Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCIII)

Mogi das Cruzes, 27 de julho de 2041

“O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar, a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para os fazerem parentes do futuro”. E, porque Mia Couto o havia dito, professores não desistiam:

“Pensamos em desistir várias vezes e retornar ao caminho antigo. Não existiam modelos. Então, fomos criando estruturas organizacionais que nos permitiram interagir com as crianças em novos modos. 

Após muito trabalho, muito estudo, chegamos ao fim do ano com muitas conquistas. As crianças demonstravam diferentes aprendizagens e víamos avanços em todas as áreas. As relações afetivas foram ampliadas e um grande sentimento de grupo cresceu entre nós. Os pais mostraram-se satisfeitos com o que viam em seus filhos e apoiaram essa prática, que, no início, parecia tão ousada e, ao final, revelava-se tão eficiente. Cresceram as crianças, as professoras, a escola”.

No julho de 21, eu testava pressupostos ditos “científicos”, ocupava-me com o desenvolvimento dito “teórico”, a partir de relatos, que já havia lido, muitos anos antes. Educadores organizavam-se em núcleos de projeto e turmas-piloto. E, se uma escola não mudava inteira e ao mesmo tempo, no respeito por quem decidia mudar, novos projetos surgiam.

Embora passassem por diferentes estágios de constituição, cada núcleo era um nodo de uma rede, na partilha de idênticos objetivos. Os diferentes estágios resultavam do diagnóstico local e da impossibilidade de criar uma coerência exata das ações entre os núcleos, pois cada grupo humano reagia de modo diferente à necessidade de uma paradigmática transição. 

As etapas de transformação eram vivenciadas num estatuto de participante ativo. Tomada consciência da precariedade do que chamávamos “ensinagem”, surgia a necessidade de entender como fazer diferente, se evidenciava que cada projeto de mudança era um ato coletivo, e que a autonomia resultava de um ato relacional, de um ser autónomo com outro ser autônomo. 

Ninguém seria autônomo sozinho. Existíamos porque o outro existia. A nossa liberdade não terminava onde começava a liberdade do outro. A nossa liberdade começava onde começava a liberdade do outro. Em equipe, defrontávamos momentos críticos de reelaboração da cultura pessoal e profissional. E, se a aprendizagem também acontecia por imitação, recordamos uma situação de há muitos anos.

O presidente da assembleia de alunos era um mocinho muito autocentrado. Nas reuniões, ele somente dava a palavra aos amigos e não assumia responsabilidade coletiva, em situações que justificavam essa atitude. Foi criticado por muitos dos alunos que o elegeram. Reagiu, dizendo que se demitiria. Então, as crianças tomaram uma decisão surpreendente: decidiram que o presidente deveria continuar no cargo. Mas que a condução das reuniões deveria ser participada pelos restantes membros da mesa da assembleia, de modo a ajudar o presidente a aprender a respeitar os outros e a respeitar-se.

Ao longo daquele ano letivo, o presidente, que não foi demitido, viveu múltiplas situações de ajuda mútua. No final da última assembleia daquele ano, deitou discurso, agradecendo aos colegas a oportunidade de ter aprendido a ser solidário. Em linguagem de gente jovem, disse que não se importava de não ser o primeiro, para que todos fossem os primeiros. 

Desde tenra idade, a solidariedade na solidariedade se aprendia, pois o mestre Pestalozzi nos dizia que a educação moral não deve ser trazida de fora para dentro da criança, mas deve ser uma consequência natural de uma vivência moral. 

 

Por: José Pacheco

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