Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCC)

Machio, 23 de fevereiro de 2042

Estávamos no início dos anos setenta e o episódio passou-se no “Estádio 28 de Maio”, em Braga. A curiosidade levou-me a um dos magnos encontros de professores promovidos pelo Estado Novo. Contrariando o ambiente de ardente apologia da situação e das louvaminhas ao governo da Nação, cometi o atrevimento de formular uma pergunta dissonante, daquelas que ninguém no seu perfeito juízo ousava sequer pensar. 

A pergunta tinha a ver com algo que, já então, me causava estranheza: o facto de o vencimento dos professores aumentar em função do tempo de serviço. Eu considerava estranho que não fosse proporcional ao número de horas de trabalho, ou que não tivesse relação intrínseca com a qualidade do desempenho. 

Nesse dinossáurico tempo de denunciantes, era perigoso pensar, e bem pior dizer o que se pensava. Mas disse-o. 

Jamais se vira tal desaforo! Ficou-me bem cara a proeza, porque a polícia política não era mansa no tratamento dos dissonantes. 

Um colega mais velho, salazarista convicto, afastou-me do microfone, puxou de galões e foi ovacionado: 

“Olhe que eu já levo vinte e tal anos de serviço e você é novo nisto. Ouviu? Quando chegar à minha idade, há-de dizer-me se ainda pensa da mesma maneira!” 

Creio já ter chegado à “sábia idade da experiência”, pois já conto muito mais que os “vinte e tal anos de serviço”. Gostaria de reencontrar aquele colega para lhe dizer que continuo a pensar do mesmo modo. O que a experiência me ensinou foi que não deveria aproveitar a experiência da formação inicial, nem a experiência das rotinas instaladas, que em muitas escolas encontrei. No lugar do apelo à experiência eu colocaria o valor da solidariedade, que ajuda a aprender com os outros. Nos idos de vinte, cinquenta anos volvidos sobre esse episódio, eu continuava a irritar os guardiães do templo corporativo, questionando o divisionismo, que consentíamos e que enfraquecia a nossa profissão. 

Convidava os professores à reflexão sobre sacrossantos critérios adotados em concursos e estabelecimento de salários: “anos de experiência”, “graduação”, “doutoramento” e outros que tais. Não estava provado que um doutoramento ou a experiência acumulada “no decurso de tempo de serviço” conferisse maior qualidade ao exercício da profissão. Que não se confundisse “experiência” com “formação experiencial”, porque eram conceitos bem diversos. Quem dava aula só tinha um ano de “experiência”, porque repetia a “experiência”, ano após ano. Essa “experiência” acumulada em anos de mesmice de nada servia. 

E o que tinha sido a chamada “avaliação de desempenho”? Algo que jamais passou de rotina administrativa, que em nada concorreu para a valorização profissional. Nada se avaliou, ninguém avaliou coisa nenhuma, ninguém foi avaliado. 

A nota final de curso o que representava? Nos trinta anos de Ponte, nem sempre (ou quase nunca, melhor dizendo) os professores com melhor nota foram os melhores professores na prática. 

Que valor tinha uma lista graduada? O critério “tempo de serviço” significava “quanto mais tempo me servires, mais te promovo e te recompenso”? Estaria tão enraizada a tacanha mentalidade de funcionário público e a obediência cega ao Estado-patrão? 

O “legalismo” formatou-nos numa profissão espartilhada em sectores e categorias hierarquizadas, em diferentes componentes letivas, em vencimentos desiguais para trabalho igual. Por essas e por outras, nos contratos e termos de autonomia constava a necessidade de estabilidade das equipes de projeto, independentemente da quantidade de “anos de experiência”.

Por: José Pacheco

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