Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCXXXVIII)

Praia Verde, 18 de dezembro de 2041

Nesta cartinha, ainda vos falarei sobre a cidadania que se fazia na Ponte dos idos de setenta, partindo de interrogações de quem nos visitava.

“Os alunos que chegam de um modelo tradicional de ensino costumam não entender a linguagem e a prática da liberdade, que se usa na Ponte. Usa-se a autoridade, e gostaria de saber como isso é realizado. As regras da escola são colocadas logo no início, ou são realizados “acordos”, conforme o comportamento de cada aluno? Existe “premiação”? Como isso se dá na prática?”

Um professor da Ponte respondeu:

“As regras são propostas, debatidas e aprovadas pelos alunos, nas reuniões de Assembleia de Escola. A Mesa da Assembleia e a Comissão de Ajuda são as maiores responsáveis pelo seu cumprimento. Mas, todos se ajudam mutuamente, para que as regras sejam por todos respeitadas.

Não há “premiações”. Se um aluno cumpre as regras, não faz mais que a sua obrigação. O exercício da cidadania é obrigação pessoal e social.

É a autoridade (não o autoritarismo!) que suporta todo o desenvolvimento emocional, afetivo e sociomoral dos alunos. O carinho e a firmeza são administrados em doses variadas e com bom senso.

Como isso se faz é difícil explicar. Só vendo. Para além dos dispositivos e estratégias a que recorremos, a assunção da autonomia condimentada com a solidariedade e a responsabilidade continua, em muitas circunstâncias, a ser um mistério…

Existe diferença entre educar PARA a cidadania e educar NA cidadania. O professor Rubem Alves ficou impressionado com o fato de, nas reuniões da Assembleia, todos respeitarem a vez de o outro falar.”

Outro visitante retomou a questão anterior:

“É assim mesmo? Como é aprender isso? Quais os assuntos mais tratados nas assembleias?

E uma aluna da Ponte respondeu:

“A sua pergunta fez-me refletir muito sobre a filosofia da Escola da Ponte. Para ser sincera, tive algumas dificuldades em formular uma resposta digna de tal pergunta. Na Ponte, costumamos dizer que a Educação deve ser na cidadania, porque todos os alunos são cidadãos dotados de capacidades e de personalidade. O educar para a cidadania parte do princípio de que os alunos ainda não são cidadãos. Preparam-se os alunos para participar nas eleições, mas não participam em assembleias, por exemplo.

O fato de sermos vistos como alguém que, embora seja novo, é já uma pessoa com opiniões e ideias próprias, fez-nos crescer mais depressa e ganhar mais responsabilidade. Isto faz-nos sentir pessoas incompletas, que poderão vir a ser cidadãos, mas que não passam de um projeto disso.

O bom desta escola é que os deveres cívicos nos são “incutidos” de uma forma suave e não através da imposição. Ou seja, quando dizemos a uma criança que tem de fazer isto ou aquilo, ela recusar-se-á devido à sua tendência natural de quebrar regras impostas. Se lhe explicarmos a razão pela qual deve proceder dessa maneira, ela aperceber-se-á da importância de respeitar para ser respeitado. É assim que, na Escola da Ponte, aprendemos os valores que regem a vida em sociedade.

Os assuntos mais tratados em assembleia são, normalmente, relacionados com o funcionamento da escola (responsabilidades, direitos e deveres…)

A Ponte tem um especial cuidado em relação às crianças que vêm de outras escolas. Os orientadores educativos, os funcionários, mas também os alunos já residentes, dedicam bastante atenção aos novos colegas, ajudando-os a ambientarem-se a esta comunidade escolar e, também, aos círculos de amizade já existentes. Assim sendo, julgo que será fácil para os novos alunos a sua iniciação.”

 Por: José Pacheco

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