Sete Lagoas, 8 de novembro de 2040
“Educação integral” era uma das expressões mais usadas para enfeitar projetos político-pedagógicos e para sofisticar o discurso dos preâmbuos de decretos. Era um tema recorrente nas palestras de leitura de power point e na história das idéias pedagógicas, desde a antiguidade. Já Aristóteles falava em educação integral. E, no início do século XX, Claparède e Freinet preconizavam uma educação integral ao longo de toda a vida.
As práticas inspiradas nesses autores visavam opleno desenvolvimento pessoal e social, exercício de uma pedagogia do lugar. Partiam do pressuposto de que o ser humano era multidimensional, um complexo composto de afeto, emoção, estética, ética, espiritualidade… cognição.
No Brasil, as experiências de educação em tempo integral, de que tive conhecimento, eram tímidas eos seus efeitos eram condicionados pela prática de um modelo escolar inadequado, no qual ainda muitas escolas insistiam, despendendo avultados recursos e obtendo um retorno escasso. Na escola que, infelizmente, ainda tínhamos, subsistia o assistencialismo, à mistura com um modelo profundamente enraizado, baseado na crença da transferência linear do conhecimento.
O apelo do Lauro ao “desenquistamento da escola” não encontrava eco numa instituição ilhada. Dizia o Mestre que a escola deveria ser um centro comunitário do grupo social a que servia. A instituição Escola também se mostrava surda ao apelo de Morin: “Temos a necessidade de reformar radicalmente o actual modelo de ensino nas universidades e escolas secundárias. O conhecimento está desintegrado em fragmentos disjuntos no interior das disciplinas, que não estão interligadas entre si e entre as quais não existe diálogo. O modelo atual leva a negligenciar a formação integral e não prepara os alunos para mais tarde enfrentarem o imprevisto e a mudança”.
Apesar dos seus trágicos efeitos, uma cultura, sedimentada ao longo de quase três séculos, reproduzia-se a si própria, da universidade ao chão das escolas, impedindo a emergência de novaspráticas. Muita da “educação integral”, que se fazia, enfermava desse mal. Em 2020 já se questionava a “eficácia do contra-turno”, sendo criadas alternativas de tão duvidosa eficácia quanto as anteriores.
A educação integral requeria descentralização, questionamento do modelo de relação hierárquica, negociação e contrato, iniciativas culturais, disponibilização de equipamentos coletivos e espaços de encontro, flexibilidade na organização erespeito pela diversidade. Porém, na perspectiva reducionista como vinha sendo interpretado e desenvolvido, o projeto de “escola de tempo integral” apenas visava “ocupar tempos livres”, ou assegurar atividades conduzidas por maonitores mal preparados e mal pagos. Em muitos casos, o contra-turno era uma estratégia de reforço e de“desculpabilização curricular”.
Acompanhei práticas do “Mais Educação”. Erammeritórias iniciativas, que visavam o desenvolvimento local e a redenção da Escola. Mas, a necessária reelaboração cultural requeriaalteração de padrões atitudinais. Como enfatizaram alguns psicólogos russos de há mais de um século, o desenvolvimento humano ocorre em meio a uma rede de relações sociais, marcadas por um contexto sociocultural específico, é sempre um ato de relação. O aprendente aprende, quando tem um projeto de vida, um projeto de vida com os outros, participando de transformações, pois, como Augusto Boal advertia, cidadão não era aquele que apenas vivia em sociedade – era aquele que a transformava.
Por: José Pacheco