Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCIV)

Carvalho, 9 de novembro de 2041

O vocábulo “mudança” está associado à ideia de passagem, evolução, transformação. Poderá ocorrer em culturas, organizações, estruturas, comportamentos, práticas sociais, instituições. 

Mercê da multiplicidade de conotações do termo mudança e de condicionalismos da sua concretização, as ciências da educação criaram o conceito de “resistência à mudança”. Porém, uma instituição chamada “Escola” terá sido criada para contrariar o poeta que dizia ser o mundo “composto de mudança, tomando sempre novas qualidades” – o conceito era, frequentemente, usado para legitimar inércias. 

Fazendo um breve ponto de situação, tendo por referência projetos emanados do ministério da educação de Portugal, que em nada diferiam da realidade brasileira, sabíamos, por exemplo – bastava consultar os dados estatísticos que o ministério divulgava – que o insucesso escolar era absurdamente elevado. Apesar dos projetos, dos programas prodigamente lançados e das tentativas de reformas velhas de décadas. já sabíamos que, em cada ano letivo, milhares de alunos reprovavam, ou não conseguiam transitar de ciclo. 

Já sabíamos que o ensino secundário reprovava um terço dos seus alunos e que, no final do décimo segundo ano, cerca de metade ficava à porta da universidade. E que, na universidade, apenas 3% dos alunos teriam um “percurso limpo de reprovações”  

Naquele tempo, a reprovação atingia quase um quarto dos alunos do sétimo ano e quase metade do décimo. No segundo ano, acontecia uma primeira degola dos inocentes. A taxa de retenção e desistência passava de 7,8 por cento, no quarto ano de escolaridade, para 14 por cento, no quinto. Já sabíamos que pouco ou nada melhorara, desde meados da década de 90. Éramos profundos conhecedores do drama. 

Em 2021, fiquei no território pátrio por alguns meses. Previa que as estatísticas apresentassem uma evolução positiva. Que os alunos dos cursos tecnológicos e artísticos, à semelhança do que acontecia com os dos profissionais, apenas tivessem de fazer exames nacionais, se quisessem ir para a universidade. Esperava que não sucedesse a “natural” inflação nas notas, acaso o ministério insistisse no disparate de os pais virem a participar na avaliação dos professores. Mas que, finalmente, estes pudessem ser avaliados.

Fiquei a saber que, enquanto eu vivera num voluntário exílio, o ministério aprovara mais algumas regras de avaliação. Entre as inúteis medidas ministeriais, previa-se a obrigatoriedade de as escolas realizarem planos de recuperação dos alunos que terminassem o primeiro período letivo com três ou mais negativas, bem como o acompanhamento dos alunos que, mesmo assim, viessem a reprovar. Mais do mesmo, à semelhança dos inúteis e pedagogicamente disparatados “planos de recuperação” engendrados no final de uma pandemia.

Tomei consciência da triste situação, quando me convidaram para “palestrar” num seminário, lado a lado com dois funcionários do ministério. Disso espero poder falar-vos em próxima cartinha. Por agora, apenas algumas considerações.

Os governos sucediam-se, só o insucesso e as medidas avulsas não variavam. As propostas eram de desculpabilização curricular, sempre remediativas, não logravam atingir o âmago do problema. 

Há mais de meio século, vinha escutando as ladainhas dos ministérios e das corporações. Ao longo de dezenas de anos, conheci professores que acreditaram em boas intenções. Vi professores éticos destruídos por professores cínicos. Mas, apesar dos pesares, voltei a Portugal, na intenção de escutar e ajudar.

 

Por: José Pacheco

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