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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXCVI)

Armadouro, 31 de outubro de 2041

Creio ter envelhecido mais, no tempo dos meus verdes anos. Nesse distante outubro, diziam-me que eu ia ficando impaciente e amargo, que era da aproximação da velhice. Não era. Era da indignação que sentia, sempre que certos prostitutos da educação esfregavam as mãos de contentes, quando projetos por mim ajudados a frutificar passavam por crises, ou corriam risco de acabar. 

A indignação, que me acompanharia até este nosso radioso tempo, era condimento de um novo bem-estar. Beneficiava da companhia de alguém que me devolvia um sereno modo de agir e uma alegria de infância. Uma canção brasileira tinha por estribilho “vida leva eu”. E eu me deixei levar pela vida. Nasci longe de casa. E, por essa altura, parecia estar perto de a encontrar. 

Hoje, chegado aos noventa, já me custa andar, mas isso não me preocupa. O automóvel e o avião são as minhas pernas. Nascido numa pátria da velha Europa, espero expirar na juvenil mátria do sul. Sempre que atravesso o oceano, penso ser a última das viagens, mas…navegar é preciso.

A primeira pandemia deste nosso século foi um sinal de alarme, o aviso de que não seria possível manter um rumo de autodestruição. Muitas vidas teriam sido salvas, se optássemos por um novo modelo de desenvolvimento e se fosse outra a… Escola.

Alienada, alheia aos males do mundo, a Escola voltava da pandemia regressando à mesmice da sala de aula, ignorando que, nesse mesmo dia de outubro de há vinte anos, negociadores de quase duzentos países se reuniam, na Escócia, na 26ª Conferência do Clima. Tentava-se definir regras para a implementação do Acordo de Paris, um acordo que estabelecera como meta manter o aumento da temperatura média do planeta abaixo” de 2ºC em relação ao período pré-industrial. 

Cientistas afirmavam ser essa a “nossa última chance”. Em 2020, as emissões globais de gases-estufa tiveram uma redução de 6,4%. Mas, a queda não se ficara a dever aos esforços dos países para conter a crise climática, apenas refletia a retração das economias, no período da pandemia. E, na contramão dessa tendência, o Brasil registrara um aumento de 9,5% de suas emissões, no ano transato. 

Entretanto, os adeptos do homeschooling continuavam a preparar o terreno para mais uma tentativa de sucateamento da uma escola dita pública, que se deixava sucatear. Empresas surgiam como cogumelos em terreno putrefato. Quadros de segundo escalão do ministério abutricamente se organizavam. O secretário de uma das pastas ministeriais desenvolvera um conteúdo para homeschooling, a que deu o nome de “Como Educar Seus Filhos”. 

A administração do sistema permanecia apática, quando não facilitava a ação de movimentos e sistemas internacionais, que se acercavam de um educacional repasto mercadológico. Uma loja virtual comercializava material didático e traduções de livros como o “Brainwashed: How Universities Indoctrinate America’s Youth (Lavagem Cerebral: Como as Universidades Doutrinam a Juventude Americana). Havia Programas de Apoio à Educação Domiciliar, em parceria com a Associação Nacional de Juristas Evangélicos, que prestaria assistência às famílias homeschoolers, quando necessitassem de apoio jurídico, e auxiliaria os parlamentares na elaboração de projetos de lei.

Quando me perguntavam o que pensava disso tudo, eu respondia:

“São decisões políticas, que deverão ser respeitadas. São projetos de um governo democraticamente eleito. Quem o elegeu, que responda!”

Convidava a questionar e a transformar a educação familiar, social e a escolar, a maior responsável pela situação.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXCV)

Sobral de Baixo, 30 de outubro de 2041

O prometido é devido e aqui estou, a retomar o assunto da cartinha de ontem: o chamado “homeschooling”. 

No outubro de há vinte anos, a Associação Nacional de Educação Domiciliar criticava os anteriores governos, que, “por razões ideológicas” nunca com ela haviam dialogado. As portas do ministério se lhe abriram e várias audiências foram realizadas. Supostamente, não-ideológico, um grupo denominado “Educação Clássica Domiciliar Cristã”, criada nos EUA, em 1997, já criara uma filial no Brasil. Era oferecida uma “grade curricular” compatível com as sugeridas pelo ministério, “garantindo ensino domiciliar com qualidade”, materiais “bíblicos e academicamente rigorosos (sic).”

A presunção da neutralidade ideológica do ato de ensinar e aprender neutralizava o “arco-íris ideológico”, que a escola “a preto e branco” deveria ser. Voltávamos ao tempo das “Palavras Andantes” do Galeano: 

“Quando tínhamos todas as respostas, mudaram as perguntas”. 

Fundamentalistas doentes de “daltonismo pedagógico” não interrogavam uma escola, que dava respostas, sem que se apercebesse de que as perguntas tinham mudado. 

No início dos anos vinte, segundo dados da Associação Nacional do Ensino Domiciliar, apenas 15 mil alunos eram educados em casa, o que representava 0,03% do universo da educação pública e privada. Isso não foi óbice a que, cumprindo promessas de campanha eleitoral, firmadas com igrejas e os ditos “cristãos conservadores”, o novo desgoverno entregasse ao Congresso uma lista de 34 projetos ditos prioritários. Entre eles, figurava um só projeto educacional: a regulamentação do homeschooling.

O primeiro passo da regulamentação foi dado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, ao dar aval ao Projeto de Lei 3262/2019, para descriminalizar a educação domiciliar. Nesse tempo, a prática poderia ser enquadrada como crime de “abandono intelectual”, previsto no artigo 246 do Código Penal.

Diferente do ensino a distância, no ensino domiciliar não haveria salas virtuais com interações com professores, ou colegas. As famílias abastadas poderiam pagar a tutores, ou a abútricas empresas, que se previa viessem a ser criadas. Como a interação seria única e exclusivamente familiar, numa sociedade eminentemente patriarcal, seria de prever que, em famílias de baixa renda, as mães assumissem essa função. 

O domiciliar era bem mais antigo que o escolar. No tempo em que o ensino era privilégio de alguns, as sinhás eram educadas por preceptores. E, no Brasil, só poderemos falar da existência de uma rede escolar pública, a partir de 1930. Mas poderíamos falar de escola pública num país em que a rede pública de ensino era geradora de insucesso? O “índice de desenvolvimento da educação básica” era revelador da falência do sistema de ensinagem.

O artigo 55 da Lei 8.069 estabelecia:

“Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. 

Mas, a Escola do Estado teria o direito de condenar milhões de jovens ao fracasso escolar, ao insucesso na escola e na vida? Teria o direito de contrariar o Direito? Não reconhecia a mesma lei o “direito da criança e do adolescente à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa”?

No decurso de palestras, questionavam-me sobre a “Escola sem Partido”, as “escolas cívico militares”, sobre o homeschooling. No respeito que por mim nutria, por ser cientista da educação, e respeitando aqueles que me interpelavam, eu respondia:

“Peço que me perdoe a omissão, mas eu só discuto assuntos sérios.”

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXCIV)

Pessegueiro, 29 de outubro de 2041

No outubro de há vinte anos, num dos estados brasileiros, foi aprovada uma lei que liberava a educação domiciliar. A aprovação do ‘homeschooling’ iria seguir para sanção ou veto do governador. Esse projeto fora reprovado pela Comissão de Educação, que chegara a fazer uma audiência pública sobre o tema. No entanto, voltou a ser discutido, após passar pela Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Os sindicatos manifestaram-se contrários à decisão e garantiram que entrariam com pedido para anular o projeto: 

“É uma medida que prejudica adolescentes e crianças que serão cerceadas do espaço escolar, prejudicando o seu desenvolvimento dentro do ambiente escolar e sua diversidade”.

A mãe da Gabriela decidiu que a sua filha aprenderia em casa o que havia para aprender. Porém, as escolas diziam não existir legislação que permitisse o ensino doméstico. A mãe era teimosa, procurou e encontrou a lei. Para levar adiante as suas pretensões, só faltava uma escola que assumisse a avaliação da aprendizagem caseira. E encontrou-a. 

Decorridos alguns meses, depois de me aperceber da existência de duas solidões partilhadas – filha única e mãe solteira – sugeri que a Gabriela frequentasse a escola com maior assiduidade. A mãe quis saber por quê. 

“Para poder brincar com outras crianças” – respondi. 

Disseram à mãe do Artur que não valia pena ele ir à escola: 

O seu filho tem câncer e, como não tem cabelo, os outros alunos xingam-no. A leucemia poderá levá-lo em poucos dias. Para que serve aprender a ler?” 

A mãe do Artur não se resignou. Se a escola do bairro recusava o seu filho, foi procurar ajuda numa escola distante de casa. Como o Artur não podia sair do seu quarto, os professores da Ponte praticaram ensino domiciliar

Quando pediu à mãe para ir brincar com os meninos da Ponte, o Artur foi e brincou. A escola e a família viveram juntas a passagem pelo hospital, onde foi submetido a uma transfusão de medula. A morte anunciada não o proibiu de brincar e aprender. Foi feliz enquanto lhe restou um sopro de vida. 

Com estes casos, ilustro uma afirmação: o debate sobre os riscos do homeschooling parte de uma falsa questão. 

Que me seja permitido um breve parêntesis. Aprendemos uns com os outros mediados pelo mundo, na perspectiva da cidade educativa freiriana. Por isso, entendo que a tensão entre domiciliar e escolar não tinha razão de ser, embora eu compreendesse os receios dos críticos. O domiciliar poderia engendrar monstrinhos do digital, poderia reforçar o têvêschooling (milhares de horas de tv), ou servir ocultos interesses de fundamentalistas e terraplanistas. 

Nos idos de vinte, eu não fazia a apologia do ensino domiciliar como alternativa à escola (adivinhava subtis discriminações, pois nem todos a ele teriam acesso), nem o dito “homeschooling” garantia a todos o direito à educação. Eu pugnava por uma Escola de Todos, agente de transformação social, que assegurasse o direito universal de acesso e de sucesso… tanto nas escolas como nos lares. 

A recusa já assumida por muitas famílias era mais um sintoma de uma profunda crise. O acirrar da competição pela demarcação de territórios e as histéricas reações contra o ensino domiciliar nada resolviam. Se muitos pais duvidavam da utilidade das escolas, não seria oportuno que as estas refletissem sobre o porquê dessa dúvida? 

A propósito… Li um dístico na porta de um restaurante: “ESFIRRARIA”. Se o Brasil tão bem adaptava estrangeirismos, por que se socorria de uma palavra inglesa para designar a prática de ensino domiciliar? Voltarei ao assunto.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXCIII)

Dornelas do Zêzere, 28 de outubro de 2041

O décimo ENARC, de que vos falei na cartinha anterior, dava a conhecer a vitalidade de práticas de efetiva aprendizagem, da recriação do espaço e do tempo de aprender, fazendo uso de novas tecnologias ao serviço da humanização da escola, promovendo a partilha de conhecimento e a inclusão social.

Entretanto, com mágoa, dávamo-nos conta da indigência pedagógica em que muitas escolas continuavam atoladas. Indiferentes a meritórias tentativas de inovação, sistemas de ensino conduziam professores à aplicação de “simulados” na sala de aula e online. Uma execrável proposta de base curricular gerava processos assimilados por sistemas autoinstrutivos, comandados por computadores. A inteligência artificial monitorava a ensinagem com recurso a materiais instrucionistas e “tecnologias interativas, com que o aluno corrigia a sua dificuldade de desempenho” (sic). 

Nesse dantesco cenário, os professores fariam significativo dispêndio de tempo, validando a profecia de Orwell. Os donos de tais “sistemas” poderiam transformar as escolas em “mercadoria”, vendida através de “franquias”, como quaisquer Mcdonalds da instrução.

Durante o ano de 2022, um projeto de formação acompanhou transformações várias… a partir dessas transformações. Nos encontros semanais, a Edilene e outros educadores pioneiros “explicavam” como tinham “resolvido” problemas, nos primórdios do projeto. Refletia-se sobre novas dificuldades, encontradas nos protótipos. Em equipe, encontrávamos soluções, novas práxis surgiam.

Perguntas de quem estava começando a mudar, a inovar, eram respondidas por quem já passara por mudanças e inovações, e descrevia práticas, efetivamente, exitosas. Eram narrados modos de resolução de conflitos, descritos acordos de convivência, efeitos de muitas rodas de conversa. 

Porém, a regulamentação da lei condicionava e até mesmo impedia a mudança necessária e, já então, possível, como atestavam os românticos conspiradores. E, por falar em leis, permiti que delas vos fale.

Nos idos de quinze, quando secretário de educação do Distrito Federal, o Rafael – um amigo, que se tornaria eminente político – fizera publicar uma portaria pioneira. Pela primeira vez, foram criadas condições de revisão do quadro normativo. 

No mês de novembro de vinte e um, o seu exemplo foi imitado. A secretaria de Mogi publicava idêntica portaria, inaugurando um novo tempo. E o que dizia esse normativo?

Começava por instituir um Grupo de Trabalho para a proposição de diretrizes de política pública, para a implantação de uma rede de protótipos de comunidades de aprendizagem. Competia a esse GT desenvolver análise técnica, acompanhar experiências e cuidar de fundamentação científica, para a reconfiguração da prática educativa. Pretendia-se com isso adequar velhos normativos a novas realidades, bem como validar indicadores de transformação e de melhoria da qualidade da educação.

O GT viria a acompanhar a implantação dos protótipos desenvolvidos nas chamadas “escolas de referência”. Em colaboração com áreas técnicas, contribuía para a sustentabilidade da proposta, propondo a adoção de dispositivos legais e científicos coerentes. Entre eles, se contavam parâmetros de arquitetura e a definição de estratégias orçamentárias e financeiras, que eram elaborados em articulação com setores dos ministérios e das secretarias de educação.

Paralelamente a esse movimento, pesquisas de mestrado e de doutoramento consolidavam processos. A universidade subia ao chão da escola.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXCII)

Vale Serrão, 27 de outubro de 2041

Recebi do amigo João a seguinte mensagem:

“Bom dia, José! Tenho de partilhar consigo a conversa desta manhã. Estávamos a falar em aniversários de instituições e as consequentes festas, e a Francisca diz algo como:

“Que sortudos! Na minha escola não há nada disso!”

Ao que o Salvador responde:

“Se calhar não fazem festas na escola, porque ela já morreu!”

Palavras sábias. O João sabia que apenas os loucos e as crianças falavam verdade e que a velha escola morrera, embora ficasse por sepultar. Para se justificar a si própria, ela se servia de lideranças tóxicas, figuras sinistras, que submetiam os professores ao aulismo, ao preenchimento de “papelada”, à participação de corpo presente em fastidiosas reuniões. 

Recordo-me de ter escutada de um ético secretário de educação (que também os havia, nesse tempo) a seguinte exclamação:

“Professor Pacheco, desde o início do meu mandato, já fiz centenas de reuniões. Esta é a primeira em que se fala de pedagogia.”

A escola mantinha-se cativa de velhos e anacrônicos rituais, enquanto se revestia de reformas reformadas e se enfeitava de projetos pseudo-inovadores. No tempo em que eu ainda andava pelas europas da educação, escutei pela enésima vez, alguém dizer que as universidades e os “especialistas” em ciências da educação estavam empenhados em conceber uma “Educação do Futuro”. Quando calhava de alguém me convidar para participar em congressos, que glosavam essa mítica educação, eu agradecia o convite, mas o declinava. 

Por esse tempo, com outros educadores, pugnava por uma “Educação do Presente”, à medida de necessidades sociais do século XXI. Com eles aprendi o exercício da solidariedade, cultivei amizades, ajudei a inovar.

No outubro de há vinte anos, a dedicação do Mauro e da Valéria à causa das crianças dera frutos. Esses incansáveis românticos conspiradores não esperavam pela “Educação do Futuro”, que parecia nunca mais chegar ao presente. Com extremo cuidado e generosidade, prepararam um encontro de gente ousada. 

O “Décimo Encontro Nacional dos Românticos Conspiradores” era anunciado. E, se existia alguém sensível, ao ponto de não conter as lágrimas face a à beleza de singelos gestos, esse era o meu amigo André Corrêa, que assim celebrava o Dia do Professor e a chegada do “X ENARC”:

“Como a gente chama o sentimento de encontrar alguém que amamos, mas que nunca vimos sem ser pelo computador? Não pode ser saudade. Não é rever. É ver pela primeira vez. Não é reencontro. O que é? É passar o Dia dos Professores em um encontro com gente da melhor qualidade, construindo uma nova educação.”

No decurso do encontro dos românticos conspiradores, da romântica Conceição das “Novas Rotas” recebíamos esta bela mensagem: · 

“Aproveitando a última chuva de estrelas, juntámo-nos para as ver… E, com este momento, enlaçámos esperança, incendiámos curiosidades, agradecemos relações, cultivamos colaborações.”

Num congresso dos idos de vinte, irritei-me com o etnocentrismo e a arrogância de alguns professores europeus. Pretensiosamente, afirmavam que só o Norte produzia inovação. Instalou-se a confusão no gabinete da tradução simultânea, quando lhes respondi, num português abrasileirado:

“Se cuidem! Preparai-vos, caros colegas, para a chegada de um tsunami educacional, que irá varrer o hemisfério norte e virar o rumo da educação.” 

Muitos aos antes, Alain Tourraine lançara um alerta: 

“Ou a crise acelera a formação de uma nova sociedade, ou vira um tsunami que poderá arrasar tudo pela frente, pondo em perigo a nossa própria existência no planeta”.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXCI)

Cabril, 26 de outubro de 2041

Como vos disse, era significativo o contraste existente entre o teor da regulamentação e a Lei de Bases. Eram visíveis as contradições. Embora o terceiro parágrafo do seu 48º artigo consagrasse o primado dos “critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa”, a realidade contradizia o disposto na lei. 

Mercê do indigno dever de obediência hierárquica, o que prevalecia era a arbitrariedade administrativa. Um diretor de agrupamento recebia ordens de um superior hierárquico e, ainda que delas discordasse, as cumpria e fazia cumprir. A ordem seguia desse diretor para o diretor da escola. Ordens impostas verticalmente, sem qualquer fundamento em “critérios de natureza pedagógica e científica” eram, servilmente, aplicadas pelos professores em sala de aula. 

A administração e a gestão deveriam orientar-se “por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo”. Mas, durante muitos anos, a norma não foi acatada. Regulamentos manifestamente autoritários (e ilegais!) comprometeram a mudança e a inovação. Hoje, poderei mesmo afirmar ter sido criminosa tal prática, pois, ainda que indiretamente, contribuiu para condenar à ignorância milhares de seres humanos. A anacrónica situação se prolongou pelos idos de vinte, até que o lado saudável do sistema reagiu. 

Um “precedente jurídico” foi fonte de inspiração. Em 2004, um contrato de autonomia fora celebrado entre o estado e uma escola pública portuguesa. A Lei de Bases estabelecia que o funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino se orientasse “por uma perspectiva de integração comunitária, sendo, nesse sentido, favorecida a fixação local dos respectivos docentes. A Direção da Escola da Ponte foi entregue à comunidade, sem a figura tutelar de um diretor, favorecendo a “integração comunitária”.

As avaliações externas tinham comprovado a excelente qualidade do projeto. E a Ponte ganhara o direito de selecionar os seus professores, através de concurso universal, com parâmetros e critérios bem definidos. Os seus professores eram trabalhadores da educação ao serviço de um projeto, que uma comunidade adotara – a “fixação local” dos professores” era assegurada. 

Estes se assumiam integrados e autônomos. E, dado que a aprendizagem é antropofágica – não se aprendia aquilo que o outro dizia, mas o que o outro era – os professores eram exemplos para os alunos. Foi instalada uma assembleia. Quem visitava a Ponte e assistia a uma reunião dessa assembleia emocionava-se com a maturidade cívica das crianças. 

As leis não eram objetos perfeitos e a Lei de Bases não era exceção. Limitava a participação dos jovens nos órgãos de Direção: “A participação dos alunos (…) circunscreve-se ao ensino secundário”. Eu assistira a reuniões nesse nível de ensino e chegara à conclusão de que os jovens do “secundário” (e muitos deputados da Nação) beneficiariam de assistir às reuniões de jovens do “primário”.

Na linha de presunção de que as escolas deveriam fazer a “preparação para a cidadania” e não educar os jovens no exercício da cidadania, a lei considerava que apenas o “ensino superior” seria digno de beneficiar de autonomia científica e administrativa, acumulando a financeira. Não outorgando idêntico direito ao ensino considerado “inferior”, a lei o condenava a um estatuto de menoridade.

Como vedes, queridos netos, as normas estavam longe da perfeição. E, na racionalidade hierárquica, os professores do ensino “inferior” eram filhos de um Deus menor. 

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXC)

Vidual, 25 de outubro de 2041

Entre os idos de setenta e o início dos anos oitenta, participei de encontros de preparação de uma lei de bases. Com ilustres professores universitários muito aprendi. Falavam da necessidade de substituir um sistema de ensino herdado da Ditadura por um sistema que respondesse às necessidades de um regime democrático. No decurso das reuniões, eu parecia servir de conselheiro, só porque, pelos vistos, era o único com prática desse idealizado modo de ensinar e de aprender.

Em 1986, dez anos tinham decorrido sobre a Revolução dos Cravos. A lei de bases aprovada nesse ano abria possibilidades de “mudança”, de “inovação” e de “renovação na continuidade”. Ela foi objeto de várias alterações, quase todas com ênfase na “renovação na continuidade”. Os decretos dela decorrentes não a descaracterizaram, embora viessem a condicionar a “inovação”. A regulamentação quase conseguiu impedir a “mudança”. O sarro do regime salazarista e uma tradição de liderança tóxica quase conseguiram neutralizar a proposta de abertura democrática contida na lei.  

Uma regulamentação baseada em critérios de natureza técnico-administrativa (e burocrática) mantinha as escolas sob um controlo autoritário destituído de fundamentação científica e até mesmo contrário à lei. Disso era exemplo o contraste entre o teor da regulamentação e o disposto no artigo 48º (inicialmente, o 45º) da Lei de Bases do Sistema Educativo. Se não, vejamos:

“Artigo 48.º da Lei de Bases do Sistema Educativo – Administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino.

1 – O funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino, nos diferentes níveis, orienta-se por uma perspectiva de integração comunitária, sendo, nesse sentido, favorecida a fixação local dos respectivos docentes. 2 – Em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as características específicas de cada nível de educação e ensino. 3 – Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa. 4 – A direção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino. 5 – A participação dos alunos nos órgãos referidos no número anterior circunscreve-se ao ensino secundário. 6 – A direção de todos os estabelecimentos de ensino superior orienta-se pelos princípios de democraticidade e representatividade e de participação comunitária. 7 – Os estabelecimentos de ensino superior gozam de autonomia científica, pedagógica e administrativa. 8 – As universidades gozam ainda de autonomia financeira, sem prejuízo da ação fiscalizadora do Estado. 9 (…).”

Nos idos de vinte, sabíamos que, nas decisões de política educacional, deveriam prevalecer critérios de natureza pedagógica, científica. A lei era explícita, mas era contrariada por uma regulamentação retrógrada, autoritária”.  Em próximas cartas (se tiverdes paciência para com este vosso avô) poderei tecer alguns comentários a propósito da “ação fiscalizadora das lideranças toxicas”.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCLXXXIX)

Tomar, 24 de outubro de 2041

Nos idos de vinte, as escolas careciam de espaços de convivencialidade reflexiva. Os professores careciam de procurar compreender que pessoas eram aquelas com quem partilhavam os dias, quais são as suas necessidades (educativas e outras). Seria preciso cuidar da pessoa do professor, para que ele se visse na dignidade de pessoa humana e visse os outros educadores como pessoas. 

Seria preciso saber fazer silêncio “escutatório”, fundamento do reconhecimento do outro, rever a nossa necessidade de desejar o outro conforme a nossa imagem, respeitá-lo numa perspectiva não-narcísica, ou seja, aquela que respeita o outro, o não-eu, o diferente de mim, aquela que não quer catequizar ninguém, que defende a liberdade de ideias e crenças. Isso também seria um caminho para a inclusão. 

Sempre que um professor se assumisse individualmente responsável pelos atos do seu coletivo… incluía-se. Mas, nas escolas, tardava o reconhecimento da divergência, da dessemelhança, enquanto abundavam exemplos do “faz de conta da inclusão” (escolar e social). 

La Rochelle dissera que a cidade não era a solidão, “porque a cidade aniquila tudo quanto povoa a solidão – a cidade é o vazio”. Isso mesmo: um vazio com raízes que eu buscava esclarecer. E compreendi que os obstáculos que uma escola encontrava, quando aspirava a práticas de inclusão, eram problemas de relação. 

Certa vez, fui fazer uma palestra, a convite de uma escola, que se dizia “construtivista e inclusiva”. Aguardei na sala dos professores a chegada do primeiro intervalo. Acidentalmente, escutei conversas sobre alunos “incluídos”:

“Tem algum jeito, colega, que os deficientes, agora, também venham para o 2º ciclo? Puseram dois incluídos na turma a que dei aula. Ficam o tempo todo lá no fundo da sala, que eu não tenho preparação para trabalhar com deficientes!”

O encontro com a Direção da escola ficara marcado para a tarde. Percorri espaços da escola. Ninguém me perguntou ao que eu ia, nem quem eu era. Presumo que me tivessem tomado por um dos muitos professores, que por lá havia. Da biblioteca à cantina, da reprografia ao bar, do recreio à sala dos professores, me assustei com a desorganização, me irritei com a indiferença de docentes, que testemunhavam agressões entre alunos, sem esboçar o mínimo gesto de intervir para as sanar. 

Desviei-me de objetos, que cruzavam o ar, num espaço polivalente imerso no caos. Escutei impropérios, assisti a humilhações a que auxiliares foram sujeitas. Vi um pai ser recebido, de pé, no meio de um átrio, e ser repreendido, aos gritos, por uma professora (decerto a diretora de turma). E vi alguns “diferentes” segregados, numa sala de “Necessidade Educativas Especiais”. 

A observação ocasional cessou, a partir do momento em que uma funcionária me interpelou. Tendo identificando o “Senhor do Conselho Nacional de Educação”, correu e chamar a “Senhora Presidente do Conselho Diretivo”. A partir desse momento, apenas vi o que me foi permitido ver. 

Em nome da “inclusão”, assistia a muita aparência, identificava muita discriminação. Ainda nem os professores tinham sido “incluídos” e, talvez por isso, perguntassem a uma mãe: 

“O seu filho é TDA, não é?”

A mãe não percebeu o que a sigla queria dizer, claro está. E para os leigos, devo acrescentar o seu decifrar: “transtorno de déficit de atenção”. Ou pior: 

“O seu filho não é fichinho, pois não? Eu acho, minha senhora, que ele vai ser hipercinético! É melhor levá-lo a um psicólogo.” 

E, entre a Ritalina e a mesmice de uma escola organizada para os “normais”, se tentava mitigar a “diferença”.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCLXXXVIII)

Avelar, 23 de outubro de 2041

O prometido é devido… concluo a narrativa começada na cartinha de ontem. Estava eu questionando o Tito (ou Titinho, como ele desejava ser chamado):

“Está bem, Tito. Eu sei. Mas, por que nada fizeste, desde que chegaste? Olha para os teus colegas. Pergunta-lhes como se estuda nesta escola. Diz-me por que não te vejo estudar.”

De nada adiantou. Retomou a cantilena:

“Você não sabe?” 

“Não, não sei.”

“Na outra escola, eu também não fazia nada.”

“Ai não?”

“Não. Só quando a professora especial lá ia é que eu fazia uns joguinhos.” 

“Ai sim?”

“É. Está a ver? Eu não fazia nada. E você não me pode obrigar” 

Esgotada a paciência, o professor interrompeu-o: 

“Por que que não fazias nada, na outra escola?”

“Você não sabe?”

“Já te disse que não. 

É que eu sou disléxico.”

“Tu és disléxico? Eu sou Luís! 

Ficou de boca aberta e sem tempo para retorquir. Imaginava o professor Luís o que se estaria a passar naquela cabecinha: 

“Então este professor não saberá o que é um disléxico?”

É evidente que o professor sabia. Tanto sabia, que o Titinho – entretanto promovido a Tito pelo grupo – foi fazendo exercícios que o ajudaram a ultrapassar algumas dificuldades. Fez o trabalho que o grupo o ajudou a fazer (a pressão social justa e fraterna resulta sempre), apesar de “trocar umas letrinhas”, como depois comentou, pedindo desculpa pelo que não devia pedir. 

Perante a afável autoridade do professor e a persuasão exercida pelos colegas do grupo, restava ao Tito escolher entre duas atitudes: ou estudava, ou estudava. Escolheu… estudar. Naquela escola, não havia autoritarismo, nem permissividade – havia autoridade. E, ali, qualquer outro “disléxico” inteligente optaria por decidir… estudar. 

Nunca será demais voltar ao assunto, para lembrar que, apesar da teoria e contra ela, a realidade nos dizia que, desde há séculos, em educação, tudo estava escrito e tudo continuava por concretizar. Nunca será demais falar de inclusão. Nunca será demais lembrar que os projetos humanos careciam de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica clara, baseada no saber cuidar, no conviver com a diversidade. 

A chamada Educação Inclusiva não surgiu por acaso, nem era missão exclusiva da Escola. era um produto histórico de uma época e de realidades educacionais suas contemporâneas, uma época que requeria que se abandonasse muitos estereótipos e preconceitos, que exigia que se transformasse a “escola estatal” numa “escola pública” – uma escola que a todos acolhesse e a cada qual desse oportunidades de ser e de aprender. 

A reelaboração da minha cultura profissional isolou as raízes de uma instituição geradora de vazios. Tive a oportunidade de experienciar, praticar a proposta contida na Declaração de Salamanca. Outros não tiveram essa sorte.

No primeiro dia do Tito naquela escola, uma situação o marcou o e o fez mudar de atitude. À chegada, pendurou a mochila, atirando ao chão mochilas de colegas. O professor chamou-lhe a atenção. O “disléxico” respondeu: 

“Não são minhas!”

Pois! Aquelas mochilas não eram dele. Mas, perante o semblante carregado do professor e a interpelação, o Tito apanhou-as do chão e as pendurou nos respectivos cabides. 

A mãe do Tito chegou, ao final do dia. Retirou do cabide a mochila do filho, provocando a queda de outra mochila, pendurada num cabide adjacente. 

O professor fitou a senhora, insistentemente. Apercebendo-se da recriminação no olhar do professor, a senhora exclamou: 

“Não fui eu!”

O professor afastou-se, sem dizer palavra, refletindo sobre as dislexias familiares, que faziam a infelicidade de muitos Titinhos.

 

Por: José Pacheco

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Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCLXXXVII)

Vila Nova de Poiares 22 de outubro de 2041

Diz-nos o dicionário que dislexia é “perturbação que provoca dificuldades ou incapacidade de compreensão de leitura e escrita”. É causa de fadiga e causa de problemas escolares. Mas de outras “dislexias” vos falarei a seguir. 

Volto ao questionável ato de rotular e tratar alunos como “deficientes”. Trago-vos dois episódios, que podem ilustrar uma realidade oculta. Há fenómenos de incomunicabilidade nas nossas escolas, cuja responsabilidade não deve ser imputada somente às escolas. 

A Bárbara era uma aluna dita “portadora de dislexia”. A Bárbara “portava” dislexia, como quem “transportava” uma mochila. A professora “especial” passava pela sala de aula da Bárbara, duas vezes em cada semana. Dizia: 

“É a minha aluna incluída.”

Foi o que escutei da boca da professora dita de “educação especial”. Mas, lá foi acrescentando:

“Confesso que não sou especialista em dislexias e, portanto, pouco poderei ajudar a professora da Bárbara.”

Até aqui, até poderei desculpabilizar a professora “especial”. Ela discriminava, marginalizava, excluía a Bárbara, ao trabalhar com ela, à margem da aula, dentro da sala de aula, ou num gabinete, onde “aplicava umas fichas” (sic). Mas, creio que assim agia inconscientemente. Nem a Declaração da Conferência de Salamanca tinha sido inventada (nela se dizia que o “especialista” deveria trabalhar em equipe). A professora “espacial” nem sequer conversava com a “titular da turma” (outra curiosa designação da professora da Bárbara). Apenas tivera ensejo de um breve dialogar, no decurso de uma reunião. E se referia à professora da turma do seguinte modo:

“A professora do “regular” diz que faz o que pode, mas que não se espere milagres, porque, com dezanove alunos mais uma “disléxica” na sala, o tempo não chega para tudo.”

A meio de uma manhã, em que já havia interrompido a aula uma dúzia de vezes, para chamar a atenção dos “distraídos” e dos “indisciplinados”, a professora assim se dirigiu “disléxica”: 

“Vais ficar sem recreio, porque eu não consigo ler o texto que escreveste!” Resposta pronta da Bárbara: 

“Professora, tu não consegues ler, mas eu consigo!” 

A Bárbara era disléxica, mas não era parva. 

A dislexia existia, a difícil situação defrontada pela professora era real. Havia necessidade de identificar a dislexia a tempo, de modo a que não se convertesse, definitivamente, num obstáculo ao sucesso escolar e à realização pessoal. E, muito mais do que identificá-la, era imperioso que um especialista, no seio de uma equipa, desse resposta às Bárbaras.

Há casos e casos, e bem diferente é o caso do Tito, do Titinho, como a extremosa mamã o chamava. Chegou à nossa escola, acompanhado de um processo com cinco centímetros de altura. Eram relatórios de psicólogos, mais os dos pedopsiquiatras, mais os relatórios das professoras de educação especial, mais os dos médicos… Veredicto: “disléxico”. 

Tratamento: dois anos sob orientação de uma professora “especial” mais três anos a pastar fichas, no fundo da sala, porque a professora regular não era “entendida em dislexias”. 

Uma semana de ociosidade após a sua chegada, o professor aproximou-se do moço: 

“Então?… Desde que chegaste, ainda não fizeste nada. Por quê?

O aluno não estava diagnosticado de autista, mas não deu troco. O mestre insistiu: 

“Posso saber porquê?” 

O moço fez ouvidos de mercador. 

“Não me ouviste? Posso saber porquê, Tito?” 

Aquele mocetão quase a fazer doze anos de idade, enfim, reagiu: 

“Eu sou Titinho! Não sou Tito! Você não sabe? E eu sou disléxico.” 

(esta estória continua na próxima cartinha)

 

Por: José Pacheco

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