Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCXXXVI)

Vila Real de Santo António, 16 de dezembro de 2041

Nos idos de noventa, estando o vosso avô no Conselho Nacional de Educação, coube-lhe redigir um “Parecer” sobre uma proposta de lei. Dessa proposta constava a introdução de uma disciplina e de aula semanal de “educação para a cidadania”. Entre outras considerações, perguntei ao ministério (o autor da proposta) se os alunos só poderiam ser cidadãos uma hora por semana. Na aula de matemática haveria algum exercício de cidadania? E numa atividade extracurricular?

Jamais obtive resposta. As escolas confinaram a ensinagem de cidadania numa aula semanal e uma efetiva educação democrática, cidadã, ficou adiada para as calendas.

Enquanto isso, na Ponte (já cá faltava…) em cidadania se aprendia cidadania. No exercício de uma liberdade responsável, usávamos dispositivos de respeitoso relacionamento. E, todas as sextas-feiras, as crianças realizavam uma reunião de Assembleia.

Alguém nos questionou, nestes termos:

“Gostaria de saber como se dá a organização da assembleia. Os alunos recebem convite formal, ou se organizam espontaneamente? Como vocês conseguem fazer com que o aluno participe?”

Eis a resposta:

“Todas as semanas, a Mesa de Assembleia reúne, faz uma recolha de propostas de assuntos e elabora uma convocatória, informando todos os professores, alunos, pais, funcionários e visitas da hora, dos assuntos agendados e do local onde a reunião da Assembleia se vai realizar.

A participação dos alunos varia em conformidade com o interesse e a forma como os assuntos são apresentados. A Mesa de Assembleia tenta incentivar a participação de cada aluno nas reuniões”.

As ideias são como as cerejas. E logo outra pergunta surgiu:

“Como preparam os alunos para as assembleias? Fico apavorada em pensar que não conseguiríamos que nossos alunos (de colégio…) ouvissem, discutissem.

Estou indo amanhã para SP, passar o dia na Desembargador Amorim Lima. Estudo sobre a Ponte e estas duas escolas, desde o ano passado. Tenho tentado preparar meus professores para a mudança de nossa proposta pedagógica e vocês devem imaginar a minha dificuldade (resistências de toda a sorte). Pergunto: vocês acreditam que seria possível uma mudança gradativa? Ou, como disse a Ana Elisa: “Pensei que poderia, mas de repente, me vi derrubando as paredes!”

Já estou implementando algumas mudanças, mas, às vezes, me sinto impotente diante de tantas dificuldades que o corpo docente apresenta (fiquei aliviada em saber que também a Ponte ainda passa por estes momentos).”

Resposta:

“A Assembleia já faz parte da cultura da escola. Existe toda uma vivência política para a efetivação das assembleias. No início do ano, os alunos passam por uma espécie de eleição, onde devem escolher algumas listas (chapas) formadas por alunos de diferentes idades. Essas listas pensam em propostas, para melhorar a escola. A partir dessa eleição, é formada a mesa da assembleia com o devido presidente. A organização fica a cargo do “Grupo de Responsabilidades”, acompanhado por dois professores. Esse grupo define a pauta, quem será responsável pela ata e refletem sobre as posturas necessárias para o bom andamento das reuniões.

O que podemos aprender com a experiência é a necessidade de espaços democráticos, para que se possa pensar coletivamente. Algumas escolas no Brasil já fazem assembleias de classe, o que é um ótimo caminho. Do que precisamos é de ter a coragem de mudar. Enxergar os desafios enfrentados pela Ponte talvez vos ajude a compreender que ela tem a prática democrática como impulsionadora de mudanças.”

Por: José Pacheco

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