Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCXXI)

Costa da Caparica, 28 de novembro de 2041

Se a família terceirizava a educação dos seus filhos e a escola não ensinava, uma sociedade doente considerava normal que assim fosse. Diziam que o Freud que tudo explicaria. Mas, dessa feita, quem explicava era o Schumpeter, quando nos dizia que “todo hábito, uma vez adquirido, afunda no subconsciente, transmitido pela educação”

Talvez por isso, a crença nas virtudes da velha escola mantivesse os professores na ilusão de uma possível melhoria do sistema. Que estranha loucura se apossara dos educadores, que acreditavam ser possível ressuscitar um cadáver em decomposição!

O século XX conhecera múltiplas iniciativas de melhoria, todas em vão. As “reformas” saldavam-se por retrocessos. O tempo da velha escola acabara, mas, os professores pareciam não perceber o que. Henry Adams afirmara:

“O professor se liga à eternidade; ele nunca sabe onde cessa a sua influência”. Os professores da velha escola já nem conteúdos conseguiam transmitir – poder-se-ia aceitar, por exemplo, a reprovação de alunos com 100% de assiduidade? Pediam à velha escola que educasse para o consumo e a saúde, mas ela engendrava inadimplentes e obesidade mórbida. Pediam que fizesse educação sexual, e alunas eram estupradas no trote de uma universidade. Pedia-se à velha escola que educasse para a autonomia, e os professores cativos de uma platônica caverna, para onde uma “formação” deformadora os atirara, semeavam heteronomia. Competia-lhe “educar para a cidadania”, mas ela naturalizava violências. 

A velha escola tinha contribuído para a manutenção de uma crise moral, cujos escândalos alimentavam os noticiários. Por isso, o Cristóvão dizia ser necessário passar do discurso à indignação, num impulso de resgate ético e moral da sociedade. E que esse desiderato só seria possível de alcançar através da educação. 

Não mais uma escola, que condenasse milhões ao analfabetismo linguístico e social, assente numa competitividade nefasta e num sutil darwinismo social, uma escola que adoecia professores, produzia corruptos e reproduzia injustiça social. Nunca seria demasiado insistir na freiriana denúncia desse monstro, que um poder público irresponsável continuava a alimentar. 

A que se deve esta súbita “fúria” de velho professor, esse chorrilho de metáforas? – perguntareis.

Porque, queridos netos, mesmo denunciado, o cadáver adiado continuou a fazer vítimas. Presumia-se que a velha escola promovia educação ambiental, mas a educação que ela promovia destruía ecossistemas, ateava incêndios devoradores de florestas. 

O meu amigo Zé Ronaldo sempre sonhou com uma nova escola nas terras de Minas Gerais. Freirianamente, acreditava que a escola poderia mudar as pessoas, mutatis mutandis, mudaria a sociedade. Acompanhei a sua labuta, com ele aprendi a amar o verde-esperança da serra que ele tanto amava. 

A floresta da Serra de Carrancas estava a arder, há já dois dias. O meu amigo Zé Ronaldo foi ajudar a combater o incêndio, que a ignorância, a incúria e mãos criminosas atearam. O seu corpo sofreu queimaduras graves. O meu amigo Zé Ronaldo morreu sem ver realizado o seu sonho de uma boa educação em Carrancas e no mundo. Os seus companheiros saberiam honrar a sua memória?

Por que será que o vosso avô ressuscita pecados velhos? Porque o Vergílio Ferreira deixou escrito num dos seus livros:

“Escrevo porque o erro, a degradação e a injustiça não devem ter razão. Escrevo para tornar possível a realidade, os lugares, tempos, pessoas que esperam que a minha escrita os desperte do seu modo confuso de serem.”

 

Por: José Pacheco

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