Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCI)

Piracaia, 25 de julho de 2041

Talvez por não terdes vivido no século XX, vos pareça estranho que os “diferentes” fossem tratados nas escolas como se não existissem. Efetivamente, ressalvadas as honrosas situações – dado que havia verdadeiros professores nesse tempo – os “deficientes”, como eram tratados na década de sessenta, se viam privados de cuidados concedidos aos “normais”.

À vossa tia Rosário, porque não controlava a baba, nem os esfíncteres, foi negado o acesso à escola. Não fora a iniciativa dos seus pais, que cocriaram o então chamado “Movimento de Apoio ao Diminuído Intelectual” (assim se chamava) e reivindicaram apoios, e a tia Rosário ficaria apenas dependente da educação familiar.   

Na década de setenta, falava-se de “integração”, enquanto se praticava uma sutil segregação dos diferentes. Nesse tempo, ensaiamos o acolhimento de alguns “deficientes”, integrando-os no quotidiano de uma escola que já abandonara práticas segregadoras instrucionistas. Entre os “integrados”, um jovem surdo. Quando tentei transmitir-lhe a noção de pretérito, presente e futuro, não consegui. E compreendi que, se alguma deficiente ali houvesse, não seria o jovem. Seria eu, que não sabia usar a linguagem de sinais.

Na década de oitenta, mudaram a nomenclatura. Já não se usava falar de “deficientes”, mas de crianças “com necessidades educativas especiais”. Quando já se deveria reconhecer que a escola deveria cuidar de todos dentro do princípio de todos são especiais, únicos e irrepetíveis, uma professora “especial” discriminava os alunos “especiais”, dentro das salas de aula. E, quando se argumentava que o aluno tinha “dificuldades de aprendizagem”, não se reconhecia que o professor também tinha dificuldades de ensinagem.

Fui convidado para “palestrar” sobre “inclusão” em inúmeros congressos. Enquanto esperava a minha vez de conversar sobre o assunto, tive de suportar monótonas leituras de power point e escutar “incluidores não praticantes”. Cansei! E em resposta a uma interpelação, assim respondi: 

Mesmo na qualidade de um ser incompleto, “diferente”, por ver estrabicamente, darei a minha contribuição, para melhorar o que for possível melhorar. Que me seja perdoado o tom que utilizo, mas apetece-me dizer que a “inclusão” é um termo fabricado em Salamanca e que, até hoje, somente serviu para enfeitar teses de doutoramento. Há muitas “pessoas conceituadas” a produzir teoria inútil (no ministério e nas universidades) e há muito faz-de-conta “inclusivo” nas escolas. Devo acrescentar que também há gente séria nas universidades e nas universidades. Não generalizemos.

As escolas terão de reconfigurar as suas práticas e integrar especialistas em equipes com projeto, para que a inclusão aconteça”. 

Após a conferência de Salamanca, com outros educadores, concebemos um livro sob o título “PATHWAYS TO INCLUSION – A Guide to Staff Development”. Publicado em Manchester e traduzido para português do Brasil (“Caminhos para a Inclusão”), era mesmo um guia, pois consistia num registro de práticas efetivas, desenvolvidas desde há muitos anos. A primeira metado dessa obra descrevia o contexto da pesquisa e apresentava a indispensável fundamentação teórica.

Depois, muito se escreveu sobre o conceito de “inclusão”, sem nada se acrescentar. E a prática da “inclusão” se manteve sendo miragem, que apenas na década de trinta teve tradução efetiva nas escolas. Entretanto, fiz outro livrinho a que dei o título de “Inclusão não rima com solidão”. Se o que quiserdes ler, sabei que ainda guardo um exemplar em papel. 

 

Por: José Pacheco

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