Feijó, 29 de novembro de 2041
No Portugal da década de 1970, no dia seguinte a um ato eleitoral, participei de um encontro de professores. Não conseguia evitar que houvesse momentos de discussão dos resultados. Exerci a prerrogativa de moderar o debate, formulando uma pergunta:
“Caros colegas, não quero que me digais qual foi o vosso voto, pois é secreto, mas que citeis propostas dos candidatos, que tenham influenciado a vossa escolha.
O silêncio foi a resposta. E voltamos ao trabalho…
Nas semanas anteriores a este episódio, no decurso do ato eleitoral para a Assembleia da Escola, os jovens da Ponte analisaram as propostas (as “promessas”) das diversas “chapas” e as debateram. Para terem direito a votar, teriam de provar conhecer as “promessas”.
Um jovem de oito anos, candidato à presidência da Assembleia, ofereceu balinhas aos colegas. Quando um dos jovens acabou de depositar o seu voto na urna, eu perguntei:
“Votaste no colega que te ofereceu as balinhas?”
O jovem respondeu:
“Professor Zé, eu aceitei as balinhas, que ele me ofereceu, mas não votei nele. Porque não concordo com as “promessas” que ele fez. E, também, porque ele andou a oferecer balinhas”.
Na semana que precedeu o ato eleitoral de outubro, gastei muito tempo a tentar conciliar amigos, que se gladiavam por via de diferentes opções de voto, crentes de que o exercício da democracia se esgotava no ato de votar. Visitei escolas onde alunos com capacidade eleitoral discutiam no nível mais baixo do senso comum. No final da tarde, expus a minha preocupação aos professores. Enjeitaram responsabilidade, referindo a existência de “uma hora semanal de educação para a cidadania no contraturno”. Talvez esses professores não soubessem que não se educa para a cidadania, mas que se educa na cidadania, no exercício de uma liberdade responsável.
Diz-se que o Brasil padece de resquícios de coronelismo, de escravagismo, do sarro de ditaduras. Talvez! Mas, algo mais determina atitudes como aquelas que presenciamos no decurso da campanha eleitoral e que motivaram o “desabafo” de um prefeito, de quem tenho recebido lições de cidadania:
“Assisti aos debates e fiquei estarrecido. Uma vergonha, tamanho baixo nível. Mas, não estou aqui só pra reclamar. Lembro-me de quando era adolescente, que não podia falar mal do governo, com medo de ser preso e torturado. Hoje nossa democracia se fortaleceu e o que o Brasil precisa é de uma revolução ética. O jeitinho brasileiro tem que acabar, somado a esse vicio de degradar o concorrente em vez de espalhar virtudes ou ideais em que acreditam”.
Após as excitações eleitoreiras, a crise moral permaneceu e acentuaram-se os contrastes: cidades sem água, versus a Cantareira se esvaindo em vazamentos nas tubagens; pobres poupando o precioso líquido, para usufruir um bónus na fatura, versus condomínios de luxo enchendo piscinas; o aluno que vai para a escola sem uniforme, porque não há água para lavar roupa, versus uma escola onde se lava a calçada com jatos de água.
Antes e depois de eleições, o velho modelo de escola ia produzindo ignorância, reproduzindo injustiça, aprofundando o déficit democrático. Não existia democracia plena, se não houvesse aprendizagem da democracia nas escolas.
No fazer da minha parte, acompanhava educadores conscientes da necessidade de uma educação na cidadania, insistia na busca de projetos de erradicação da velha escola. Encontrei muitos. Cada qual a seu modo, alimentavam a minha esperança num Brasil melhor, na possibilidade de poder viver num país mais justo, mais fraterno, numa verdadeira democracia.
Por: José Pacheco
414total visits,2visits today