Igaratá, 24 de julho de 2041
Nos tempos de pandemia, a Organização Mundial de Saúde reconhecia a profissão de professor como uma das de maior risco e a OCDE promovia cimeiras sobre o bem-estar dos professores. Porém, o que se discutia nesses encontros era a manutenção de um profundo mal-estar.
Um secretário-geral afirmou que não se deveria perder a oportunidade “de colocar o bem-estar dos professores no centro das políticas de todos os países” e que o bem-estar dos professores teria de ser percebido como “um tema político de primordial importância”.
O desgaste emocional, o cansaço, o desânimo, a desmotivação dos professores, talvez fossem sintomas do final do tempo da docência. Diziam alguns docentes que preparavam bem as suas aulas, que definiam criteriosamente os seus objetivos, rigorosamente elaboravam planos e materiais auxiliares de ensino. Mas teriam pensado bem para quem iriam “dar a aula”? Se todos os alunos estariam aptos a recebê-la? Se todos iriam aprender no mesmo tempo, do mesmo modo, no mesmo ritmo?
Se assim pensassem, estariam a incorrer no erro de considerar que o Comenius tinha razão. A partir do século XVII, a Pampaedia influenciou o formato da escola, sendo determinante na emergência da Escola da Modernidade, no apogeu da Primeira Revolução Industrial. Nessa obra, Comenius afirmava ser possível ensinar a todos como se fosse um só. Mas, já nos idos de vinte se sabia que tal desiderato era inviável.
Comenius não estava errado, se situado no seu tempo (século XVII) e no tempo da emergência de um modelo de escola, que correspondeu com eficiência e eficácia às necessidades sociais do século XIX. O que estava fora de época era a manutenção de um modelo educacional do século XIX em pleno século XXI.
Por essa altura, sempre oportuna nas suas intervenções, a minha amiga Tina Carvalho assim se manifestava:
“A enorme ruptura no sistema educacional causada pela pandemia só trouxe prejuízos, ou abriu uma oportunidade para refletir sobre as práticas, repensar os processos e fazer diferente?
A ineficiência que ficava “enclausurada” nas quatro paredes de uma sala de aula, foi escancarada dentro das casas, sob os olhares atentos dos pais.
O Brasil antes da pandemia, estava entre os dez piores países no mundo em educação – índice PISA. Pensando em processos de aprendizagem, é para aquele “normal” pré pandemia que queremos voltar? Para uma escola instrucionista, que força a homogeneização dos diferentes ao ignorar e desrespeitar a individualidade, os sonhos, os desejos, as potencialidades, as habilidades, as curiosidades e as dificuldades de cada criança e jovem, que é especialista em competição e padronização, gerando exclusão, bullying e evasão.
Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes como disse Albert Einstein. As pessoas mudam o mundo. E mudar o mundo é mudar a forma como se educa. Quem educa, são pessoas. Precisamos de nos reeducar! Precisamos rever a imposição padronizada do conteudismo instrucionista, que destrói a curiosidade e impede o desenvolvimento do pensar crítico e criativo.
Que o velho normal da educação não volte nunca mais”.
No Brasil do início do século XXI, a Tina não estava sozinha. Em Mogi, punha em prática aquilo que escrevia. E, em Brasília, definindo elementos da “aprendizagem reconstrutiva”, o Mestre Pedro Demo dizia-nos que o lugar do professor não era o centro do processo, mas a sua orientação, instigando o aluno a construir um caminho de questionamento.
Aprender não seria acabar com dúvidas, mas conviver criativamente com elas.
Por: José Pacheco
366total visits,2visits today