Novas Histórias do Tempo da Velha Escola DCCLXLVI

Petrópolis, 19 de fevereiro de 2042

Em meados do mês de fevereiro de há vinte anos, atravessei, de novo, o Atlântico. Fui de São Paulo a Pampilhosa da Serra, acompanhado de preocupações. A forte tempestade que atingiu Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, já causara mais de cem mortos. Muitas delas, crianças. E havia muitas pessoas dadas como desaparecidas.

O número de mortos ultrapassava o registrado em 2011, quando 73 pessoas morreram na cidade, devido às chuvas. Nesse ano, toda a região serrana foi atingida por tempestades e 918 pessoas morreram.

Estávamos perante mais uma tragédia anunciada, causada pelo desmatamento ilegal, por assoreamentos, pela incúria. As águas pluviais represadas em frágeis encostas viravam torrentes, abrindo caminhos novos, provocando o caos. Os meios de comunicação social mostravam casas destruídas por deslizamentos de terras, carros levados pela corrente, empresas inundadas pela água que corria pelas ruas do centro histórico da cidade.

Agentes da Guarda Civil acompanhavam os resgates dos corpos, que estavam presos a ferragens, ou submersos. Temia-se que o número de mortos pudesse aumentar ainda mais à medida que bombeiros e voluntários escavavam os restos de casas levadas por torrentes de lama, muitas delas em favelas empobrecidas das encostas. Foi decretado o estado de calamidade pública e as equipas dos hospitais foram reforçadas para o atendimento às vítimas.

Estávamos a atravessar uma das eras de razão cínica. A ignorância conduzira idiotas ao poder. A pulsão da morte prosperava. No Brasil, como no Portugal de 2017, sucediam-se cíclicas tragédias. Favelas e aldeias serranas foram destruídas. Centenas de seres humanos pereceram em derrocadas e foram imoladas em incêndios florestais.

Pessoas resgatadas com vida, ou que haviam perdido todos os seus haveres, eram alojadas em abrigos, a maioria em escolas. Instituições de caridade pediam doações de colchões, cobertores, alimentos, água, roupas e máscaras para as vítimas. Surgiam iniciativas como a da Cecília, para acudir a urgentes necessidades de com um povo abandonado à sua sorte. No 17 de fevereiro de há vinte anos, a Cecília “atualizava” o seu “modus operandi”:

“Boa noite, amigos! Hoje destinei 700 reais para compras de fraldas, mamadeiras, lenços umedecidos, chupetas, leite. E mais 700 reais para a compra de Itens de higiene, sabonetes, pasta de dente, escova de dente, alimentos prontos (suco, biscoito, todinho). E, no fim da tarde, compramos 450 reais descartáveis, que foram destinados para uma unidade escolar que está, juntamente com uma igreja, produzindo quentinhas para distribuir de dia e de noite. 

Saldo do dia: 1.850 motivos para manter viva a esperança no poder do bem e em motivos para agradecer a cada um!”

Os prédios das escolas sempre albergaram ocultas tragédias – as educacionais. Numa delas fora encontrado o cadáver de uma aluna vítima de enxurrada. Na rua foi encontrado o cadáver da professora Raquel. Tantas vidas precocemente ceifadas!

Quem dera que, nesse tempo, a Cecília pudesse dispor de maiores meios de atender a necessidades essenciais da educação petropolitana. E, sobretudo, que pudesse influenciar, tomar decisões, que permitissem que os prédios das escolas fossem usados para abrigar sobreviventes de tragédias, mas também para as prevenir e evitar.

A prevenção estava na prática de uma nova educação, aquela que a bondosa e solidária Cecília viria a conceber, mais tarde, para que jamais fosse necessário usar as escolas para mitigar os efeitos de tragédias anunciadas.

Por: José Pacheco

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