Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCXVI)

São Sebastião da Giesteira, 23 de novembro de 2041

No mês de abril de 1990, Paulo Freire assim se dirigia ao seu amigo Malaguzzi: 

“O menino eterno pede-me, antes de eu retornar ao Brasil, que escreva algumas palavras dedicadas às meninas e aos meninos italianos. Não sei se saberia dizer algo novo a tal pedido. O que poderia dizer ainda aos meninos e às meninas deste final de século? Primeira coisa, aquilo que posso dizer em função de minha longa experiência neste mundo, é que devemos fazê-lo sempre mais bonito. É baseando-me em minha experiência que torno a dizer: não deixemos morrer a voz dos meninos e das meninas que estão crescendo.” 

Regressado ao Brasil, após um longo exílio, Freire ainda realizou algumas viagens. E, nesse distante abril, com essa terna mensagem, se despedia de uma escola e um país

Também por essa altura, a sua filha Fátima se despedia dos alunos e professores da Escola da Ponte, usando palavras ternas. Uma década mais tarde, partilhei com a Madalena Freire algumas mesas de congressos, confirmando o que já sabia – Freire era um ser humano sensível, amoroso. E essas caraterísticas estavam impregnadas na sua descendência. 

Ainda nessa década, a minha amiga Elô rumou à Itália, para conhecer o cotidiano e compreender o projeto reggiano, bem como para cursar o Master em Coordenação Pedagógica. Depois de um ano letivo de fortes experiências, Por lá, se reencontrou no freiriano espírito e voltou com novas perguntas e vontade de partilhar aprendizagens. 

Nos primeiros anos deste século, a Elô considerou oportuno divulgar essas aprendizagens na forma de livro, para que outros educadores pudessem usufruir dos valiosos contributos colhidos em Reggio. E um educador português (freiriano, graças a Deus), que escolhera o Brasil como mátria anunciadora de uma nova educação, a ela se juntou na redação de um livrinho, que narrou o aparecimento de uma nova construção social de educação. 

Esse livrinho foi publicado na Europa, após cinquenta e quarenta anos da gênese de duas novas construções socais de aprendizagem. Mais tarde, os educadores brasileiros puderam olhar por dentro duas escolas, que operaram uma ruptura profunda relativamente ao modelo de escola do século XIX. E, in loco, tiveram ensejo de refletir sobre os seus eventuais contributos para conceber uma nova educação. 

As escolas municipais de Reggio Emilia e a Escola da Ponte foram fundadas respectivamente nas décadas de 1960 e de 1970 do século XX. Por que razão essas escolas ganharam visibilidade no mundo da educação? Por que razão muitos educadores brasileiros visitaram essas escolas? Por que fizeram a leitura de livros sobre essas experiências pioneiras?

Foram inúmeras as “peregrinações pedagógicas” (nas palavras do sociólogo espanhol, Mariano Enguita). Esses projetos ganharam relevo por se tratar de experiências que operaram, uma profunda ruptura com o paradigma-suporte de um conhecido e velho modelo de escola. Objetivos “audaciosos” representavam coerência com a existência da escola anunciada pelos escolanovistas. 

Afinal, se ela não existisse, para que todos aprendessem a seu modo, qual seria a sua finalidade? Por que ainda havia professores, que fingiam que ensinavam e se contentavam com a aprendizagem apenas de alguns dos seus alunos? Cadê a sensibilidade e a amorosidade freiriana?

Não era difícil compreender o motivo pelo qual os projetos da Ponte e de Reggio se tornaram tão conhecidos e pesquisados. Eles deram lugar a experiências de aprendizagens, em diálogo com o mundo real, repensando a escola, sua finalidade e seu lugar social.

 

Por: José Pacheco

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