Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXIV)

Malhão, 14 de janeiro de 2042

No já distante janeiro de 2022, em mais um périplo português, chegava a Vila do Conde e ao convívio com o amigo Ricardo e com os educadores do Colégio do Forte. Concluíra uma longa viagem por terras minhotas, onde escutara famílias preocupadas com o futuro dos seus filhos, conhecera uma nova e auspiciosa geração de políticos e gestores, onde ajudara educadores no esboço de uma nova educação. Voltava a esperançar

Mas, as notícias, que chegavam do Brasil, eram desanimadoras. Talvez a Natureza reclamasse dos maus tratos que lhe eram infligidos. A Bahia era castigada por chuvas torrenciais, que destruíram casas e cortaram vias de comunicação. No estado vizinho de Minas Gerais, a tempestade já causara dezenas de mortos. Em Itabirito, os bombeiros encontravam os corpos de uma família inteira, cuja viatura fora levada pela enxurrada. 

E a pandemia não tinha fim à vista. A Áustria decretara a obrigatoriedade de vacinação. Na Inglaterra, o Primeiro-Ministro corria risco de ser obrigado a renunciar ao cargo, por ter ido a uma festa, durante o confinamento. No Québec, o governo proibira a venda de álcool para não vacinados, e a busca por vacina subira 300%. E o ministro da Saúde referia que os agendamentos para receber primeira dose da vacina tinham quadruplicado antes mesmo de a medida entrar em vigor.

No Brasil desse janeiro, era evidente a incompetência dos governantes para lidar com problemas decorrentes da pandemia. O Distrito Federal atingia a maior taxa de transmissão, desde março de 2020. O índice constante de um boletim da Secretaria de Saúde mostrava que cada grupo de cem cidadãos transmitia a doença para, em média, mais de duzentas pessoas. Havia farmácias a suspender testes de Covid, por falta de estoque. E a voz autorizada de Miguel Nicolelis avisava:

“O retorno às aulas sem a imunização de crianças é absurdo”.

Esse neurocientista falava dos riscos aportados por uma nova variante do vírus. Em janeiro de 2022, o mundo sofria um aumento de casos. A variante “ômicron” causava quase três milhões de infecções por dia. O contágio exponencial da nova variante preocupava governos e obrigava a novas medidas, o surgimento da “ômicron” obrigava a adotar novas formas de isolamento. Em dezembro, muitas das manifestações diagnosticadas como gripe, na realidade, seriam manifestações de covid. Aumentava o número enorme de pessoas precisando de internação hospitalar. E um “apagão de dados” agravava a situação.

Nicolelis apelava à vacinação de crianças. Esta não poderia ser adiada, por conta de uma consulta pública, que, nas palavras de Nicolelis, “não tinha comprovação científica nenhuma”. Esta afirmação poderia ser adaptada a outro surto pandêmico, ocorrido entre os séculos XVIII e XIX, pois o modelo educacional imposto às escolas pelo poder público “não tinha comprovação científica nenhuma”. 

Em outra cartinha, contei-vos a estória do Bino, vítima desse modelo educacional. Para esse jovem, a Ponte foi uma escola de “última oportunidade”. Mais tarde, conheci outra escola de “segunda oportunidade”. Em Matosinhos, a Daniela e a sua equipe cuidavam dos deserdados do instrucionismo. Que belo trabalho ela fazia! 

A origem socioinstitucional do insucesso não era admitida. E a pandemia instrucionista iria manter-se até aos anos trinta, tratada com paliativos ministeriais de nulo efeito, mitigada por projetos como o da “Educação de Jovens e Adultos”, ou o “Reconhecimento dos Adquiridos”, assentes no pressuposto de que o insucesso escolar apenas tinha origem socioeconômica e cultural.

Por: José Pacheco

 

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