Tamera, 19 de maio de 2041
Com a expansão das tecnologias digitais de informação e comunicação, os seres humanos poderiam comunicar-se mais intensamente. Mas, as novas conexões ter-nos-iam tornado mais humanos? Recebi este e-mail:
“Querido amigo, um aluno da nossa escola foi assassinado. Quando se trabalha na periferia é de se esperar que alunos envolvidos no tráfico tenham esse fim, não é mesmo? Porém, o Juan não era esse tipo de menino, era um bobão. Ele provocava a ira de seus colegas e sempre apanhava, nunca batia. Era esse tipo de brigão, que queria mesmo era ser visto, pelo menos. A morte dele foi um golpe que nunca imaginei pudesse doer tanto.
As notícias que temos é de que “foi morto por engano, parecia-se com um traficante”. Dezesseis anos de um grande engano! Já fui ao enterro de dois jovens, que foram meus alunos. Eram bagunceiros, saíram da escola sem saber ler. O que poderia fazer por eles? Fica a dor de saber que, na segunda-feira, a vida continua e que na escola temos outros Juans, que estamos ajudando tão pouco! Só me sobra a dor. E estas palavras, que de nada valem”.
No outro lado do Atlântico, uma professora amarrou os pés e as mãos de um aluno de seis anos, prendeu-o a uma cadeira e amordaçou-o com fita adesiva, na frente dos colegas, alegando que queria que o menino ficasse quieto, porque precisava de silêncio na aula. O desespero dessa professora confirmava o que May escreveu: “A violência é manifestação de impotência”.
Falemos da esperança, falemos do otimismo. A experiência humana é uma aventura vivida na fragilidade de um esperançar, que nos anima e conduz. E um otimismo nos permite retornar de perdas e cansaços, resistir.
O Dia Internacional da Paz foi instituído em 1981. A Assembleia das Nações Unidas decidiu, por unanimidade, proclamar esse dia como um dia mundial de não-violência, convidando os povos, organizações e nações a desenvolver práticas da paz em uma data comum, embora a construção de uma cultura de paz seja um processo contínuo.
Por vezes, para ter paz, é necessário incorrer no paradoxo de a reclamar na rua, como fizeram os povos do Egito, da Tunísia, da Líbia, no início deste século. Melhor fora que tal não fosse necessário fazer, mas seria preciso assumir uma estratégia de não-violência, seguir os princípios do mestre Gandhi:
“É possível lograr a paz através de uma “teimosia pacífica”.
No mês de maio de 2021, voltei à Tamera, um lugar mágico, um oásis de paz, no mesmo dia em que me chegava a notícia de mais uma tragédia:
“Estou arrasada! Mataram mais um dos nossos meninos! O Emersom tinha 15 anos, mas parecia ter 10, naquele caixão. Ele era só uma criança perdida. Na escola era um bom menino, mas na vida não teve opção! Eu sinto que a família dele falhou e que não falhou sozinha. Mas ele pagou o preço sozinho! Foi mais um drogado retalhado a faca. Ninguém se importou, nem vai se importar. Me senti impotente naquele velório. Eu fiz tudo o que estava ao meu alcance, mas não foi suficiente. Ele já estava marcado para morrer. Peço a Deus para me tirar esse amargo do meu coração e me dar força para continuar lutando por essas crianças. Me ajude”.
Naquele tempo, eu sabia que havia quem tentasse escamotear a morte, se quem morria fora dispensado em horário de aula, por falta de professor e morto por engano. Mas, também sabia haver educadores indignados, que exigiam ações públicas promotoras de paz e segurança. E rogava à minha amiga Cleo que não se expusesse demasiado no Complexo do Alemão. Eu sabia que maravilhosos educadores, como a Cleo, gestavam humanidade. E isso me acalentava, me impelia a não parar de os admirar e ajudar.
Por: José Pacheco