Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXXI)

Niterói, 23 de janeiro de 2042

Reparei, agora, que já vos enviei mais de setecentas cartinhas. Espero que não vos obrigueis a uma “overdose” de leitura e, também, não vos aborrecer, por estar sempre a falar-vos de alunos “diferentes”. Todos o somos e, mais uma vez, abusarei da vossa paciência, para deles vos falar. Desta vez, a propósito do modo como, na Ponte, comtemplávamos a “diferença”. O farei sob a forma do diálogo, que cultivávamos, nos idos de oitenta. Ei-lo:

“Ao falar sobre motivação do professor, um dos trabalhos que procuramos realizar é o de se criar diferentes espaços de escuta, onde o professor possa colocar suas aflições e preocupações, sem passar por pré-julgamentos. Visto que a Ponte lida com alunos que apresentam dificuldades emocionais, que tipo de suporte recebe o profissional que lida com tudo isso? Bastam os conselhos e diferentes encontros de equipe, ou é preciso algo a mais? Fale um pouco mais sobre o papel da psicóloga. Como ela participa de todo o processo? Os professores são grandes cuidadores. Cuidam do SER, há também uma política em todo o processo, com o intuito de cuidar do cuidador?

O que se observa é que os alunos da Ponte aprenderam que eles são os responsáveis pelo aprendizado. Como se deu esse processo? Como acontece o “planejamento” na escola da Ponte? Todos os profissionais se reúnem em um mesmo tempo e espaço? Em que período? Quando os professores se reúnem, com quem ficam os alunos?

“A psicóloga que acompanhei mais de perto estava no seu segundo ano na escola. Vi que ela estava tentando organizar o seu trabalho. Falou que, no primeiro ano, praticamente ficou nos espaços, tentando compreender a dinâmica da escola e perceber a forma de trabalhar dos professores e alunos. Agora, ela já estava tentando sistematizar uma prática mais preventiva. Mas ainda estava no início. Tinha vontade de organizar grupo de pais e funcionários e já estava trabalhando com alguns alunos um grupo de formação pessoal e social. 

Sua principal inquietação era esta: como poderia ser dado um acompanhamento mais individualizado para algumas crianças com dificuldades específicas e como poderia realizar a avaliação psicológica na escola? Mas é claro que, em muitos casos, era chamada como “bombeira”, para apagar alguns fogos. Também se preocupava em cuidar um pouco dos educadores, mas não percebi o trabalho nesse sentido.”

O trabalho cooperativo de professores (há sempre mais que dois em cada espaço, em cada momento), a autoformação e a formação em círculo de estudo são suportes que permitem a todos e a cada um dos orientadores educativos dar resposta a todos e a cada caso.

Nos últimos anos, integramos duas psicólogas na equipa de projeto. Mas elas tendem a agir de modo clínico, quase supletivamente, dentro dos modelos de intervenção em que foram formadas. Espero que venham a ter tempo e disponibilidade para entender como se deve trabalhar na Ponte. Elas são pessoas capazes de entender e de mudar. Creio ser necessário integrar novas valências na equipa de projeto (educadores sociais, animadores socioeducativos, sociólogos, antropólogos, especialistas em diversas áreas das chamadas “necessidades educativas especiais”), que sejam capazes de trabalhar em espaços comuns, cooperativamente. Conselhos e encontros não bastam. É preciso predisposição pessoal para aceitar, estudar, mudar”.

Depois de duas décadas de uma pioneira “integração de alunos com necessidades educativas especiais”, errando e revendo processos, a Ponte tentava praticar a mítica “inclusão” proposta em Salamanca, na década de noventa.

 

Por: José Pacheco

304total visits,1visits today

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Scroll to top