Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXLIII)

São Paulo, 15 de fevereiro de 2042

Permiti, queridos netos, que volte a falar de pérfidas iniciativas ministeriais. E que o faça com base num estudo sério: “Os pais no Conselho Geral das escolas: Entre a retórica da ação estratégica e a subordinação múltipla”.

Como já vos disse, milhares de estudos foram armazenados em arquivos de universidade e ministérios, condenados ao esquecimento, até que outro estudo do mesmo tipo e preocupações surgisse. Mas, como o José era um bom homem e honesto educador, me dignei ler o documento, que ele produziu.  

Dado que os funcionários ministeriais dos idos de vinte, embora parecessem atarefados, quase nada de útil tinham que fazer, mitigavam o burocrático tédio redigindo normativos feitos de belas palavras e tenebrosas intenções. O decreto-lei de abril de 2008 era disso exemplo.

Se a intenção era a de criar “condições essenciais para a melhoria do sistema público de educação”, tal desiderato não se conseguiria alcançar com “a reestruturação da rede escolar”. Viciados em pedagogia predial, os legisladores “achavam” que escolas eram edifícios feitos de salas de aula e, já nas décadas anteriores a esse decreto-lei, o “achismo da “reestruturação” conduzira à desertificação do interior do país, a uma ruinosa manutenção de “centros educativos” ociosos e outras megalomanias prediais.

O sistema, também, não melhoraria com “a consolidação e alargamento da rede de escolas com contratos de autonomia”, dado que de autonomia os novos contratos pouco ou mesmo nada tinham. O legislador decretara que a definição das linhas orientadoras da atividade da escola era atribuição do conselho geral. Porém, se as “linhas orientadoras” eram estabelecidas por um diretor e se os não docentes não podiam ser maioria no “órgão de direção estratégica”, cadê a participação da polis na “definição”?

A anunciada “hierarquização no exercício de cargos de gestão” ia na contramão de um efetivo exercício de autonomia. Ao trocar conselhos de direção por diretores, reforçava-se o centralismo. Se a atividade do diretor estava subordinada ao dever de obediência hierárquica, não se percebia como essa troca pudesse “melhorar o sistema”. 

O decreto falava do reforço da exigência dos requisitos para o exercício da função de diretor e de “formação especializada para o exercício do cargo”. Mas, se a maioria dos diretores delegava nos seus vices a competência pedagógica, de que “especialização” falaria o decreto?

Quanto à “integração dos instrumentos de gestão, a consolidação de uma cultura de avaliação e o reforço da abertura à comunidade” (sic), restava saber de que “cultura de avaliação”, de que “abertura à comunidade” se tratava.

Já dizia o Licínio que a escola era, simultaneamente, um sistema de reprodução normativa e um sistema produtor de “políticas, orientações e regras”. A escola era uma organização social marcada por múltiplas perspectivas. Os atores escolares não se limitavam ao cumprimento sistemático e integral das regras hierarquicamente estabelecidas por outrem. A lógica burocrática, a centralização do poder de decisão, uma extensa cadeia hierárquica, a divisão e fragmentação do trabalho, a impessoalidade das relações interpessoais, a uniformidade e padronização dos currículos e sistema de avaliação condicionavam a reinterpretação das regras. 

E eis que, há vinte anos, um governo de maioria absoluta foi formado. Esperei a publicação do programa de governo para a educação. Era grande a expectativa. Seria desta vez que o ministério da educação primaria pela honestidade e competência?

Por: José Pacheco

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