, caído do ninho, ou ferido, mataram os animais. E, com o sangue das inocentes vítimas, escreveram na parede da escola: “MORTE AO PROFESSOR”.

O vosso pai nasceu no mesmo mês em que eu cheguei à Ponte. Seis anos depois, já transformada, o André nela ingressou. O prédio ainda era o mesmo, mas era da… comunidade. A prática já era outra, inovadora. A televisão e os jornais transmitiam reportagens, mostrando crianças desenvolvendo projetos e uma comunidade gerindo os destinos da sua escola.

Entretanto, o vosso avô foi eleito prefeito da cidade. E um novo capítulo da história da Ponte começou. Se, localmente, a democracia fora instaurada, um ministério autoritário não conseguia suportar que, dentro do sistema público de ensino, uma escolinha tivesse trocado a ensinagem pela aprendizagem e empreendesse caminhos, que levariam à celebração e um “contrato de autonomia”.

Foi árdua a caminhada. Vos contarei.

 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDVIII)

Muzambinho, 12 de janeiro de 2041

Num WhatsApp, a minha amiga Teca manifestava preocupação:

“Meu amigo, te percebo cansado. Talvez esse excesso de vontades depare com poucas ações. Existe muito medo com o novo e comodismo com o velho. Sem se perceber que o novo é velho, já faz muito tempo. 

Sinto que sua luta é diária, mas percebo que apesar do seu cansaço, as mudanças vêm ocorrendo. Talvez não com a força que querias, mas com parcimônia e sabedoria. Obrigada, pelo muito do que sei hoje e por poder proporcionar uma educação de boa qualidade para as nossas crianças. Obrigada, por me ensinar a ter coragem. Suas palavras ecoam fortes em meu coração. Pode ter certeza, não desistirei!” 

Nos idos de vinte, a Internet trazia-me lenitivas palavras. E, com as palavras, a certeza de que muitas sementes lançadas já floresciam. Porém, eu não poderia tolerar “pedagógicos comodismos”. “Tolerância não significa aceitar o que se tolera”, como Gandhi nos dizia.

O termo tem origem na palavra “tolerare”, que significa “suportar pacientemente”. Mas poder-se-á aceitar que a paciência suporte a indiferença? Poder-se-á tolerar que todas as atitudes sejam consideradas legítimas? Poderemos incorrer num relativismo “tolerante”, onde a verdade e a mentira se equivalem?

Que diferença haverá entre tolerar a passividade de um educador perante atos inaceitáveis e aceitar que se deva colocar limites a um colapso ético? A tolerância confundida com a permissividade não permitirá que os tolerados imponham as suas regras (ou caprichos), negando a assimetria entre direitos e deveres?

Popper sintetizou essa tensão numa frase:

“Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes, se não corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância.”

E José Saramago o confirmava:

“Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro”.

Li (já não sei onde) que a ética se assemelha a uma reta: a menor distância entre os pontos A e B, onde A é o Ideal e B, a Ação. Deveríamos tolerar a incoerência entre o pensar e o fazer, ou fincar barreiras perante procedimentos moralmente contraditórios?

Netos queridos, vos garanto que sempre tentei dialogar com os “vendilhões do templo” da educação. Mas, de que valia participar num diálogo de surdos?

Nos idos de vinte, era comum o uso da expressão “educação democrática”. Correndo risco de suscitar polêmica, eu arriscava perguntar:

“As decisões tomadas pelos educadores de uma escola deverão ser tomadas por maioria? Aceitando, tolerando, ou por consenso?” As minorias a quem fossem impostas “decisões democráticas” as respeitariam, aceitariam tais decisões, cumpririam aquilo que fora decidido pela “maioria”? As decisões deveriam ser pautadas na tolerância, ou na aceitação?

Nesse tempo, os brasileiros pareciam tender à tolerância. Talvez por ser mais cômodo ir ao aeroporto, xingar o time que perdeu uma partida de futebol, do que manifestar na rua a não-aceitação do enriquecimento ilícito, da corrupção, dos crimes contra o erário público.

Era mais fácil não-intervir, quando energúmenos jogavam latas vazias pela janela do carro, ou quando uma justiça obtusa permitia que um político corrupto beneficiasse de impunidade.

O péssimo exemplo de significativa parte da classe política influenciava o caráter do povo, poluía as mentes com valores negativos. O povo brasileiro sofria de tolerância face a atos imorais de indigentes morais.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDVII)

Nepomuceno, 11 de janeiro de 2041

Vinte anos atrás, a Amanda e a Cláudia reagiram negativamente ao conteúdo de uma cartinha. Eu as compreendia. A minha vontade era a de contar o que de belo acontecia, só falar de freirianas “belezuras”. Mas, não deveria omitir notícias das “feiuras”, que também caracterizaram esse tempo.

A Magda enviava-me palavras de incontida revolta face à fealdade:

“Querido amigo, os teóricos debatem, os abutres abatem e nós vamos andando, com a cabeça entre as orelhas, tentando que a humanidade de cada um de nós não feneça. Como compreendo a tua raiva!”

As palavras da Magda fizeram-me lembrar palavras de Agostinho da Silva:

“Sou doutorado em raiva e licenciado em liberdade”.

E o Mestre Agostinho acrescentava

“Eu creio mesmo que o homem possui as qualidades dos seus defeitos… É possível que destes resultem aquelas, por contraste ou evolução criadora”.

A “raiva” do esperançoso Agostinho era expressa em sentido figurado, em reação ao encerramento de uma faculdade. Mas, poderiam ser aplicadas ao contexto educacional, que se vivia no início da década de vinte.

As escolas particulares sentiram fortemente os efeitos da pandemia de covid-19. Muitas escolas fecharam, abriram falência. Atentas à crise instalada, muitos “abutres” de um sistema de ensino putrefato, se lançaram em atos de economicista rapina.

No início da crise, os donos de empresas do ramo educacional tinham-me convidado para lhes explicar o “Método da Ponte”. Expliquei que a Escola da Ponte não era um “método”, mas o assédio se manteve.

Acedi a um convite zoom (recordais-vos dessa rudimentar plataforma?) e a conversa descambou para diabólicas tentações. Ofereciam-me uma “grana preta” em troca da “entrega do Método da Ponte”. Propunham que, com eles, eu praticasse “franchising”, que lhes concedesse o direito de uso do “Método da Ponte” (por mais que lhes explicasse que não era método, eles insistiam…), para que eles pudessem replicá-lo, explorá-lo, vendê-lo no supermercado da educação, que se tinha instalado na Internet.

É evidente que não cedi, mas alguém se deixou comprar. Mais tarde, vi muitos dispositivos criados na Ponte serem comercializados e darem lucro chorudo a empresas da ensinagem.

A rede pública de ensino tinha retorno anunciado para o início de março de 2021. Mas, já em janeiro, instituições particulares ofereciam ensino presencial, remoto ou híbrido, produtos vendidos por internéticas empresas, que publicitavam esses paliativos embrulhados num discurso hipócrita:

“Li uma reportagem  que me impressionou. Após tantos meses sem aula, era esperado que isso pudesse acontecer. O que mais me impactou foi o depoimento de uma mãe que disse: “Ela não aprendeu nada e esqueceu o que sabia. No começo do ano, estava escrevendo o próprio nome e depois foi esquecendo. Eu tentei ensinar, escrevia no papel e pedia pra copiar, mas acho que não é assim que criança aprende”. O despreparo dessa mãe é o mesmo de milhares de responsáveis que não sabem o que fazer sem as aulas presenciais. A boa notícia é que as aulas vão voltarO seu esforço deve ser para implementar o ensino híbrido e trazer de volta para a escola aqueles alunos que evadiram em função da pandemia. Assista ao vídeo e veja como você pode captar novos alunos usando a força dos marketplaces educacionais” (sic).

A Magda tinha razão: os teóricos debatiam, os abutres abatiam. No decurso da pandemia de covid-19, os teoricistas tinham produzido a pandemia do “ensino híbrido”. Esse paliativo do modelo instrucionista propagou-se como uma peste, tão ou mais nefasta que a covid-19.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDVI)

Campos Gerais, 10 de janeiro de 2041

Na primeira semana de 2021, fui surpreendido por uma preocupante notícia:

“Aumento “repentino” de casos leva a suspensão de aulas em Tavira”.

Tavira era a cidade onde vivíeis, a cidade da escola onde o vosso pai trabalhava. Enviei-lhe e-mail e o André respondeu:

“Foi uma semana louca… de um momento para o outro os casos subiram em flecha, resultado dos descuidos de um considerável grupo de indivíduos em duas situações, levando para as famílias os resultados dessa falta de cuidado. E ainda aguardamos as consequências do Natal e Ano Novo… a ver vamos. Beijo!”

O aumento “repentino” de casos levou à suspensão das aulas em Tavira. Mas, não só. Em outras cidades e países, idêntica decisão era tomada. A notícia continuava assim:

“A presidente da Câmara de Tavira manifestou-se muito preocupada com o aumento repentino de casos registado no concelho na última semana, o que levou as autoridades a determinar a suspensão das aulas presenciais (…) Agregados familiares locais, que antes viam aparecer uma pessoa num agregado e agora existem agregados inteiros que ficam contagiados”. A autarca lançou um apelo à população para que “cada um adote comportamentos responsáveis”.

O vosso pai, professor responsável e dedicado, cumprindo a ordem do “regresso às aulas”, havia sido contaminado pelo vírus. Associada a irresponsáveis atitudes de grande parte da população, a irresponsável decisão ministerial do “regresso às aulas” havia contribuído com a sua quota parte para o aumento do número de mortes por covid-19.

No mesmo órgão de comunicação social, o ministro dizia que escolas teriam pela frente “55 longos dias de provação”. E que o encerramento dos equipamentos escolares deveria ter em conta o “menor número de estudantes e o menor tempo possível” para que a retoma ao “normal funcionamento” acontecesse.

Que ficasse tranquilo o Senhor Ministro. Se os jovens já haviam passado por milhares de dias de “provação”, dentro de salas de aula instrucionistas, não iriam estranhar – iriam aguentar mais meia centena de “normais” provações.

Durante uma coletiva de imprensa, outro ministro exercitava a velha e ridícula retórica:

“Se tivermos que optar, nós vamos optar pela educação, isso tem que ser uma opção da nossa sociedade”.

Somava a essa frase-feita a informação de manter as aulas, mesmo havendo piora na pandemia, “dada a constatação óbvia dos prejuízos que o período sem aula teve sobre os alunos”. E um jornalista comentava que havia crianças que, por estarem sem aulas, até tinham esquecido como se escrevia o nome próprio. Ignorava o jornalista que os alunos não tinham “esquecido” – eles não tinham aprendido. Em sala de aula, pouco ou mesmo nada de útil se aprendia.

Os ministros de então continuavam tão ignorantes das coisas da educação como os predecessores. Não entendiam que não se tratava de “regressar às aulas”, mas de acabar com elas. Confirmava-se que o melhor ministro era aquele que nada fazia. Foi desse modo que respondi a uma pergunta ardilosa, que um entrevistador me dirigiu, durante um programa de TV. Mas, o entrevistador insistiu:

“Mas, por que diz que o melhor seria o ministro nada fazer?”

“Porque não faria besteira” – repliquei.

O entrevistador não se deu por satisfeito e lançou uma provocação:

“E se o Professor Pacheco fosse ministro, o que faria?

“Publicaria um decreto” – ironizei.

“Um decreto?”

“Sim. Um decreto de um só artigo e parágrafo único”.

“E o que diria esse decreto?” – quis saber o entrevistador e lhe satisfiz a curiosidade.

“O decreto diria apenas isto: Extinga-se o ministério”.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDV)

São Sebastião do Paraíso, 9 de janeiro de 2041

Prometi que voltaria a falar do “Jardim da Poesia” e isso farei nesta cartinha. A capa desse livro mostrava um tronco de árvore decepada, mas rodeado de flores. Vinte anos decorridos, reparei que se tratava de uma… premonição. Mas, continuemos a falar de jardins e de poetas.

São tão belos os textos e as ilustrações desse livro concebido pelas crianças da Ponte, que se tornou missão difícil a escolha de poemas feitos de singelos versos. Copiei dois, ao acaso. O primeiro foi escrito pela Vânia, que contava sete anos de idade:

“A poesia é um fogo que arde sem chama / como o Amor que a nossa mãe nos dá / que está dentro de nós / Basta conhecer alguém que caminhe comigo / para ter para sempre um amigo / A amizade é uma luz / que arde a Vida toda / sem se apagar”.

O segundo foi composto pela Rita, de oito anos:

“Quem me dera voar / voar mais alto que as águias / para ver lá de cima as montanhas e os rios / e segredar ao mar o que vi e senti”.

O Vander Lee, criança e poeta, cantaria algo semelhante nestes versos:

“Deixa-me perder a hora / Para ter tempo de encontrar a rima / Ver o mundo de dentro para fora / E a beleza que aflora de baixo para cima”.

Só mesmo as crianças e os poetas conseguem traduzir certas emoções. Uma imagem poética é como o germe de um universo imaginado pelo devaneio poético, um maravilhamento diante do mundo. Quando o Quintana visitou o Rio de Janeiro, pela primeira vez, foi entrevistado. Perguntaram-lhe o que mais gostou de ver na Cidade Maravilhosa. O poeta respondeu:

“O que eu mais gostei de visitar foi um túnel.”

Surpreendida com tal resposta, a jornalista insistiu:

“Um túnel? Porquê?”

“Porque, dentro dele, eu pude descansar os meus olhos cansados de tanta beleza”.

Na solenidade de recebimento do prêmio Nobel de Literatura, os laureados sempre leram elaborados discurso, repletos de sapiência. O discurso proferido por José Saramago não foi exceção, a não ser no tipo de sabedoria transmitida. Começava assim:

“O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo. Chamavam-se Jerónimo e Josefa esses avós, e eram analfabetos um e outro.

(…) gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver”.

Caeiro transmite-nos esse sentimento de modo inimitável:

“Quando eu morrer, filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno / Pega-me tu ao colo / E leva-me para dentro da tua casa / Despe o meu ser cansado e humano / E deita-me na tua cama / E conta-me histórias, caso eu acorde / Para eu tornar a adormecer / E dá-me sonhos teus para eu brincar / Até que nasça qualquer dia / Que tu sabes qual é”. 

Reparo, agora, que não estou a falar-vos de morte, mas de crianças, de poesia e de Vida. A arte de educar é um ato poético, é perguntar à Vida o que a Vida é. É nunca deixar de perguntar. E de se maravilhar.

Aos dezoito anos, publiquei um livrinho de poesia e compreendi que não era poeta de fazer versos. O meu poetar era outro… Quando cheguei aos setenta, me senti como se sete anos tivesse. E, noventa anos depois de abandonar o ventre da mãe Luiza, continuo na poética e infantil idade dos porquês. Muito tempo após as crianças da Ponte terem escrito o “Jardim da Poesia”, eu formulava sete perguntas, que punham poesia no ato de educar. Delas vos falarei.

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CDIV)

Três Pontas, 8 de janeiro de 2041

A minha vida de andarilho me levou a terras de Minas Gerais. Fui mineirinho por quatro anos e muitos amigos deixei por lá.

Aprendi com o Hélder e a Izabel o dom da fraternidade. Com a Norma e a Lilian, o dom da lealdade. No Triângulo, a Denise semeava gentileza, e a Lívia me fazia acreditar que o legado de Eurípedes jamais pereceria. Com o Diogo e a Mariana aprendi o que era comunidade. A delicadeza da Jaqueline e a família do Tonheca me comoviam, me davam lições de compaixão. O Leonardo e a Carolina impulsionavam projetos, que viriam a tornar-se referências em educação. Em Carrancas, conheci um homem de uma extrema generosidade, consumida num incêndio florestal, a que voluntariamente acudiu! Muitos outros amigos não evocarei, por serem muitos, por não caberem em escassas linhas.

Em Belo Horizonte, a Patrícia Luiza me fez reconhecer mais imperfeito do que eu pensava ser e me ofereceu o dom do desprendimento. Deu-me a conhecer um ser humano, quase perfeito: Vander Lee. Esse cantor-poeta morreu jovem. Nos primeiros dias de janeiro de há vinte anos, fui buscar ao baú das recordações as suas canções. Delas necessitava, para apagar mágoas. Recordo-o, no derradeiro concerto, já minado por um câncer assassino, com uma voz embargada e transparente de quem sabia serem breves os dias de vida feliz. Quanto mais o escutava, mais me sentia penetrando a alma desse ser humano excecional. Vos deixo alguns versos, para vos abrir o apetite de ouvir as suas belas melodias:

“Ó meu Pai, dá-me o direito / De me apaixonar todo dia / E ser mais jovem que meu filho / De ir aprendendo com ele / A magia de nunca perder o brilho / Virar os dados do destino / De me contradizer, de não ter meta / Me reinventar, ser meu próprio deus / Viver menino, morrer poeta… 

A Vida é toda ela um ato poético. Sou herdeiro do maio de 68, do make love, not war”, do “flower power”, do Amor Universal. Mas, no choque com outras culturas, cometi erros por incompreensão. As palavras para além da poesia mostravam que não era a falar que nos entendíamos, mas que, apesar das melhores intenções, nos desentendíamos.

As crianças da Ponte poetavam. Fizeram um livro a que deram o nome de “Jardim da Poesia”. E até criaram um espaço no “Pavilhão Rubem Alves”, onde faziam declamação de poesia. Sobre esse livro vos falarei, amanhã. E, também, sobre um jardim, que eu quis criar.

Houve um dia em que, talvez por erros meus, me arrancaram do Jardim do Éden. Disse adeus às flores e aos rebentos de ipê. Despedi-me dos amigos pássaros. Misericordiosamente, menti aos canarinhos da terra, meus companheiros das caminhadas matinais. Disse-lhes que, “qualquer dia”, eu voltaria ao jardim. Nas manhãs seguintes, eles voltariam ao lugar de poéticos encontros. Eu, jamais voltei.

Chorando já lágrimas de saudade antecipada, deitei um último olhar a uma casinha de madeira, que eu amava, e fui ao encontro de novos reencontros. A dor da destruição foi mitigada por quem me acudiu com amor incondicional, me ajudando a refazer jardins e a poetar. Como a Camila, que colocava em palavras a lição essencial do projeto sonhado para Brasília:

“Os desertos que nos esperam serão os ataques de orgulho, medo, preguiça, descrença e outros pontos esquisitos que o bordado da vida também apresenta. Nessa dimensão de dualidades, luz e sombra são parceiros que nos provocam com o grande chamado: despertar nossa real essência. Vamos mobilizar as energias necessárias para o ano que principia. Força e fé para ir mais fundo em nossos corações. Lá podemos encontrar nossa melhor versão…uma alegria sempre pronta a renascer!”

 

Por: José Pacheco

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