Sabugueiro, 21 de novembro de 2041
Solidão era a qualidade de quem vivia só. E eu desejava que a profissão de professor se transformasse de solitária em solidária. As cifras do insucesso escolar reveladas pelo ministério nada nos diziam sobre o insucesso pessoal e social. Mas, adivinhava-se.
A solidão dos professores era causa de infelicidade e efeito da racionalidade que subjazia ao tradicional modelo de organização das escolas. Quando a essa solidão juntávamos a das famílias, apercebíamo-nos da dimensão da tragédia. Como diria um professor meu amigo, “as escolas não fazem milagres!”
Para ilustrar os caminhos que levavam à solidão, deslocarei o problema das escolas para famílias submersas na incomunicabilidade. Antes, farei o justo contraponto com famílias onde, efetivamente, se educava.
Quando a mãe disse à Bia para arrumar os brinquedos, a pequena respondeu:
“Tenho soninho.”
Com amorosa autoridade, a mãe olhou a Bia. E a Bia arrumou.
O Nelinho espalhou os seus brinquedos pela sala. Acabada a brincadeira, sentou-se, agarrado ao ifone da mãe. O pai do Nelinho ordenou-lhe que arrumasse os brinquedos. Logo a mãe do Nelinho atalhou:
“Deixa para lá, Gastão! Não vês que o nosso menino está com sono? Coitadinho! Não vês?”
O pai ainda tentou tirar o ifone das mãos do filho. Em vão. A criança resistiu, gritou, esbracejou. E a mãe interferiu:
“Gastão, não sejas autoritário. Deixa o nosso filho em paz!”
O Gastão insistiu, mas com pouca convicção na voz:
“Vá lá, Nelinho, apanha. Apanha, pelo menos, os brinquedos que estão no tapete.“
Mas, o Nelinho já tinha recolhido aos braços protetores da mamã. E foi o pai quem os apanhou.
Quando os “coitadinhos com soninho” chegavam à idade de ir à escola, comportavam-se de acordo com um padrão umbiguista, sedimentado em anos de permissividade e solidão. Quando já tinha idade para deixar de “ter soninho”, o Nelinho divertia-se a empurrar colegas mais pequenos, até que um aluno mais franzino se feriu.
Uma professora interveio e repreendeu-o. O jovem replicou:
“Quem é você para me falar assim?”
Ato imediato, pegou no seu ifone de última geração e ligou para o papá:
“Tenho aqui uma parva a chatear-me!”
O papá foi em seu auxílio. A diretora da escola particular recebeu-o. O Gastão apresentou queixa contra a professora. A queixa foi acolhida pela diretora. A professora sofreu uma repreensão por escrito.
Os professores pouco, ou mesmo nada, podiam fazer perante tais desmandos. Alunos, que cresciam sozinhos, iam juntar-se a professores sozinhos, num drama que se eternizava. Muitos educadores denunciavam o carácter solitário da profissão de professor, apontavam neuroses daí resultantes. Urgia criar um clima de respeito mútuo, que somente poderia resultar de relações justas, equilibradas. Se Freire denunciava o “gozo irrefreável e desmedido pelo poder”, certo era que muitos docentes enveredavam pela permissividade, perdendo, por completo, condições de educar.
Como vimos, no exemplo da (má) educação do Nelinho, não era raro que pais e alunos agissem no desrespeito pelos professores dos seus filhos. A situação degradava-se a olhos vistos. Práticas negligentes e autoritárias se perenizavam. Até ao ponto de diretores e professores introduzirem exercícios de concentração e relaxamento, meditação, yoga e práticas afins nas salas de aula. De pouca valia foram tais práticas. No Brasil, eram frequentes as ameaças e as agressões verbais e físicas. Muitos professores foram afastados, devido a transtornos mentais, ou comportamentais.
Vos direi como essa grave situação foi ultrapassada.
Por: José Pacheco
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