Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCXCII)

Vale Serrão, 27 de outubro de 2041

Recebi do amigo João a seguinte mensagem:

“Bom dia, José! Tenho de partilhar consigo a conversa desta manhã. Estávamos a falar em aniversários de instituições e as consequentes festas, e a Francisca diz algo como:

“Que sortudos! Na minha escola não há nada disso!”

Ao que o Salvador responde:

“Se calhar não fazem festas na escola, porque ela já morreu!”

Palavras sábias. O João sabia que apenas os loucos e as crianças falavam verdade e que a velha escola morrera, embora ficasse por sepultar. Para se justificar a si própria, ela se servia de lideranças tóxicas, figuras sinistras, que submetiam os professores ao aulismo, ao preenchimento de “papelada”, à participação de corpo presente em fastidiosas reuniões. 

Recordo-me de ter escutada de um ético secretário de educação (que também os havia, nesse tempo) a seguinte exclamação:

“Professor Pacheco, desde o início do meu mandato, já fiz centenas de reuniões. Esta é a primeira em que se fala de pedagogia.”

A escola mantinha-se cativa de velhos e anacrônicos rituais, enquanto se revestia de reformas reformadas e se enfeitava de projetos pseudo-inovadores. No tempo em que eu ainda andava pelas europas da educação, escutei pela enésima vez, alguém dizer que as universidades e os “especialistas” em ciências da educação estavam empenhados em conceber uma “Educação do Futuro”. Quando calhava de alguém me convidar para participar em congressos, que glosavam essa mítica educação, eu agradecia o convite, mas o declinava. 

Por esse tempo, com outros educadores, pugnava por uma “Educação do Presente”, à medida de necessidades sociais do século XXI. Com eles aprendi o exercício da solidariedade, cultivei amizades, ajudei a inovar.

No outubro de há vinte anos, a dedicação do Mauro e da Valéria à causa das crianças dera frutos. Esses incansáveis românticos conspiradores não esperavam pela “Educação do Futuro”, que parecia nunca mais chegar ao presente. Com extremo cuidado e generosidade, prepararam um encontro de gente ousada. 

O “Décimo Encontro Nacional dos Românticos Conspiradores” era anunciado. E, se existia alguém sensível, ao ponto de não conter as lágrimas face a à beleza de singelos gestos, esse era o meu amigo André Corrêa, que assim celebrava o Dia do Professor e a chegada do “X ENARC”:

“Como a gente chama o sentimento de encontrar alguém que amamos, mas que nunca vimos sem ser pelo computador? Não pode ser saudade. Não é rever. É ver pela primeira vez. Não é reencontro. O que é? É passar o Dia dos Professores em um encontro com gente da melhor qualidade, construindo uma nova educação.”

No decurso do encontro dos românticos conspiradores, da romântica Conceição das “Novas Rotas” recebíamos esta bela mensagem: · 

“Aproveitando a última chuva de estrelas, juntámo-nos para as ver… E, com este momento, enlaçámos esperança, incendiámos curiosidades, agradecemos relações, cultivamos colaborações.”

Num congresso dos idos de vinte, irritei-me com o etnocentrismo e a arrogância de alguns professores europeus. Pretensiosamente, afirmavam que só o Norte produzia inovação. Instalou-se a confusão no gabinete da tradução simultânea, quando lhes respondi, num português abrasileirado:

“Se cuidem! Preparai-vos, caros colegas, para a chegada de um tsunami educacional, que irá varrer o hemisfério norte e virar o rumo da educação.” 

Muitos aos antes, Alain Tourraine lançara um alerta: 

“Ou a crise acelera a formação de uma nova sociedade, ou vira um tsunami que poderá arrasar tudo pela frente, pondo em perigo a nossa própria existência no planeta”.

 

Por: José Pacheco

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