Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCXLVIII)

Fuzeta, 29 de dezembro de 2041

Os últimos dias do distante 2021 foram pródigos em boas notícias. E chegaram de onde eu não suspeitaria que viessem. Muitos empresários despertavam para a necessidade de substituir um marketing demagógico por uma boa qualidade da educação, e de juntar a intenção do lucro das empresas a uma efetiva melhoria da qualidade das aprendizagens. 

Eu, que já levava meio século de professor de escola pública, abominando a exploração que se fazia da ingenuidade pedagógica de famílias e professores, me rendi perante genuínas declarações de princípios. Reconhecia em alguns empresários senso crítico e abertura à mudança. Decidi escutá-los, com a atenção que mereciam.

O amigo Fernando – eu chamava amigo a quem era amigo das crianças – isto escreveu num site da antiga Internet:

“A pandemia trouxe à tona uma série de questões importantes dos estudantes da era digital em que vivemos. A primeira diz respeito ao enorme volume de conteúdos e aulas disponíveis on-line. 

Na minha época, as aulas eram longas e áridas, os alunos tinham que ficar quietos por cinquenta minutos, copiando o conteúdo da lousa ou anotando as falas da professora. E precisávamos aguentar isso por completa falta de opção. Se eu não aprendesse o conteúdo na sala de aula, não o aprenderia mais em lugar algum.

O mais incrível é que isso acontece ainda hoje: nossos filhos, algumas gerações depois, em plena Revolução Digital, ainda passam pela mesma experiência pedagógica dolorida todos os dias. No entanto, hoje, eles têm outras opções de aprendizagem. Basta entrar no YouTube e digitar “aula de qualquer coisa” e você encontrará instantaneamente inúmeras aulas, em diferentes formatos, tais como desenhos animados, músicas, aulas expositivas gravadas por professores e videodocumentários internacionais. São conteúdos muito engajadores, normalmente de curta duração, feitos, muitas vezes, por educadores e que retêm a nossa atenção, imediatamente. 

Para quê gastar tempo e dinheiro na escola, se você tem tudo isso em casa, de graça? A sala de aula tem de oferecer mais do que isso.

A segunda diferença tem que ver com a pandemia e o lockdown (…) cresceu de tal forma e por tanto tempo a profundidade do vínculo entre os jovens e os smartphones, iPads e computadores, que o padrão de interação deles com o mundo externo tornou-se essencialmente ‘figital’ (físico + digital).

Na volta às aulas presenciais, isso se refletirá no engajamento dos alunos dentro da sala de aula. Uma experiência pedagógica que seja exclusivamente analógica e em que os professores deem palestras áridas de conteúdo e não estimulem os alunos a criar, se comunicar, interagir ou criticar, será muito prejudicial ao aprendizado. Nessas circunstâncias, o corpo dos alunos estará presente, mas o cérebro, o coração e a alma estarão em outro lugar. 

O papel da escola na volta às aulas presenciais será esse: prover uma experiência de aprendizagem que vá além da repetição do conteúdo gratuito que está no YouTube e usar a tecnologia a serviço do engajamento e do aprendizado.”
O Fernando ainda falava de “aula”. Mas, o seu bom senso, o excelente trabalho realizado pela Letícia e alguns “papos” com o vosso avô o ajudou a ir além. Dando, aula, claro! 

Queridos netos, não vos esqueçais de que, quando o discípulo está pronto, o mestre aparece. Não jogávamos fora o velho instrucionismo com a água do banho… A “aula direta”, criada pela Ponte, na década de setenta (e reinventada pelo “ensino híbrido”, meio século depois) continuaria a existir. A mudança não aconteceria no vazio – assentaria na tradição.

 

Por: José Pacheco

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